[Continuação da Parte 1]
Suspirei, passando as mãos pelo rosto, o tecido rendado das luvas roçando em minha pele fina. Que cena constrangedora foi receber Gomes para um chá da tarde logo após sua chegada a Belém, depois de sua primeira missão sem a minha companhia. Eu não havia tido coragem de anunciar sobre meu noivado com Norberto, afinal, mal nos falamos depois de Sarreguemines, várias pontas soltas precisando de remendos. E então, minha mãe chegou com os biscoitos de castanha-do-pará recém-feitos e, enquanto Gomes mastigava e eu tomava o chá de cidreira, ela soltou:
— Ah, Agatha... — Ela sempre dizia o nome de Gomes com uma dose de desgosto. — Seria simbólico e honroso que fosses madrinha do casamento.
Eu havia engasgado com o chá, meu grunhido de desespero sendo a única válvula de escape diante do olhar franzido de confusão de Gomes que, com a boca ainda cheia como a de uma criança ingênua, indagou:
— Que casamento?
Lembro-me de sua expressão paisagística, como se estivesse em outro mundo, quando minha mãe, sem minha autorização, contava a novidade para Gomes que, em seguida, justificou a saída mais cedo para um compromisso com o delegado. Eu tinha sentido tanta falta dela que me corroía, mas não pude fazer muito além de puxar a manga de sua camisa, meu olhar perdido no seu, em busca de alguma redenção, algum aceite do meu pedido de perdão silencioso. Mas Gomes mal me encarou depois de se despedir.
— Ela fez de propósito... — murmurei com uma careta de nojo. Minha mãe sabia fazer seus próprios joguinhos. — Eu a impedi de continuar te importunando, no entanto.
— Eu sei que ela fez de propósito... E isso não me deixa mais feliz. Na verdade, estava acostumada à convivência pouco saudável que eu tinha com seus pais.
— No caso, quando você se esgueirava pelos jardins da minha casa para convidar-me a participar de suas investigações perigosas? — Virei-me para ela, inquisidora. — Porque, honestamente, Gomes, se eu fosse minha mãe, também ficaria preocupada se minha filha, minha única filha, a primeira mulher da família a estudar em faculdade, se perdesse em aventuras investigativas sem nenhum retorno financeiro, só possíveis danos psicológicos e físicos.
— Égua, isso foi... Terrível da sua parte. É sua mãe falando ou você?
Engoli em seco.
— Minha mãe, em parte — confessei, enojada de mim. — Eu concordo em partes com ela, sim.
— Então sou um fracasso que não consigo suprir nada financeiramente? — Ela induziu a pergunta cruelmente.
— Não, Gomes, claro que não! — Agitei os braços, irritada. — Não é um fracasso! É um sucesso! É frustrante que essas pessoas não reconheçam seu valor. Não consigo imaginar um mundo que não apoie a sua genialidade. — Comecei a andar nervosa pela cozinha. — Ainda não entendo por que não quis entrar na universidade, mesmo com todas as notas a seu favor.
— A investigação me traz algum retorno satisfatório, e eu mesma construo minhas... Como chamas? Engenhocas.
— Poderia ter muito mais retorno financeiro, não? Ao menos, se tivesse continuado seus estudos. Por que não pode ser alguém normal, alguém com ambições, alguém que... — Engoli o resto: "Alguém que minha família aprovaria, que não se colocaria em perigo sempre, ou que não me deixaria noites acordada, com medo das ideias revolucionárias que teria no dia seguinte. Alguém que não quisesse resultados além daqueles em que partilharíamos durante os anos de nossas vidas. Alguém que se contentasse apenas comigo, com nossa casa, com eventuais contas a pagar, sem ser obcecada por uma rival ou ideias mirabolantes que não trariam resultado prático algum. Alguém que pudesse me deixar segura e não me trocaria por um mistério a ser resolvido. Alguém que entendesse meus sonhos simplórios de viver".
Senti minha garganta arder com aqueles pensamentos, e meus olhos marejaram. Ainda assim, com todos meus anseios e frustrações, aquilo tudo, todas aquelas coisas eram o que fazia de Gomes, Gomes, e eram exatamente o motivo pelo qual eu não conseguia dizer "não" para ela, nunca. Um "não" de verdade. Um "não" para sempre, seria o bastante.
— Você, mais que ninguém, sabe que eu teria enlouquecido em um lugar que é mais um circo de leões egocêntricos que não estão ali para fazer ciência ou inová-la. Eles só querem uma titulação estúpida, que um nobre facilmente compra por aqui! Ah, mas talvez eu devesse ter seguido a carreira militar e te deixado sozinha por meses a fio?
Pus as mãos no rosto sufocando um grito.
— Gomes, você é inacreditável. Acha que só você passa por essas incertezas e problemas? Todo mundo precisa ter escolhas, tomar decisões e fazer concessões! É isso o que nos torna maduros! E eu? Eu sempre estive aqui pra ti, sempre! Alguma vez antes do nosso... Antes da... Antes de Sarreguemines... Alguma vez eu te disse "não, não vou" ou "não, Gomes, estou estudando porque minha prova é na manhã do dia seguinte"? Na verdade, lembro-me de inúmeras vezes dizer que eu tinha uma vida além dos seus projetos, e o que fizeste com essa informação? Bem, nunca concedeste.
— Eu te convencia. Não venha dizer que não foi escolha sua perder umas aulas e umas provinhas. — Ela deu de ombros, presunçosa. Grunhi.
— Sim, convencia-me, mas porque eu nem conseguia conceber a ideia de te perder em uma aventura perigosa em que eu não pudesse, no mínimo, estar presente para te acompanhar e saber que fiz meu possível para te auxiliar, porque é isso que uma pessoa que nutre um sentimento bom pela gente faz.
Gomes abriu a boca e fechou-a em seguida.
— E não, Gomes! Nunca te disse "não". Eu sempre concedia. E os outros? Acha mesmo que Norberto teve uma vida fácil? Ele é o caçula de uma mãe viúva que teve seis filhas antes dele! Se não está fácil para homens arranjarem emprego, imagina mulheres. Como elas sobreviveram até ali? À base de inúmeros sacrifícios que não vou entrar no mérito, mas o que Norberto fez? Ele não teve escolha! Havia uma única carreira que ele podia seguir sendo alguém que todos viam como uma ameaça por... — gaguejei.
Agatha sabia o motivo, e não precisávamos falar sobre aquilo. Não naquele momento.
— Enfim — continuei —, ele seguiu em frente, suportou inúmeras humilhações na academia militar... E Misato? Ela é filha de imigrantes que só sabiam falar japonês. Eu não suporto Misato, e sei muito bem quem está me substituindo como sua médica, e seja lá no que mais ela esteja me substituindo...
Agatha abriu a boca, provavelmente para se defender ou defender Misato, mas ergui as mãos em sinal de "pare!".
— O que vem ao caso é que sei, com convicção, que ela teria preferido ser uma pintora a fazer o curso de medicina. Mas havia possibilidade de alguém como ela, aqui onde moramos, alçar grandes voos na arte? Não!
Só depois percebi que o excesso de palavras emocionadas e o tom baixo que estava usando tiraram-me o fôlego. Agatha, porém, ouvia-me com atenção, uma rara ocorrência, e surpreendeu-me, tendo em vista a quantidade de estrume que acabei cuspindo em cima dela.
— Tu falaste um quilo, e eu queria entender dois gramas.
— O quê? — Percebi que havia me aproximado dela enquanto falava.
— Primeiro, como o Bolognesa-bigode-de-escovinha arrastou com tanta força a cadeira a ponto de arranhar a lajota portuguesa dele? Diria que ele chegou em seu limite para que isso acontecesse... — Ela segurou-se na mesa, arrastando de leve a cadeira para frente enquanto observava a trilha que havia sido feita no chão, sem fazer barulho. Revirei os olhos, tentando não sacudir seus ombros em frustração e avisar que aquele seria um ótimo momento para uma pausa na investigação. — Segundo...
Ela encarou-me e tirou a lupa. Seus olhos, já não caricatos com um olho maior que o outro graças ao objeto, inspecionaram-me com curiosidade.
— Fala tanto de sacrifícios e sonhos, mas não me lembro de ter dito o que você teve que abandonar.
Senti-me como se tivesse caído de um zepelim. Inspirei fundo para não explodir em gritos. Estávamos presas naquele palacete de fantasmas, e se eu elevasse minha voz, seria capaz de despertar mais memórias que não estava preparada para ver, considerando que nem sabíamos onde estava Margot. Concentrei-me em Gomes e em sua figura, de repente imponente, naquela cadeira de apoio alto, feita para um nobre egocêntrico que nunca estaria à altura da própria mulher, que ocupava aquele lugar, e então disse baixinho:
— Agatha, o que abandonei...
Minhas emoções congelaram. Uma melodia vinha do outro lado do corredor, minha companhia em noites solitárias após a decisão que mudara minha vida começar a tomar forma até tornar-se o ponto final de uma jornada a duas.
— Louise?
A voz de Gomes era apenas um sussurro se comparado às notas do piano vindas de um aposento ainda não explorado. Não precisei abrir a porta, ela estendeu-se para mim como se me aguardasse e, então, entrei no recinto. Um pequeno lufar atrás de mim foi o que me fez perceber que a porta havia se fechado, e Gomes não estava lá dentro comigo.
Continua...
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CRÉDITOS
Autora: Giu Yukari Murakami
Edição: Bárbara Morais e Val Alves
Preparação: Val Alves
Revisão: Gabriel Yared
Diagramação: Val Alves
Título tipografado e montagem da capa: Fernanda Nia
Ilustração da capa: Maiara Malato
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