As duas chegaram no parque depois de meia hora de caminhada, para Tayná isso foi nada, mas Alice está se sentindo cansada, então elas resolveram sentar no banco e passar o tempo.
Alice, diferente de Tayná, é uma garota pouco atlética, até mesmo sedentária. Ela costuma andar devagar, não se apressa tanto para chegar nos lugares, mas anda adiantada porque sabe que não vai correr.
A outra garota em todo seu porte físico e por estar pouco acostumada a andar acompanhada de alguém, andou em sua velocidade normal, e Alice como queria acompanhar e não atrasar as coisas, acompanhou todo esse ritmo até o momento.
— Você não quer comprar sorvete antes de descansar? É do outro lado da rua a sorveteira Réis - sugeriu Tayná.
— Pode ser, mas me deixa sentada mais uns cinco minutinhos, minhas pernas estão me matando.
— Já sei, me fala o sorvete que você gosta que eu compro para você, mas só dessa vez.
— Eu gosto de flocos e morango. Mas teu dinheiro não tinha acabado?
— Ah… Verdade, eu me esqueci. - ela se desanimou.
— Toma, compra com meu cartão, a aproximação está ativada. Você não precisa economizar no teu sorvete, não se preocupe.
— Sério que vai fazer isso? Mas você já pagou até minhas coisas do Sol.
— As coisas do Sol você vai me pagar depois, agora o sorvete é presente mesmo.
— Entendi, faz sentido. Nossa, obrigada! Eu já volto então. - Tayná saiu em direção a sorveteria dando uns mini saltos de felicidade.
Depois de uns quinze minutos, a garota retornou com um pote de sorvete pequeno de flocos e morango e um sorvete de casquinha de chocolate com menta.
Ela demorou na sorveteria porque tinha uma fila relativamente grande. Apesar de estar fazendo frio de noite, durante o dia tem feito um sol que deixa todo mundo suado quando sai na rua, apesar de não tão quente quanto o verão.
A escolha do sorvete de casquinha de chocolate com menta foi totalmente influência do calor do dia. Apesar dela gostar muito do sabor dele.
— Aqui. - Tayná falou entregando o potinho com uma pazinha.
— Obrigada. - Alice falou já abrindo o potinho e pegando uma colherada do sorvete.
— Toma o seu cartão.
— Obrigada!
As duas tomaram sorvete quietas por um tempo, até que Alice ficou curiosa com o sabor do sorvete de Tayná.
Pensando em provocar um pouco a recém feita amizade, Alice resolveu que seria legal ver a reação da amiga com um comportamento um tanto abusado para uma pessoa que se acabou de conhecer, mas que ela faz muito isso com o Kleber que sempre reclama porque diz que faz as pessoas pensarem que eles são um casal e o garoto quer que os garotos que o vêem na rua pensem que ele está solteiro.
— Me dá um pouco? - Alice tomou coragem para falar.
— Do que? Do meu sorvete?
— Sim.
— Não, não dou.
Alice que estava animada fez uma cara triste e abaixou a cabeça, Tayná se sentiu culpada na hora por tirar o ânimo da garota, então pegou a pazinha e tirou um pouco do sorvete dela.
Ela estava usando essa pazinha para comer o sorvete antes de chegar na casquinha que será quando ela vai começar a morder diretamente o sorvete, é um ritual da garota fazer isso porque acha que aproveita melhor o sorvete.
— Desculpa, aqui, toma.
Tayná esperava que Alice pegasse a colher da mão dela e comesse, ela já estava se sentindo envergonhada o suficiente para dividir a pazinha por causa das ideias dela sobre beijo que absorveu de animes e desenhos de acordo com que cresceu. Quando Alice comeu o sorvete com ela ainda segurando, foi como se ela tivesse dado sorvete na boca da garota. Tayná sentiu um arrepio a percorrer, mas não foi um arrepio ruim, porém ela ficou envergonhada.
A garota não sabia onde enfiar a cara, ela conferiu em volta para ver se tinha pessoas que viram essa atitude e tinha um casal de velhinhos num banco próximo e, por coincidência, eles estavam olhando para as duas naquele momento.
Percebendo que os velhinhos poderiam ter visto o que as duas fizeram, ainda mais por serem velhinhos e Tayná ter um certo medo porque a maioria deles que conheceu era preconceituosa, ela ficou ainda mais envergonhada e agora com um certo medo.
— Agora me deixa provar o seu também.
A garota disse para disfarçar e imaginando que Alice vai a entregar a pazinha pelo menos, na esperança de mostrar para o casal de velhinhos que as duas não são tão próximas assim e que eles vão relevar o que acabaram de ver.
— Toma. - Alice pegou um pouco dos dois sabores e colocou a colherzinha em frente a boca de Tayná.
Com a colher com sorvete na frente da boca, Tayná não pôde fazer outra coisa senão comer porque não queria deixar a recém amiga envergonhada de fazer isso e ela simplesmente pegar a pazinha da mão da garota a fazendo se sentir mal. Tayná ficou ainda mais envergonhada e a fazendo se perguntar se Alice tem alguma ideia do que elas acabaram de fazer.
Alice ficou contemplando a cara de confusão de Tayná que ficava mudando constantemente, imaginando tudo que estaria passando pela cabeça da garota.
Ela está rindo muito internamente porque se Tayná tivesse mostrado qualquer hesitação sobre o momento que ela comeu do sorvete da amiga ou de quando ela parou a pazinha na frente dela, a garota não teria feito qualquer uma das atitudes para não deixar a outra desconfortável, mas como não foi o caso, está se divertindo com as expressões resultantes.
— Gostou? - Alice enfim perguntou.
— Sim, é uma boa escolha de sabores. E você gostou do meu? - Tayná se recompôs.
— Não muito, achei bem estranho, na verdade.
— Você come do meu sorvete e ainda fala mal dele? A audácia. - Tayná falou em tom de brincadeira.
— Eu… Desculpa.
— Eu estava brincando com você, você tem direito de não gostar de algo. Já percebi que você não consegue perceber muita brincadeira, né?
— Eu… Bem, não consigo. As pessoas falam que eu sou séria demais.
— Não achei que você seja séria, você até me deu língua e tudo mais.
— Bem… Aquilo foi… Eu não sei.
— Você é muito presa, isso sim.
— Entendo.
— Mas aqui, eu vi tua roupa outro dia e parecia ser um moletom de uniforme, onde você estuda para ficar até tão tarde?
— Eu estudo no Instituto de Educação Ciência e Artes Grande Amanhã.
— No IECAGA, então. Essa escola é chique e cara e não oferece bolsas, então você é rica?
— Mais ou menos. Meu pai é vice-presidente da Cooperativa de Papéis Juninho e minha mãe é advogada, não sei com que tipo de caso ela trabalha.
— Rica então, invejo. Eu estudo no Centro de Ensino e Esportes Albuquerque.
— O CEEA também é caro, você é rica?
— Não, eu tenho bolsa integral por fazer parte do time de natação, você sabe como eles são loucos por medalhas.
— Então você nada, por isso seu cabelo estava molhado ontem.
— Ah, sim. Eu estava voltando do clube. Para a escola eu só nado nas quartas, mas eu nado de segunda a sexta no Sesi.
— Entendi, então você é membro do Sesi, eu já pensei em me inscrever, mas eu nunca iria, seria desperdício de dinheiro.
— Realmente, se você não for, é jogar uns bons reais por mês fora.
Sol pulou do cesto em que estava e subiu no colo das garotas, dando um susto em Alice que acabou por chegar mais perto de Tayná por impulso, então agora as pernas delas estão se encostando e os ombros também. Por Tayná está tudo bem, mas Alice ficou ansiosa pensando que a outra garota iria a odiar por estar próxima demais e encostando nela, mas o gato espichado em cima do colo das duas impediu que ela se afastasse.
O Sol é um gato muito esperto, quando ele tem um objetivo, ele vai trabalhar até o fim para fazer isso se cumprir, mesmo que para isso tenha que ferir alguma coisa no caminho.
Ele não é dos melhores cupidos, em todos os seus anos não se lembra direito se já juntou algum casal. Mas ele sabe que deve juntar as duas porque elas vão fazer muito bem uma à outra, pelo menos é o que ele está sentindo em seu cérebro e instinto de gato.
— Eu… Você… - Alice balbuciou mas não conseguiu dizer o que queria.
— O que tem a gente?
— Você não está incomodada comigo tão perto? - ela tomou coragem e se expressou.
— A gente acabou de dividir uma pazinha de sorvete usada, você acha que você estar perto de mim incomoda?
— Mas é que… é que sou eu. - A última parte da frase de Alice saiu muito para dentro, mas Tayná ainda a ouviu.
— Ei! O que tem ser você?
Alice olhou para Tayná, que já a olhava, as duas ficaram com o rosto muito perto e ambas pensaram juntas “Muito perto, muito muito perto”. Alice colocou o sorvete no banco e puxou o Sol e se levantou com ele, deu uma rodadinha e o colocou direito no colo.
Quando ela endireitou o gato no colo, ele se aninhou entre os braços dela e começou a lambê-la, depois esfregou a cabeça entre a dobra do braço e do tórax da garota. E Alice ficou derretida com a atitude dele.
— O endereço que você deu é do seu pai ou da sua mãe? - Tayná puxou assunto de novo.
— Do meu pai, porque é onde o Sol vai ficar comigo.
— Já é onze horas, eu tenho que ir almoçar.
— Mas…
— O que?
— Você não pode ficar até de tarde? Eu queria ficar mais com o Sol. - Alice evitou dizer que não queria voltar para a casa da mãe.
— Minha mãe me mata se eu não almoçar em família nos finais de semana.
— Entendi. - Alice soou meio triste e entregou o Sol.
Tayná respirou fundo, porque ela nunca se importou com o sentimento alheio, por isso que não tem amigos, as pessoas não costumam a afetar, mas ela não sabe se é porque compartilha um gato com essa garota ou se é só porque ela parece estar meio perdida e sem rumo na vida, apesar de brilhar tanto quanto o gato delas ou até mais, de uma maneira que a faz querer protegê-la, ela só sabe que por alguma razão, surgiu um medo dentro dela de perder essa garota para o mundo, dela não voltar mais.
Depois de muito ponderar, Tayná enviou para a mãe “O veterinário só pôde atender agora, a gente está no centro, então vou almoçar em algum restaurante aqui.”, a mãe respondeu com emojis bravos e depois enviou “Não tem o que fazer então.”.
— Nós temos que ir para o centro, senão minha mãe pode vir aqui e me encontrar e você vai pagar meu almoço.
— O que? Espera, isso quer dizer que a gente vai ficar mais tempo juntas? - Alice disse animada.
— Sim, mas você escutou que eu falei que você vai pagar meu almoço?
— Sim, claro. Eu pago.
Tayná colocou Sol no cesto da bicicleta e elas voltaram para o centro da cidade. Alice disse que conhece um restaurante bom e que vai deixar elas entrarem com o gato, desde que ele esteja na guia. Então, chegando lá, elas colocaram a guia no Sol, que não resistiu como alguns animais fazem e as duas começaram a achar muito estranho isso, mas ao mesmo tempo se sentiram abençoadas.
Vendo Alice o dono ficou feliz e a cumprimentou, depois disso ele arranjou uma vasilha de marmita para elas colocarem ração para o Sol e elas foram arrumar a própria comida, uma de cada vez para não deixar Sol sozinho. Primeiro foi Tayná que voltou com uma montanha e depois Alice que voltou com tão pouca comida que a outra garota pensou que ela é um passarinho.
— Eu estou até com vergonha do tanto que eu peguei agora, desculpa. - Tayná disse.
— Não precisa se desculpar, eu sabia que você come bastante quando aceitei. Você pratica esporte, é claro que vai comer bastante. - Alice disse com um sorriso leve no rosto como se a divertisse ver uma pessoa comer tanto.
— Bom que sabe então - suspirou e voltou a comer sem culpa.
Enquanto as duas comiam, algumas crianças viram Sol e quiseram mexer com ele, elas deixaram e Alice ficou olhando admirada para como as crianças são tão livres.
Ela gosta muito de crianças, sempre as admirou e teve vontade de ter a própria quando crescer. Ser mãe de uma criaturinha tão vívida, inteligente e sincera é algo que encanta e joga flores na mente da menina ainda tão nova.
Vendo as crianças ali, se divertindo com o gatinho dela, Alice se sentiu como uma mãe que apresenta o filho para outras crianças. Mas, ao mesmo tempo, uma parte dela começou a doer, uma ferida que nunca vai poder ser curada, algo que nem o tempo pode a proporcionar por causa de como ela nasceu.
— Eu queria poder ter filhos… - Resmungou Alice.
— O que?
— Nada.
— Você não pode ter filhos? Por que?
— Se você escutou, por que perguntou?
— Eu só queria confirmar, eu não quero ter filhos, meu útero jamais será usado. Mas por que você não pode?
— Não quero falar disso.
— Por que, Alice?
— Vou no banheiro.
Alice se levantou irritada e saiu da mesa quase que batendo os pés. Tayná não entendeu o comportamento de Alice, era só uma conversa normal. Mais um dos defeitos de Tayná apareceram, ela não sabe a hora de parar de pressionar alguém, nisso ela é igual a mãe, sempre espremendo as pessoas até não sobrar nada ou até que a pessoa fique chateada e vá embora, por isso ambas não tem amigos.
Tayná já terminou de comer e está ficando entediada esperando Alice, então ela pediu para um dos funcionários que estava na hora de descanso ficar de olho no gato, o homem ficou feliz e ficou brincando com Sol.
Chegando no banheiro, das várias cabines, só uma está fechada e tem som de choro vindo de lá, Tayná se aproximou devagar e identificou os tênis cor de rosa de Alice.
Ficando preocupada se deveria falar alguma coisa ou só voltar e esperar a amiga. Ela não gosta quando os outros a vêem chorando, então imaginou que a amiga também não gostaria. Porém a preocupação em ter algo errado e da Alice estar passando mal está gritando mais alto que o impulso de a deixar.
Novamente, Tayná está sentindo que deve proteger a amiga, estar ali para ela, mas não sabe como fazer isso, nunca soube. Não é seu forte ser uma pessoa confiável para os outros, pelo menos é o que ela considera desde o incidente com seu irmão mais novo que era seu único amigo.
Quando ela perdeu o irmão mais novo, o interesse em novas amizades foi embora junto, ela acha que nunca vai encontrar alguém com quem se importa. Ou pelo menos achava até conhecer Alice.
Alice tem aquele brilho especial que o irmão mais novo de Tayná tinha. Aquela magia nos olhos e jeito cativante de ser. E, a parte triste, é que ambos, em alguma parte do olhar, tem aquela luz, o ar, de estarem meio perdidos, de não conseguirem entender o mundo completamente. Um olhar de estar se esforçando ao máximo para capturar cada detalhe e fragmento do mundo e das pessoas para tentar entender o que está acontecendo e ver se conseguem acompanhar.
É justamente esse olhar que dá medo em Tayná, é justamente esse ponto que a faz se preocupar tanto com Alice como antes ela só se preocupou com Bernardo, o irmão mais novo.
— Ei… Você está bem? - Tayná perguntou relutante.
— Estou, eu já estou indo, pode voltar para lá - fungou ao responder.
— Mas você… - Tayná foi interrompida pela porta abrindo.
— Eu estou bem, vamos.
— Tudo bem.
As garotas saíram do banheiro. Sol que já estava preocupado quando Alice saiu daquele jeito depressa ficou ainda mais abatido ao ver o rosto da garota com os olhos vermelhos do choro. Então ele já jogou um olhar de “Eu te mato se fizer isso de novo. Eu tenho o poder para te matar.” para Tayná, que viu isso, ficou indignada com o olhar e bufou.
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