Como mamãe não se deu ao trabalho de explicar em quais momentos Hector pode ficar ao meu lado, deduzo sozinha que seria de bom-tom ele ficar ao menos no início dos cumprimentos, iniciado pelos outros herdeiros, para assim ser apresentado formalmente a estes… embora ele já conheça muito bem um deles.
Ele dá um bufo irônico quando comento isso, não tão descontraído quanto parece pretender. Com a mão pousada em meu ombro, a preocupação nervosa ecoa na minha, transmitida junto a calidez de sua pele. Aperto sua mão uma única vez, em reconforto mútuo, enquanto explico brevemente os protocolos para este momento.
Uma forma de lembrar a mim mesma também que só preciso receber os cumprimentos, sorrir e agradecer.
Volto a posicionar a mão sobre o colo e, com uma profunda inspiração, sinalizo para os dois guardas posicionados diante do estrado que estou pronta. Eles se movem, indicando que é permitido se aproximar.
O príncipe Raví, de Bérthia, é o primeiro.
Suas roupas formais, no mesmo estilo de terno ornamentado de papai, são de um dourado pálido com detalhes bordados em azul-celeste, como ondas do mar, e harmonizam com a pele castanha-acobreada; a coroa é um fino aro dourado com pequenos sóis sobre os escuros cabelos encaracolados. Sou mais velha dois anos, mas estamos na mesma posição, por isso em vez de uma reverência ele faz apenas um cordial aceno de cabeça ao transmitir os cumprimentos em nome de sua família. Após agradecer, apresento Hector, que faz uma reverência formal.
O príncipe inclina a cabeça para ele, nos olhos âmbar uma remota curiosidade.
— Soube que é nosso conterrâneo de Bérthia… Filho do barão Michaelis, reitor da Academia, não é? Não lembro de já ter visto você na corte.
— Sim, Alteza… eu não costumava frequentar a corte em meus anos de Academia — o tom de Hector é quase de desculpas, a mão pesando mais em meu ombro.
— É, ouvi dizer que é cansativo mesmo — o príncipe replica com dar de ombros. Em seu tom ou expressão não há qualquer indício de desdém, apenas… tédio. Mas ele agiu do mesmo jeito em todas as três vezes em que nos encontramos. O que nem posso julgar, pois foram situações de eventos formais, cumprindo deveres.
Por isso, não me surpreendo quando ele logo arremata com uma despedida cordial para nós dois e se afasta.
Ao menos alguém já terminou sua obrigação da noite, suspiro cansada. Hector ecoa o suspiro.
— Parece que estou numa prova oral sem ter estudado nada — murmura pelo canto da boca. — Mas poderia ter sido pior…
Antes que eu possa apertar sua mão e tranquilizá-lo de que foi tão bem quanto possível numa conversa tão breve, o outro herdeiro é anunciado.
E tenho certeza de que Hector sente quando meus músculos enrijecem e trancam a respiração.
Escórpio se aproxima devagar. As vestes em verde-esmeralda com parreiras bordadas em prata o deixam com aspecto de mármore afiado. Até mesmo a coroa trançada como galhos sobre a testa é de ouro branco, perceptível em meio aos cabelos apenas por conta das pequenas esmeraldas.
A mesura de cabeça está mais para uma avaliação desdenhosa do que cortesia.
— Acho que lembro de você… Ainda é burro de jogar terra em alguém maior? — diz para Hector, o sorriso cínico ao perceber o nariz torto.
Hector não cai na provocação e faz apenas uma rígida reverência.
— Ele está maior agora. Mas e você, Escórpio, ainda se assusta com gatos? — a resposta me escapa por trás do sorriso forçado.
Hector aperta meu ombro.
O sorriso de Escórpio desaparece em lábios cerrados ao virar-se para mim. Aperta os espelhos de ônix em minha direção.
— E você, está gostando de estar nesse trono? Já imaginou como vai ser quando a coroa sobre sua cabeça for ainda mais pesada? — replica, o afiado sorriso desdenhoso retornando ao me perceber congelar. — Que a nova idade traga muita sabedoria para tomar as decisões certas sobre o rumo de sua vida, priminha.
Suas palavras descem como farpas geladas para meu estômago, mas forço um meneio de agradecimento cordial para que os demais convidados não criem suposições ainda mais mirabolantes sobre minha relação com ele.
Escórpio, após outro irônico aceno de cabeça para mim e ignorando Hector, dá as costas ciente de que mais uma vez perturbou minha instável paz.
— Realmente se aproximou dele durante esses anos? — Hector sussurra, chocado.
Libero o ar estagnado como chumbo no peito e ergo as sobrancelhas para ele.
— Pareceu a você que somos próximos?
— Que compartilham uma conversa interna, isso é óbvio. — Ele encolhe os ombros e acrescenta com meio sorriso implicante: — E boatos começam de algum lugar. Todos perceberam que ele não desgrudou os olhos de você ontem, então…
— Não me venha com isso você também — bufo, consternada, balançando a cabeça. — O interesse de Escórpio em mim é outro. Explico outra hora — acrescento num murmúrio apressado ao perceber a aproximação do herdeiro de Lunagory.
— Se puder não me jogar numa briga com um futuro rei, agradeço.
— Verei o que posso fazer — replico por entre o sorriso apertado.
Me viro novamente para receber os cumprimentos do príncipe de Lunagory.
Contando quase trinta anos, o mais velho entre os herdeiros, o príncipe Jalil traz em seus trajes formais as cores branco com cristais de gelo bordados em azul, realçando a alvura dos curtos cabelos crespos adornados com a fina coroa de prata e contrastando com o tom quase safira da pele negra. Com tal beleza, Jalil atrai ainda mais suspiros do que Escórpio — especialmente porque Jalil não traz uma carranca de desgosto permanente.
A conversa se estende pouco além dos cumprimentos e apresentações de praxe. Transmito meus votos de saúde para seu gêmeo mais novo, Gerarde — quem geralmente comparece aos eventos da corte — e para sua avó, a rainha Luenan, ao que ele garante que ambos estarão presentes em outubro… então as sobrancelhas brancas se erguem de forma sugestiva para mim e Hector.
— Forma interessante de lidarem com o anúncio ontem, aliás… está sendo divertido ouvir os comentários. — O rosto solene se abre num leve sorriso que cintila nas íris azul-gelo. — Mas não irei tomar mais do seu tempo agora, princesa. Conheço bem os protocolos para saber o quanto está apertado. Foi um prazer conhecê-lo, Michaelis.
Então ele nos dá um solene aceno de cabeça e se afasta.
— Ele é sempre assim? Gostei dele — Hector sussurra, admirado.
— É difícil não gostar.
Os gêmeos estão entre os poucos nobres que são uma companhia agradável e com quem é fácil conversar, embora nos encontremos raramente e a distância de idades dificulte maior afinidade de interesses. Uma parte de mim sempre desejou que eles é quem fossem meus primos distantes… ou que Jalil fosse uma garota de idade aproximada à minha, assim talvez pudéssemos ter uma amizade por cartas, como nossas avós tiveram, compartilhando os fardos da coroa.
Em vez disso, meu “primo” é Escórpio. E a única outra princesa, além de Annabella, é Tamara, de Bérthia — que tem uns nove anos.
Balanço a cabeça, num suspiro exasperado e pesaroso.
Não é hora de ficar me lastimando por isso quando existem outras coisas mais imediatas pelas quais lamentar.
— Tem relógio de bolso?
— Sim, para quê? — Hector replica, inclinando a cabeça em confusão.
— Ouviu o que mamãe disse. Já foi apresentado aos herdeiros, não há necessidade que permaneça de pé aqui… Volte em meia hora para circularmos pelo salão, por favor.
— Por que está tão solene comigo como se estivesse para me condenar à tortura? — ele diz com um risinho enquanto as íris chocolate me analisam. Antes que possa replicar, ele aperta de leve meu ombro rígido e acrescenta, mais sério: — Ficará bem?
— É a parte mais tranquila da noite. — Encolho os ombros, novamente suspirando resignada entre o sorriso costurado. — Aproveite a liberdade por nós dois.
— Verei o que posso fazer — concorda, imitando a resposta que lhe dei há pouco.
Hector aperta meu ombro uma última vez, como apoio moral, e passa por trás da cadeira para sair do estrado.
Então fico sozinha no trono.
Me esforço para ignorar a sensação de vazio opressivo, quando até mesmo o aroma de morangos já desvaneceu. Tento me concentrar ao máximo nos cumprimentos repetitivos, enquanto na mão esquerda giro discretamente o anel em meu dedo médio na esperança de me distrair das batidas insistentes contra o porão.
Mas, sozinha nesse trono montado enquanto o salão se estende — enorme e claustrofóbico ao mesmo tempo, com tantos olhos cravados em mim — e a coroa volta a ser vidro enterrado sobre minha cabeça, é como tentar impedir sozinha que um bando de salteadores arrombe uma porta capenga.
“Está gostando de estar nesse trono? Já imaginou como será quando a coroa sobre sua cabeça for ainda mais pesada?”
Cumprimentos. Sorriso forçado de agradecimento. Ecos sorrateiros. Prestar atenção em cada detalhe do convidado diante de mim para abafar os ecos. Manter o sorriso. Muda o convidado.
E repete o ciclo.
Quanto tempo acha que vai suportar isso?
Os sussurros da torre mal-assombrada circulam livremente dentro de minha armadura, trancada comigo. Faço meu melhor para ignorá-la e me manter aos protocolos, mas a certa altura já não sei mais quem me cumprimentou, quem disse o quê ou se um dia voltarei a ter sensibilidade nas bochechas.
Quantos séculos cabem dentro de trinta minutos?
— Vim resgatá-la antes que crie raízes nesse trono, minha bela princesa — a voz grave de Hector surpreende-me vindo por trás de mim após outro convidado se retirar.
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