Terminamos as bebidas e uma conversa animada se instalou na mesa. Nem vi quando dez minutos se tornaram meia hora, e meia hora se tornou uma hora inteira.
— Então você se tornou modelo vivo por acidente?
— Acidente é uma palavra muito forte. Eu diria que indicação seria mais correto. — Foi um dos meus casos que me indicou, acho. Não lembrava qual deles, no entanto, todos se misturavam nos lençóis de minhas memórias.
— Devo dizer que você leva jeito para coisa — Alex riu, me deixando um pouco embaraçado. Eu levei uma mão para os cabelos, ajeitando minha franja que insistia cair nos meus olhos.
Droga. Aquele homem insistia em ser bonito. E ainda por cima, deveras agradável. Fazia muito tempo que eu não apreciava uma boa conversa. Em geral, eu partia para a parte da boa foda. Ou nem isso. Eu costumava me contentar com bem pouco.
Mas Alex Morris…
Me inclinei mais contra a mesa, me derretendo contra ele. Meu pé tocou de leve contra sua perna, e ali fiquei.
— Então Dave é escritor?
— Sim. Ele está cursando escrita criativa. Está me enlouquecendo com um tal de desafio mensal, mas eu sei que ele conseguirá se sair muito bem.
— Ah, acho que sei do que está falando. Como você…
Queria perguntar, “como você o conheceu?”, inquerir mais sobre aquela amizade estranha, mas a mão de Alex tocou mais uma vez o celular, e visualizou as horas.
— A consulta de Dave deve estar acabando — ele anunciou, dando fim àquele encontro. Eu estava interessado no que faríamos a partir dali, mas fiquei calado. Normalmente era o proativo da relação, mas havia algo na situação que me fazia temeroso. Que ele desse as cartas a partir dali, porque eu ainda não descobrira qual era o seu jogo. Queria que ele desse o primeiro passo naquele gelo fino…
Para saber se podia me jogar naquele abismo.
Eu era um covarde da pior estirpe. E assim como modelar, fingir era algo que fazia muito bem. Eu cativava as pessoas, e antes que elas notassem as ranhuras da minha máscara, eu as abandonava.
Restava saber quanto duraria essa minha relação com Alex. Até agora, era o rapaz que mais tinha me enrolado até então. Normalmente depois do primeiro match, era uma questão de algumas horas de corpos entrelaçados e saídas rápidas, voltando na madrugada para casa. Com Alex, era um verdadeiro recorde.
— Uma pena que vai acabar... — murmurei baixinho, enquanto Alex se levantava. Meu olhar o seguiu, e eu vi Dave entrar de novo na cafeteria.
As coisas boas duravam pouco.
— O que disse, Jesse? — Alex se virou para mim, brevemente.
— Nada, nada… — disfarcei. Como disse, era bom naquilo. E Alex nem percebeu, estando tão concentrado em Dave.
O rapaz nos alcançou, o fôlego entrecortado por passar por tantas pessoas.
— Foi tudo bem? — Alex, de imediato, segurou em sua mão. Uma pontada de ciúmes me atingiu, mas tive que me recordar de que eles eram apenas amigos. Apenas amigos. Era isso.
Ó céus, era Mitchell tudo de novo, não era?
— Sim! Foi ótimo. Ela é ótima. — Ele começou olhando para mim. — Falei de você.
— Só coisas péssimas, como sempre.
Como o sorriso dele era bonito. Droga, eu deveria parar, mas não conseguia deixar de reparar em como o rosto dele se iluminava ao ver que Dave estava bem, como os ombros dele se relaxavam, como se todo o ser dele estava leve ante àquela notícia. Dava para notar que ele realmente se importava com o bem-estar do amigo.
Por isso a inveja me inundou. Não havia ninguém no mundo que me olhasse dessa maneira. … Não conseguia nem imaginar um mundo em ter tal atenção. Era quase impossível, um desejo jogado aos céus.
— Ela falou que eu deveria ter mais coragem para fazer coisas. E não forçar você a viver as coisas que eu deveria viver. — Ele deu de ombros.
— Ah, como me forçar a encontrar pessoas pelo Tinder, e não você mesmo sair para ir atrás do seu crush?
As orelhas de Dave se esquentaram, e ele olhou diretamente para o rapaz no balcão. Fiz o mesmo, e tentei avaliar o estrago.
Era óbvio o motivo da quedinha de Dave. O tal barista era um pouco mais alto do que Dave, com cabelos curtos e arrepiados, as mãos ágeis enquanto trabalhavam nos drinks e o sorriso eterno estampado no rosto enquanto travava com os clientes. O rapaz obviamente tinha bastante carisma, e era bem-querido pelos que passavam por ali, porque mais de uma pessoa deixou algumas moedas no pequeno pote que arrecadava a gorjeta dos atendentes. Não era muito difícil de se apaixonar. Era o apelo do clichê.
— Já falou com ele, então? — intrometi-me na história. Alex e Dave pareciam ter seu próprio mundinho, mas eu queria intervir. Me meter entre eles.
Eu não ficaria de fora.
— Ah, não, claro que não — Dave ergueu as mãos para mim, confirmando a negação. Ele parecia mais do que constrangido. — Não quero atrapalhar ele no seu horário de trabalho…
— Mas se você não vai incomodá-lo agora, vai ficar esperando que nem um stalker depois do horário do seu serviço? — ergui uma sobrancelha.
— Isso também não…
— Então vai deixar a oportunidade escapar?
Alex colocou uma mão no meu ombro e senti o calor de sua palma sobre meu corpo e mordisquei o lábio inferior. Droga, ele causava um efeito devastador apenas com um mero toque. Eu queria mais. Muito mais.
— Jesse, é melhor não forçar nada…
— Não vou forçar — disse, segurando a mão de Alex contra a minha. Por breves segundos, a tive em meus dedos, sentindo seu toque como um náufrago sente o gosto doce da água filtrada depois de dias no mar, mas me foquei. Uma coisa de cada vez. — Ele precisa de um incentivo.
— Incentivo? — a voz baixa de Dave tinha notas crescentes de pânico, mas não liguei para isso. Abandonei meus dois companheiros e fui em direção ao caixa. Para a minha sorte, este estava vazio, então o sorriso que o barista me dirigiu foi genuíno.
Ah, se ele soubesse.
— Olá, seja bem-vindo. Como posso ajudá-lo?
Comecei a analisá-lo rapidamente. Ascendência asiática, provavelmente chinesa. Ele não tinha sotaque, e na plaquinha apenas seu sobrenome em letras prateadas. Pelas olheiras, deveria estar no final do turno. Os cabelos arrepiados eram um charme a mais. Seu cansaço era visível de longe.
Um detalhe importante eram algumas medalhas que ele carregava no cordão de seu crachá. Um bottom com a bandeira gay (o que era importante, afinal das contas), e outros dois com café e gatos, o quarto de um caderno com algo escrito.
Era a minha chance.
— Oi, boa tarde... Eu queria pedir, mas primeiro... Esse pin tem a ver com você ser escritor?
Ele ergueu uma sobrancelha, parecendo um pouco intrigado. Ótimo, tinha conseguido fisgar o peixe. Agora, era conseguir pegá-lo.
— Sim. Eu participo de um grupo de escrita, e todos os anos em Novembro nos reunimos para esse desafio mensal. Sou um dos organizadores, por isso, se tiver dúvidas...
— Nossa, que coincidência! Meu amigo ali — e fiz total questão de apontar para Dave, que entrou em pânico. — Também escreve. Será que eu conseguiria falar com ele um pouco, explicar como essas coisas funcionam?
Ele pareceu surpreso, e suas bochechas coraram ao ouvir o comentário da sua colega.
— Finalmente algum dos dois deu o primeiro passo. Não aguentava mais ouvir dessa paixãozinha de cliente, Samuel. — Este soltou uma risada nervosa. — Vai lá falar com ele, eu aguento as pontas.
— Uh...
— Bem, você podia convidá-lo para o seu grupo de escrita, né? — Dei a sugestão. — Trocar telefones é de praxe nesses casos, não?
Parecendo encurralado, ele simplesmente desistiu.
— Você não quer pedir nada, no fim?
Dei de ombros, e a sua companheira apenas continuou. — Dez minutos, e nenhum segundo a mais. — Ela revirou os olhos.
— Certo.
E ele saiu de trás do balcão, me acompanhando. Ponto para mim, e pontos extras pela expressão de pânico que Dave tinha, escondendo-se como possível atrás de Alex. Este tinha uma expressão divertida no rosto, esperando os próximos acontecimentos.
— Dave, este é…
— Samuel Young — ele intercedeu. Eu ergui uma sobrancelha, mas eu o vi ir em direção à Dave, dirigindo-lhe a palavra e oferecendo-lhe uma mão para cumprimentá-lo. — Soube que é um companheiro de armas meu?
— Companheiro de armas? — Dave estava embasbacado.
— Não está nesta jornada de escrita comigo?
— Ah! — a postura toda de Dave mudou, agarrando o caderno com mais força. — Estou sim. É bem difícil, não é?
— É sim. Este é meu quarto ano tentando, mas já consegui vencer os três anteriores. Estou escrevendo um romance com vampiros trisal. Sobre o que é o seu livro?
Dave corou muito. Muito mesmo.
Ah, virgens, pensei.
— Eu… estou escrevendo sobre uma criança que é uma princesa que nasceu sem coração… e um viajante que vem de longe tentar resgatar ela…
Samuel abriu um sorriso. Eu achei que Dave morreria ali mesmo, se não estivesse escondido atrás de Alex.
— Olhe, eu não tenho muito tempo — e ele olhou para sua companheira de balcão, cuja fila já ameaçava se aglomerar de novo. — Mas eu posso lhe dar meu telefone para trocarmos informações? Eu gostaria muito de saber mais sobre essa tal princesinha, e sobre esse tal viajante. Posso lhe dar umas dicas. Sem falar que haverá um encontro de escritores aqui neste café, eu acho que você deveria participar.
— Cla… Claro!
E eles se perderam em alguns segundos anotando os números um do outro.
— Muito… muito obrigada, Samuel!
— Eu que agradeço, Dave. — E ele piscou um olho. — Preciso voltar para o trabalho. Nos falamos em breve!
E ele voltou para trás do balcão.
— Vamos indo? — Alex disse, amassando os cabelos lavanda de Dave. O sorriso dele ia de orelha a orelha, e eu senti uma inveja subindo pela garganta. Eu não lembrava a última vez que me senti assim, tão inocente ao receber o telefone do cara que eu gostava. Aliás, eu achava que nunca tinha me sentido assim. Essa emoção, essa comoção… O palpitar nervoso do coração ou as palmas suadas. Para mim, sempre foi algo mecânico, um trocar de mensagens e de fluídos corporais.
Às vezes, as coisas poderiam ser mais inocentes.
— Vocês já vão?
— Eu tenho que levar ele para casa — Alex explicou. Eu me senti um pouco desapontado, e isso me surpreendeu. Eu não queria que ele fosse embora, que terminasse aquele encontro daquela maneira. Foi muito pouco tempo… — Mas eu gostaria que você me acompanhasse até a minha casa, se não se importar.
Um sorriso sacana surgiu no meu rosto. Finalmente o convite certo.
— Eu adoraria.
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