Mo Tian aproveitou o tempo livre para perambular pelo festival.
Entre os fogos de artifício que explodiam no céu, a música animada e as conversas e risadas das pessoas, ouviu um homem espalhafatoso chamar o público para ouvir suas histórias. Ele parecia ser novo, mas dizia ser tão velho quanto a Lua, e que havia presenciado todos os acontecimentos da humanidade. Não havia nada que não sabia, nenhuma história que não conhecia. Mo Tian foi convencido e se aproximou para ouvi-lo falar. Ninguém acreditava em uma só palavra que saía da boca dele, mas riam de suas piadas, contagiadas por sua presença inebriante. Fosse mentira ou não, todos naquela noite fizeram o pacto silencioso de acreditar naquele contador de histórias.
— Então é verdade? Você conheceu mesmo o Celestial Coelho? — Uma menina de mãos dadas com a mãe perguntou, os olhos brilhando de empolgação.
— Oh sim, minha jovem. Eu o conheci quando ele ainda andava por esse mundo mortal, há duzentos anos. Ele faz parte dos Doze Celestiais, os espíritos imortais que regem as constelações que hoje estão nubladas pelas luzes das nossas lanternas. Eles aparecem raramente em nosso mundo, pois estão vagando por muitos outros para cumprir as provações designadas pelos Deuses. — Pigarreou, batendo no peito duas vezes. — Acabei me empolgando e saindo um pouco do tópico. Enfim... Eu o vi há duzentos anos e...
— Como ele era? — Uma das crianças com orelhas de coelhinho gritou.
— Ele era um diplomata natural, mas pouco visto. Quase sempre ficava em reclusão, por isso é difícil até de encontrar pinturas do seu rosto. Tinha ações educadas e graciosas, complicadas de se ler, a menos que você o conheça há muito tempo.
— Se o conhecia tão bem quanto diz, nos conte algo sobre ele! — Um homem gritou ao lado de Mo Tian.
— É, algo que não tenha em nenhum livro! — Alguém da multidão completou.
O homem piscou e pareceu pensar. Então, um sorriso malicioso surgiu em seu rosto.
— Está bem, mas primeiro tampem os ouvidos das crianças. — As mães rapidamente fizeram o que ele mandou. — Querem mesmo saber? Ele era obsceno. Um devasso nato. Mas isso vocês já sabem, não é? Não há uma pessoa que não conheça a fama de Ta Yeh Tianjun. Mas vou lhes contar algo interessante: ele tinha centenas de amantes e filhos espalhados por todos os clãs. Acredita-se que a cada dez pessoas, oito são descendentes do Celestial Coelho em algum grau.
As pessoas soltaram exclamações de surpresa, murmurando entre si. Mo Tian ouviu o homem ao seu lado se perguntar "será que eu sou um deles?", olhando para as próprias mãos.
— Como você sabe tudo isso? — Uma mãe que ainda tampava as orelhas de um menino perguntou. — Por acaso foi um dos amantes dele?
O homem gargalhou.
— Quem sabe? Sou um homem antigo e entediado. Experimentei de tudo na minha existência. E ele era muito bonito, por isso era fácil cair em sua formidável elegância e beleza! Até um homem se apaixonaria...
Mo Tian se afastou, mas a voz alta daquele homem continuou a ser ouvida durante uma boa parte do seu percurso. Claro que não acreditava em nenhuma das palavras que havia ouvido. O homem era apenas um bom contador de histórias, agraciado pelos Deuses com o dom de envolver multidões. Não podia mais perder tempo ali – já era hora de voltar e prestigiar em detalhes o resultado do seu trabalho duro sendo apreciado pelas pessoas.
Enquanto refazia seus passos, não deixou de admirar a passagem dos fantoches do leão e do dragão, que dançavam na melodia retumbante do tambor. Os movimentos realizados pelos dançarinos cobertos pela lona assemelhavam-se aos movimentos das criaturas que originaram a tradição. Aquilo era trabalho de Yawen Chen — Mo Tian não era muito bom em coreografias, mas se fosse, com certeza daria conta dessa organização também.
A área da realização do ritual não estava vazia quanto antes, mais pessoas haviam chegado com suas lanternas nas mãos e se aproximado do tablado. Estava tudo lotado e demorou um tempo até encontrar Yawen Chen, que lhe deu uma lanterna. Mo Tian a segurou com insegurança, sem saber como recusar. Ele ainda não sabia o que pedir.
— Obrigado.
— Você quase não chegou a tempo, o líder já vai começar a cerimônia. — Yawen Chen disse, apontando para frente com o nariz.
— Já reparou que você está sempre me apressando para alguma coisa? — Mo Tian sorriu.
Yawen Chen franziu a sobrancelha, mas não conseguiu segurar o sorriso teimando em aparecer.
— Se você chegasse nas horas certas, eu não precisaria fazer isso. — Seu olhar fixo no tablado fez Mo Tian seguir aquela direção. — Já vai começar.
O proeminente líder do clã Lanhua já estava lá e dois ajudantes seguravam uma lanterna em cada mão. As cores que representavam o Celestial Coelho eram marcadas nos trajes de Xiang Dao, panos azuis escuros esvoaçavam com o vento, cobertos por um cinto vermelho. Várias ametistas brilhantes tinham sido penduradas nos tecidos e nos adornos do ralo cabelo, mas nada era o suficiente para disfarçar suas lustrosas entradas, e o bigode que parecia ser feito com pelos de cachorro colados em seu rosto. Várias vezes Mo Tian teve vontade de arrancar pelo por pelo daquela taturana feia.
— Querido povo de Lanhua, é uma honra estar presente com todos vocês em mais um Ritual das Lanternas! — Xiang Dao exclamou para o público reunido. — Hoje finalizamos os quinze dias de celebrações do ano novo, dando boas vindas ao ano do Coelho. O Celestial Coelho é conhecido por abençoar com sorte seus seguidores fiéis, e amaldiçoar com azar quem não prestar o devido respeito ao seu ofício. Como vocês sabem, o próprio viveu entre nós há dois séculos, quando a guerra contra o clã Aki estava no ápice. Ele foi uma maldição quando esteve entre nós, decidindo que não merecíamos suas bençãos. O destino se encarregou de seu corpo e ele deve estar nos vendo dali. — Seu dedo apontou para o céu encoberto de nuvens, provavelmente ele queria se referir à constelação do Coelho. — Então não vamos deixar que isso se repita, tudo deve estar o mais perfeito possível para agradar aos gostos de Ta Yeh Tianjun. Preparem as lanternas!
Isso lá é ter respeito pelos imortais de Taisui?!
Continua...
No próximo capítulo...
Chegou o momento de soltar as lanternas e fazer um pedido, mas Mo Tian não sabe o que pedir. Um antigo conhecido aparece, ajudando-o a decidir o que ele realmente precisa.
No próximo capítulo: "Maldição"
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Até dia 13 de novembro!
Beijos felinos,
Mork
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