Música: “Here comes the sun” - The Beatles
O brilho que ambas garotas viram ao se adiantar em direção à luz, diminuiu de intensidade, consciente de que poderia machucar a vista das duas meninas.
O brilho vem de um gato preto com manchas brancas no pelo em forma de estrela. Ele sabia que ia atrair Tayná e Alice com isso, sendo o objetivo dele. Ele acabou de chegar ali e já esperava que as garotas iam fazer aquele caminho para irem para casa. Porém, na concepção dele, brilhar é o que vai unir as duas garotas como ele quer que aconteça.
Vendo Alice e Tayná se aproximarem, o gato deitou e rolou para ficar de barriga para cima e receber carícias. Ele nem mesmo sabe se as duas garotas gostam de gatos, mas por ser cheio de si, nem considerou essa possibilidade, já agindo de maneira garantida que vai conseguir carinho e ainda pelo menos uma casa para morar.
Ambas as garotas levaram a mão ao mesmo tempo para a barriga do gato e só quando se tocaram perceberam uma à outra. Isso às vezes acontece com ambas, em alguns momentos elas ficam tão focadas em algum objetivo que a visão se apaga das coisas e pessoas em volta, fazendo-as não perceber coisas que deveriam ter visto.
Alice levou um susto e caiu sentada para trás, a sorte é que ela já estava abaixada então não se machucou. Enquanto Tayná só olhou para a garota e deu uma leve risada com a cena.
— Olá! - Tayná iniciou a conversa ainda acariciando o gato.
— O… Oi!
— Esse gato é seu?
— Eu acabei de o encontrar. Ele é seu?
— Não, acabei de ver ele também. Ele parece dócil. - Tayná afagou a barriga do bichano.
Após pegar um pouco de coragem, Alice se aproximou de novo, ajoelhando no chão e endireitando o short. Ela está tímida por causa da outra garota, mas quer aproveitar o momento com o gatinho antes de ir para a casa da mãe.
As duas ainda não sabem o que acham daquela situação um tanto quanto inusitada, primeiro viram um gato brilhar e ainda não acreditam se viram certo mesmo ou se foi algum truque da imaginação fértil. Segundo, encontraram uma a outra, mas sem terem se visto se aproximarem.
— Posso? - Alice perguntou.
— Claro, o gato não é meu para te impedir.
Alice então colocou a mão no gato e fez carinho. Com as duas mexendo nos pelos dele, o gatinho começou a ronronar.
— Ele parece um motorzinho de carro de brinquedo. - Alice observou.
— Não é? - Tayná sorriu.
— Eu me chamo Alice e você? - apresentou-se meio envergonhada por estar lidando com uma estranha.
— Eu me chamo Tayná. Prazer em te conhecer, Alice! - declarou com certa firmeza.
— O prazer é meu… - Alice falou meio sem jeito depois de escutar o tom de voz de Tayná.
— Eu não estou vendo uma coleira nele, você acha que ele tem dono?
— Eu acho que não… Eu queria levar ele comigo.
— Ah, não. Eu também queria levar ele. Como vamos resolver?
— Que tal pedra, papel e tesoura?
— Pode ser.
As garotas ficaram por quase dez minutos inteiro jogando pedra, papel e tesoura e jogaram a mesma coisa uma da outra todas as vezes, nenhuma vencendo uma vez sequer.
A frustração já está começando a ficar estampada no rosto de Tayná quando ela percebeu que a lanchonete da rua está começando a abrir e as duas ainda não chegaram em um consenso de qual delas vai ficar com o gatinho.
— Isso não é possível, cansei. - Tayná aborreceu-se por não conseguir vencer.
— Eu tenho uma ideia… Mas não sei se você vai gostar. - Alice falou segurando as mãos, nervosa.
— O que é? - questionou curiosa.
— E se a gente dividisse a guarda dele?
Tayná ficou um tempo olhando para a cara da outra garota, meio incrédula com o que escutou, se questionando se não foi o cansaço que a fez escutar algo errado ou coisa assim.
O frio que está começando a fazer, a cara séria da Alice e os olhos dela de que está falando algo importante e esperando por uma resposta fizeram criar um ambiente com ar de urgência de uma confirmação ou negação por parte de Tayná. Então, depois de refletir por um tempo, ela decidiu que era hora de ver se entendeu direito.
— Tipo… Nós duas cuidarmos dele?
— Sim. Ele pode ficar uma semana na sua casa e uma semana na minha.
— Isso não é uma má ideia - refletiu. - Até porque se eu falar com minha mãe que alguém vai ajudar nas contas dele, vai ser mais fácil de convencer - resmungou pensativa.
— Sim, exatamente, ficaria mais fácil, né?! Mas os finais de semana ele teria que ficar com você, então você ficaria mais tempo com ele - declarou desanimada.
— Por que?
— Ah, é porque eu fico na minha mãe e ela não gosta de bicho.
— Entendi, mas aí seria injusto para você. Que tal se nos fins de semana a gente se encontrar para você poder ver ele? - sugeriu sem pensar.
Fez-se um silêncio momentâneo que deu tempo para Tayná pensar no que tinha dito, só então ela percebeu que ela estava marcando basicamente encontros de forma periódica com uma garota que acabou de conhecer depois de ter falado, fazendo já ser tarde para voltar atrás.
Quando Tayná toma uma decisão e, ainda mais, quando anuncia essa decisão para outra pessoa, ela sempre tenta não voltar atrás para não decepcionar ninguém. E, no caso do momento, ela sente uma necessidade estranha de não decepcionar a recém conhecida garota.
— Eu gosto da ideia, bom que eu poderia ficar longe da minha mãe - disse animada.
Enquanto as duas discutiam, o gato estava rodando e se esfregando da perna de uma para a perna de outra fazendo o símbolo do infinito. Ele está brilhando de maneira leve, com uma luz calmante e feliz que vai ter não só uma, mas duas casas para morar.
Quando as duas pararam de falar, olharam para ele. Então o gato se sentou e as encarou de volta, mudando a cabeça de uma para a outra, pensando “Eaí? Eu já vou para casa agora? Qual de vocês vai me levar primeiro mesmo?”.
— Amanhã já é fim de semana, então ele teria que ficar comigo hoje, certo? - Tayná falou.
— Certo, mas a gente se vê amanhã, né?
— Claro, pode ser no parque perto da sorveteria Réis?
— Sim, não fica muito longe para mim. Mas eu queria ver ele cedo. - soou meio melancólica.
— Podemos nos encontrar às oito então, eu acordo cedo mesmo - sugeriu de novo meio imprudentemente.
— Pode ser.
Alice se abaixou, pegou o gato no colo, o abraçou e esfregou a cara nele, depois o estendeu para Tayná, que pegou-o um pouco envergonhada de fazer a mesma coisa, mas com muita vontade de repetir o ato.
As duas ficaram um tempo se olhando, até que o gato voltou a brilhar mais um pouco de novo de feliz por ter acabado de ganhar duas casas. Ele espera muito que Tayná cumpra com o combinado de Alice e não esteja apenas mentindo para o levar dali, porque senão ele seria obrigado a arranhar ela e fugir da casa para ir até a outra garota.
Percebendo que o gato está realmente brilhando, fato que elas ignoraram até o momento, sem saber porquê. Uma cara de certo espanto preencheu o rosto de Alice e Tayná abriu um sorriso de “Agora eu consegui meu pet mágico que vai me dar poderes de garota mágica.”.
Alice respirou um pouco para se acalmar, olhando o mais novo pet dela, considerando se não está vendo uma ilusão por causa do cansaço. Ela se aproximou da outra garota que ainda está segurando o gato e passou a mão pelos pelos do bichinho, sentindo ele estar quente, como se fosse uma estrela gerando a própria luz.
— Você também está vendo isso? - Alice questionou.
— Sim, estou. Ele está brilhando. - Fez uma pausa para contemplar. - Como se tivesse energia própria.
— Você acha que isso é perigoso? - disse com certo medo.
— Acho que só ficando com ele para ver. De qualquer forma temos que levar ele num veterinário eventualmente para saber se está tudo bem, daí vamos saber se é perigoso ou não.
— Entendo, você tem razão, eu acho.
— Olha, se ele for radioativo, já era porque a gente já entrou em contato e acredito que você também não vai deixar de ir para casa.
— Acho que nem tem como ele ser radioativo porque não tem nada de radiação aqui sem ser alguns dos aparelhos dos hospitais.
— Tem isso também. Porque não tem como um gato contaminado com radiação conseguir vir vivo e sem ser percebido de uma usina nuclear até Santa Mônica.
— Realmente.
As garotas sustentaram o olhar uma na outra por alguns minutos, mais próximas do que haviam percebido. Alice acariciou um pouco mais o gato, depois voltou seu foco para Tayná, então sorriu.
O sorriso de Alice é uma das coisas mais bonitas que se há, os dentes levemente tortos para o lado, deixando um pequeno triângulo no meio da parte inferior dos dentes da frente da parte superior. Ela fica radiante quando sorri, como se, assim como o gato, ela tivesse luz própria sendo sua própria estrela.
— Eu tenho que ir. Tchau! - Alice falou.
— Tchau! - despediu-se e quando a garota estava um pouco distante percebeu que não pegou o numero dela. - Ei! Alice, espera! - gritou.
Alice se virou para ver a outra garota se apressando para perto dela enquanto está com o gato nas mãos. Tayná chegando perto, segurou o gato com uma das mãos e entregou o celular desbloqueado na mão de Alice.
— Coloca seu número para eu poder te chamar no whatsapp.
— Ah, sim, claro. - Alice colocou o número no celular com o nome Alice segunda mãe do gato.
— A gente quase esqueceu. Eu te mando mensagem quando chegar em casa para você salvar meu número.
— Tudo bem.
Cada uma seguiu seu rumo, com Alice chegando antes em casa. Ela foi direto no pai para falar com ele, porque quer permissão para ficar com o gato mais que tudo, ela já planejou até o que falar.
Ela ficou ensaiando o discurso de um lado para o outro na cozinha até o pai voltar do trabalho. Quando ele chegou, ela colocou a janta para ele, pegou suco também, o favorito do pai, que ela odeia, suco de guaraná. E então tomou coragem o suficiente para falar.
— Papis, eu quero um gato e eu… - ela introduziu o assunto, mas foi interrompida.
— Como que você vai ter um gato se quando você fica na sua mãe não pode ter bichos?
— Bem, aí que está, eu encontrei um gato hoje e uma garota e a gente decidiu dividir a guarda dele.
— Como assim? - O homem perguntou em dúvida.
— Bem, é assim… - explicou para o pai o que aconteceu.
— Entendi, então você está falando de dividir um gato com uma completa estranha?
— Sim… Mas… - Ficou sem jeito do que falar.
— Se essa garota cumprir o que disse que ela faria amanhã e mandar mensagem hoje, eu deixo você ter o gato desse jeito.
— Sério?
— Sério.
— Obrigada, pai. Te amo! - A garota falou animada e abraçou o pai que tem vinte centímetros a mais que ela de altura, uma visão um tanto engraçada.
— Também te amo, minha filha.
Tayná chegou em casa e abriu a porta com dificuldade por causa do gato. Carregar um bicho daquele tamanho depois de nadar a tarde toda não foi a melhor das coisas para os braços cansados dela que está completamente exausta. Então ela soltou o bichano na sala e deitou no sofá sem tirar o tênis.
Ainda no sofá, Tayná começou a ver alguns edits de anime que ela gosta no TikTok. Pensando quando poderá fazer cosplay de alguns deles. Ela quer muito participar do evento de anime que vai ter no final do ano, porque o do início do ano não pôde participar, mas não sabe se vai poder porque a mãe às vezes deixa e às vezes muda de decisão.
No ano anterior, ela foi de Julia de Rei de Lata, uma comic brasileira. Ela teve que vestir a roupa do cosplay por baixo de uma roupa mais comportada na visão da mãe e terminar de se arrumar no evento, ela até pintou o cabelo de verde na época. O irmão mais velho, apesar de não interagir muito com ela, sempre a ajuda nessas ocasiões e, claro, a mãe não deixou ela ir sozinha, então o irmão foi com ela e fingiu que não viu ela ficando toda boba perto das pessoas de cosplay feminino.
Porém, no ano anterior ao que ela foi, a mãe não deixou ela ir e nem no antes, mesmo ela já tendo ido duas vezes antes disso. Realmente depende do humor da mãe na época.
O pai dela não dá muitas opiniões sobre a criação dos filhos, ele é do tipo de homem que provê as condições de vida, mas só interfere de vez em quando. Deolinda sempre joga alguma decisão para ele quando fica indecisa.
— Garota, o que você está fazendo? - A mãe de Tayná disse.
— Eu estou morta. - O som saiu abafado pelo sofá.
— Não importa o quão cansada esteja, você tem que tirar o tênis antes de entrar em casa. Seja uma garota direita.
— Eu arranjei um gato - anunciou ignorando a mãe.
Assim que a mãe foi perguntar o que ela tinha dito para saber se ouviu direito, o gato com pêlo preto e várias manchas de pêlo branca em forma de estrela pulou em cima do sofá, miando olhando para a mulher mais velha.
Deolinda encarou o gato que a encarou de volta e depois se espreguiçou de maneira preguiçosa, então pulou e começou a rodear a perna dela.
Ela estava pronta para brigar com a filha por trazer um gato sem perguntar nada, sendo que já disse mil vezes que não quer bicho em casa. Mas o ronronar do gato em seus pés, ele abraçando a perna dela com as patinhas e esfregando a cabeça no calcanhar deu uma leve conquistada na mulher que tenta passar como uma mãe firme e irredutível. Então, como sempre, ela delegou a decisão.
— Você pediu permissão do seu pai?
Tayná virou no sofá para ficar de barriga para cima e respirou um pouco antes de olhar para a mãe, já sabendo o que vai fazer.
Pelo olhar da mãe, ela percebeu que o pai ainda está no escritório trabalhando, então isso vai ser mais fácil que roubar doce de crianças, além de ter percebido pela cara da mulher que parte dela tinha sido conquistada pelo gato. Principalmente que ela não estava afastando o bichano e já estava parecendo uma daquelas senhoras mais velhas que têm uns quarenta gatos em casa para compensar a solidão.
— Pai, eu posso ter um gato? - Tayná gritou.
— Claro, minha filha, o que quiser. - A resposta veio meio abafada, mas ainda entendível.
Quando o pai dela está ocupado no escritório, ele fala sim para qualquer coisa, foi assim que a garota conseguiu um monte de coisa como os pôsteres no quarto, a permissão para ir a primeira vez no evento de anime, entre outras coisas.
O pai costuma ser uma pessoa que dá permissão para quase tudo, às vezes parece como uma pessoa molenga que só quer ver os filhos bem, ainda mais depois de perder um dos filhos. Mas ele ainda sabe ser firme quando precisa, sempre assumindo onde Deolinda falha, completando e corrigindo qualquer coisa que a esposa faça que pode gerar algum dano maior do que ele sabe que ela consegue lidar.
Eles se completam muito bem, por isso são casados há tantos anos e nunca tiveram uma briga de casal maior que cinco minutos de discussão antes de entrar em entendimento mútuo. Isso se deve bastante às concessões de Alberto, mas ele não deixa os interesses próprios serem sempre ultrapassados, ele aprendeu isso na terapia de casal que ele e a esposa fazem mensalmente.
— Como que você vai ter esse gato se você nem consegue cuidar de si? - A mãe perguntou.
— Vai, mãe, eu consigo cuidar de um bichinho. E ele nem vai ficar aqui todos os dias.
— Como assim?
— Então, tem essa garota que encontrou ele também… - explicou a situação.
— Bem, então pelo menos vai ter momentos em que você vai poder não cuidar da criatura. Mas eu não quero bagunça aqui nos dias que você cuidar dele, entendeu?
Comments (0)
See all