NATÁLIA
Meses antes
Segunda-feira, 26 de fevereiro
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Muitas partes do meu trabalho me alegram pra um caralho, e receber elogios de clientes ocupa o TOP 3 delas.
Com o tablet em mãos, confiro nele diversos e-mails destinados a mim e a N.A. Publicidades, enquanto a Ká está deitada no outro sofá falando do seu chef gato. Sei algumas coisas dele que Karine me conta, mas não conheço a sua aparência porque a minha melhor nunca quis tirar uma foto dele disfarçadamente e não tem as redes sociais do chef.
Sorrio para a tela do aparelho quando leio que minha empresa merece cada vez mais reconhecimento e logo sinto algo macio atingir meu rosto. Seguro o tablet com mais força pra impedir ele de cair por causa do susto e em seguida olho chocada para Karine. A almofada com as cores da bandeira bissexual repousa do meu lado de qualquer jeito.
Minha amiga tem um sorriso de vitória nos lábios e eu dou risada, não conseguindo manter uma expressão de irritação no rosto.
Devolvo a almofada que ela jogou em mim quando percebeu minha desatenção.
— Você quase quebrou o tablet, Ká — reclamo, embora não esteja brava de verdade.
— Se tivesse quebrado, você poderia comprar outro, Avery — ela brinca usando o sobrenome do Jackson, um dos cirurgiões mais ricos de Grey's, a nossa série de TV favorita.
— Se alguém te escuta falar assim vai pensar que eu não me importo com o valor das coisas — comento, rindo. — Isso dá capa de revista bem sensacionalista, sabia? "Natália Almeida é uma grande babaca que acha que pode comprar tudo que quiser."
— Ok, desculpa pela almofadada, mas em minha defesa você não estava me ouvindo! — acusa de braços cruzados e as sobrancelhas franzidas. Eu sei que essa é sua expressão de revolta forçada e por isso rio. — Eu deveria trocar de melhor amiga! Vou ver se a Nana quer ocupar o cargo.
— Nana já é nossa melhor amiga — lembro. Ela é também minha prima. — Sobre estar distraída: desculpa.
— Dou a ela um sorriso culpado, como se eu fosse uma criança pega aprontando. Karine dá de ombros e ri. — Você estava falando do João, não estava?
Não preciso esperar uma resposta pra saber que estou certa sobre isso, porque conheço o suspiro característico dela de quando está divagando sobre algum cara de quem gosta. Ter uma amizade de tantos anos faz isso com a gente: passamos a conhecer tanto o outro quanto nos conhecemos.
— Você não deveria estar trabalhando hoje — repreende-me. Eu dou o meu sorriso de "vamos fingir que eu não estava, please". Ela estreita os olhos grandes na minha direção, como se fosse brigar por isso, mas, por fim, parece atender o meu pedido de não prosseguir nesse assunto. — Sim, era sobre o João — responde suspirando.
— Você já sabe o que eu penso sobre isso.
Não é a primeira vez que eu aconselho Karine a tentar decidir o que ela vai fazer em relação ao João, porque a minha melhor amiga não merece nada menos do que um mocinho que diz as coisas bregas, porém, lindas que ela escreve em seus livros, e com certeza sentar em uma mesa e ficar olhando o cara de quem gosta de longe não vai proporcionar isso a ela.
— Meu sonho é te ver vivendo uma dessas histórias de amor cheias de coisas que não fazem o menor sentido para quem não está apaixonado, sabe, Ká? Eu quero te ver amando e sendo amada, e não sofrendo por um cara que não sabe que você gosta dele e que ainda por cima é casado.
Há dois anos eu vejo a minha amiga se sentindo uma eterna culpa por se interessar por um homem comprometido. Ela nem sequer tentou uma amizade com o cara.
— Por que você está me olhando assim? — pergunto, estreitando as sobrancelhas.
— Então, eu tenho uma informação nova sobre o João... Ele se divorciou. Já faz três meses, mas eu só descobri ontem. Fiquei tão atarefada com o meu novo livro que nem estava indo ao restaurante.
— Olha, o chef está solteiro! Já pode chamar ele pra sair! — afirmo, empolgada. Ela suspira, como se eu falasse alguma bobagem, mas mantém o sorriso bonito nos lábio..
— Você tem muita fé de que ele vai aceitar, Nat!
— Se não aceitar, quem perde é ele, meu amor.
— É que... Ele é tão bonito, amiga.
— E você também é, meu anjo! — afirmo, bebendo um copo d’água logo em seguida. O calor aqui está demais. São Paulo é uma cidade oito ou oitenta, como diria minha mãe Paulina, para os mais próximos, Lina.
— E se ele for o tipo de cara que transa no primerio encontro? Eu fico com receio disso, porque eu nunca fui uma pessoa transante, mas eu gosto de sexo, eu só não sou a pessoa que fica com um desconhecido em uma balada ou um Carnaval qualquer.
— Essa pessoa sou eu — brinco, tentando fazê-la sorrir e consigo, mas a expressão feliz não dura muito.
— Sim, essa é você. Você tem uma vida sexual linda, cheia de orgasmos e felicidade, enquanto isso... Meu Deus, eu só tive experiências sexuais medianas com meus ex-namorados — Karine constata, o olhar perdido em algum ponto atrás de mim. — Eu lembro de estar ali, querendo tanto quanto eles, mas me sentia jogada pra fora de um momento em que eu deveria ser tão protagonista quanto quem estava comigo. No fim, era como se os caras simplesmente não se importassem de me fazer gozar. — Ká foca em mim outra vez e eu sorrio compreensiva pra ela.
— Você falou de um jeito que parecia que estava em uma surruba com todos os seus ex-namorados — brinco pra arrancar dela uma risada sincera e outra vez consigo. — Olha, amiga, pra mim, transar é se permitir conhecer o corpo de outra pessoa e o seu. Se quem estava com você não fez isso, o problema não está em você. Vai encontrar alguém que faça isso. Eu vou torcer pra ser logo, porque transar esperando gozar e isso não acontecer é castigo demais! Não desejo nem para os meus concorrentes — comento séria, mas o riso da Ká irrompe pelo apartamento e eu até sei o porquê. Não demora muito para eu me juntar a ela.
— Imagina se seu pai conservador te ouvisse falar isso — comenta Karine, depois de puxar o ar e parar de rir como se o mundo fosse acabar. Isso nem tem tanta graça assim, mas o riso frouxo da Ká é contagiante.
— Ele infartava de novo — brinco, lembrando do meu pai realmente quase tendo um ataque cardíaco quando apresentei a ele a minha primeira namorada.
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