Eram quase onze da noite, mas as mensagens ainda vinham. Alex estava abraçando minhas costas na cama, quase cochilando, quando ele finalmente se irritou. Estava me perguntando quanto a paciência dele duraria.
— Tá, de quem são essas mensagens todas? É do seu namorado?
Eu soltei uma risada fraca.
— Eu não namoro ninguém, sr. Morris.
— Sua mãe, então. — O agarro dele em minha cintura se fechou ainda mais contra minha pele, marcando-a ainda mais do que seus lábios fizeram antes.
— Isso são ciúmes, sr. Morris?
— Jesse, por favor.
Mas era tudo que eu precisava para me virar.
— E se for um outro homem? O que você acharia?
A expressão mau encarada dele me disse tudo, e eu apenas ri.
— Tão bonitinho com ciúmes...
— Vá se foder, Jesse.
— Bem, espero que você me foda, sr. Morris. — Coloquei as mãos em seu peito, a provocação indo das pontas dos meus dedos para a curva dos meus lábios.
— Alex.
— Hm?
— Me chame de Alex, Jesse.
Eu suspirei, e aceitei que tinha ido longe demais. Voltei a me virar, encarando o celular que acendia com mais uma mensagem.
— É de fato outro homem. — Dei de ombros. — Chase, meu irmão gêmeo.
— É? Ele está preocupado com algo?
— Eu diria que ele tem mais coisas pra se preocupar do que comigo.
Ficamos em silêncio, o sono vindo fácil. Fechei os olhos, e antes que pudesse me entregar completamente ao buraco negro, ouvi algo.
— Eu não tenho irmãos.
Estava prestes a cerrar os olhos quando senti o bafo quente de Alex em meus ouvidos. Achava que ele já tinha dormido, mas as palavras dele me surpreenderam tanto que achei que saíram de um sonho.
— E...?
Ele riu, beijando as minhas costas. — Eu não tenho irmãos. O mais próximo de uma família que eu tenho, atualmente, é Dave e a mãe, Kate.
Movi-me contra ele na cama. O quarto escuro caía em silêncio e devia ser muito tarde da noite, mas apesar da nevasca lá fora, eu não sentia frio, porque o corpo quente de Alex envolvia minhas costas. Pensei se deveria fingir ter pegado no sono, mas não conseguiria ignorar Alex.
— Seus pais morreram?
— Minha mãe, sim. Meu pai, às vezes, esqueço que não.
Pesado. Era com aquele peso nos ombros que Alex vivia.
— Por isso esse palácio? — brinquei.
— As coisas que se fazem quando se é expulso de casa... Esse é o único lugar que minha bolsa da faculdade pode pagar.
Você é doente.
As memórias cortaram minha mente e o sangue escorreu dos meus olhos, marejando-os. Eu me lembrava. Agarrei-me à Alex, e tentei desviar o assunto.
— Seu pai não curtia gays?
— Não é como se ele fosse homofóbico... Eu acho que ele cansou de ter a paciência testada. E eu testei. A paciência dele, digo. — Alex riu, e por causa da distância, todo sopro passava por minha orelha, aquecendo-a, animando-a, existindo-a. — Minhas amizades não eram da melhor estirpe. Tem um motivo para eu ter uma tatuagem no rosto.
— Confesso que eu tinha curiosidade sobre isso.
— E, no entanto, não perguntou.
— Não achei que fosse fazer diferença.
— Faz toda.
Ficamos em silêncio por tanto tempo que achei que ele tivesse dormido, mas não pude me conter.
— Por que você tem uma tatuagem no rosto?
— Achei que não fosse perguntar.
— Estou perguntando.
— Eu sei. Fico feliz. — E eu não sabia o porquê de ele ficar feliz apenas com aquilo, mas Alex era um bobo. — Confesso que é uma história meio embaraçosa. Envolve um ex e bebidas.
— Ah, acho que aí já não quero saber mais.
A risada de Alex ecoou alta pelo pequeno apartamento e dentro de mim. Eu me senti pequeno e cheio. Virei-me no abraço, e apertei as bochechas dele.
— Vai falar de ex na minha frente?
— Estava falando nas suas costas...
Fiz um muxoxo.
— Isso são ciúmes, Jesse?
— Alex Morris...
— Jesse Bennett... — O toque dele na minha franja, para que ele pudesse me encarar. Os olhos verdes faiscando no escuro, a parca luz transformando-os em ouro. — Você é muito especial.
Aquilo me desarmou por completo. Encostei minha cabeça em seu ombro, e me deixei embalar por um sentimento ainda sem nome, mas aquecido pelo calor daquele apartamento, eu não sentia mais frio, nem solidão.
— E onde Dave entra nisso?
Uma xícara de café expresso, quentinha, cobertas sobre ombros. Eu passei a semana na casa de Alex — voltando brevemente para casa, em um horário que sabia que os outros dois não estariam para pegar algumas roupas, apesar das camisas de Alex ao serem usadas por mim serem vestidos, eu as usava do mesmo jeito —, e apesar do trabalho, eu sempre encontrava com Alex quando suas aulas acabavam, e ia junto para casa dele. Claro, sempre havia o desvio de caminho em direção à casa de Dave, para entregá-lo a sua mãe. Dave pareceu ter se acostumado comigo, porque se abria mais, em especial em pedir conselhos para o que falar para Samuel. Era fofo.
De um jeito irritante, mas fofo.
O Sábado amanhecia com uma promessa. Lábios encontravam o líquido escuro haviam se encontrado mais cedo, e agora, perguntas escapavam dele. Alex estava preparando nosso café da manhã quando eu me encontrava curioso e cheio de dúvidas.
— Dave é meu amigo de infância. Acho que já mencionei isso?
— Eu tenho amigos de infância, e certamente não ajo assim com eles.
Claro, dormir com amigos de infância era um passo além, mas Kurt era diferente.
Alex riu, enquanto ele quebrava ovos na cozinha apertada.
— Sabe, eu não gostava de Dave no começo. Eu tinha doze anos quando o conheci, quando a família dele se mudou para o nossa ruazinha. Nossa gangue não o aprovou de início. Muito mirrado. Muito estranho. Sempre mais interessado em ter um livro em mãos do que brincar de skate ou patins com a gente. Era bem mais novo, também.
— Então ele não se encaixava?
— Nem um pouco. Mas Kate... a mãe dele, me pagava uma grana para ser babá. E apesar de chatinho no início, ele logo conseguiu crescer para ser uma criança mais ‘normal’. Ele é muito inteligente, e tem um humor muito ácido.
Sorvi de meu café, e olhei para fora. A nevasca tinha deixado uma camada fina de neve que agora se derretia pelo calor do dia. A previsão do tempo não parecia melhorar em nada, e uma geada estava programada para aquela noite. Era um sinal para permanecermos na cama, especialmente por não ter nada para fazer e poder ficar debaixo das cobertas com alguém. Era a primeira vez que eu tinha alguém para com quem fazer aquilo. Normalmente eu fugia nas primeiras horas da manhã, retornando a caminhada da vergonha para casa.
Era bom, o que quer que isso fosse.
— Bem, fui babá de Dave até o acidente.
— Que acidente? — Meus olhos se arregalaram.
— Acho que você deve ter ouvido falar. Lembra-se por acaso de quando o teto da Igreja da Imaculada caiu?
Eu parei, quieto, meio chocado com a informação. Claro que eu sabia do acidente — não apenas porque foi parar nas notícias da cidade e de todo o país, mas... Minhas costas arderam um pouco. Assenti, Alex continuava a cozinhar, mexendo ovos, acrescentando temperos, colocando manteiga na frigideira.
o teto caindo, a falta de ar.
— Era um Domingo, se me lembro bem. Meus pais já não me forçavam mais a ir para a Igreja, mas eu gostava de ir, porque eu gostava de cantar. Dave ainda era pequeno, portanto, não tinha escolha. Nós ficamos no coro, enquanto nossos pais iam fazer a comunhão quando a nave caiu.
Ergui o olhar, tentando definir o que Alex estava pensando. Ele continuava a cozinhar, parecendo bem ajustado. Normal. Como se contasse a tragédia de outra pessoa.
Eu me levantei, e arrastei os lençóis até a cozinha.
— Minha mãe e o pai de Dave morreram soterrados, mas os bombeiros conseguiram resgatar Kate e meu pai. As crianças ficaram protegidas pelo domo, mas foram algumas horas debaixo dos escombros para que fôssemos resgatados…
Eu me recordava. Bem pouco, mas a sensação sufocante em meus pulmões. A areia caindo em meus olhos. As cicatrizes em minhas costas. O pânico, o desespero. Não saber se os pais estavam vivos, ou se eles mesmo viveriam. Com os escombros da igreja ao seu redor, com apenas eles mesmos para contar, o que Alex teria pensado?
Teria amaldiçoado Deus?
Teria pedido por sua Graças?
Por um milagre?
E quando resgatado, ao descobrir que sua mãe lhe fora tirada…
— Foi um terremoto, ao que parece — Alex explicou. — Atingiu mais casas ao redor. A igreja sempre precisou de reformas, estava sempre pedindo por contribuições. Acho que já foi reformada. Nunca mais pus os pés lá.
Deixei a caneca em cima do balcão, e envolvi os braços em sua cintura, e encostei minha cabeça em suas costas nuas. Não conseguia ver sua expressão.
— Não consigo cozinhar desse jeito, Jesse.
Fiquei em silêncio, apenas o abraçando. Meus pensamentos estavam confusos demais para serem coesos, mas Alex... Alex riu, e apertou levemente minhas mãos, sem desviar muito a atenção da frigideira, que chiava com nossas omeletes. O cheiro de ovo com manteiga e orégano e queijo enchiam aquele pequeno apartamento, e era com aquele pequeno gosto de casa que eu percebia que estivera julgando Dave por muitas coisas. Talvez até mesmo por ciúmes demais, pela proximidade com Alex. Era óbvio que os dois se gostavam, mas Alex dava claros sinais de que, o que quer estivesse rolando entre nós, era mais importante. Que era ali que ele queria estar.
E pela primeira vez, eu também queria estar ali.
— Queria conhecer mais de Dave, também.
Alex se virou para mim, e beijou a minha testa.
— Ele ficaria feliz em conhecer você mais, acho. Ele é muito solitário, gostaria de mais um amigo.
O sorriso de Alex era mais precioso, então talvez... Talvez valesse fazer mais um esforço.
— Podemos sair para algum lugar, então.
— Ah. Claro, claro.
— Não gostou da ideia?
— Não é que eu não tenha gostado. É que...
O cheiro de algo queimando nos distraiu.
— A omelete! — Ele gritou, enquanto eu ria, o largando, para que ele pudesse salvar nosso café da manhã.
— Você vai comer essa.
— Oras, você quem me distraiu...!
— Eu sou o convidado! Tenho que comer do melhor prato!
Alex riu de canto de boca.
— Eu quem comi do melhor prato ontem, se bem me lembro.
— Como você fala uma coisa dessas com o rosto sério...! Tudo bem, eu como! — Era muito bom ver como ele ficava feliz com tão pouco. Era quase um crime.
— Não precisa, eu como.
— Vamos dividir o fardo, então. Os dois comemos.
Alex bagunçou meus cabelos, e armamos nossa mesa improvisada na cama. Não havia muito espaço naquele apartamento, portanto Alex revezava entre comer no balcão da cozinha ou comer na cama. “Nunca me importei de comer na cama,” ele me dissera antes. “E francamente, estou na idade de não me importar com muitas frescuras. Eu que arrumo mesmo.”
Ou não arrumava, como era o caso.
— Quanto a sair para algum lugar, eu acho que seria difícil. — Alex comeu o pedaço da omelete queimada primeiro. — Dave é uma pessoa... complicada para se levar para lugares novos.
Eu coloquei um pouco de xarope de bordo no meu prato.
— Por causa do problema dele?
— Exato. São semanas até que ele se acostume a sair para um local público. Aquele café onde você nos encontrou foi um exercício de paciência. Estamos indo lá desde o início do semestre passado.
— Hmm — era realmente um problema. Mastiguei um pouco, enquanto terminava o prato. Uma ideia não muito boa começava a se formar. — E aqui é um pouco apertado para nós três, mal cabe os dois de nós.
— E infelizmente, não tem muito o que fazer.
— Bem, tem o que fazer. Só acho que Dave não gostaria de entrar no meio de nós.
Alex tossiu, se engasgando com café.
— Não, por favor, nem levante essa possibilidade.
Continuei revirando minha omelete. Meu celular tinha ficado quieto a manhã toda, mas... Talvez fosse uma má ideia. Era uma má ideia. Mas às vezes, você deseja que as coisas sejam normais. Um único dia normal.
— Acho que não teriam tantos problemas se vocês fossem lá em casa...
— Oh? Vai me apresentar aos seus pais?
— Casa da minha mãe. Meu pai, assim como o seu, não está na figura.
Alex apenas assentiu.
— Família complicada?
— Você não faz nem ideia. — A risada que saiu de mim foi nervosa. — Mas minha mãe deve estar de plantão. Posso pedir ao meu irmão para que não ocupe a TV da sala e me empreste o PS5 e o Xbox.
— Vocês têm... os consoles de última geração?
Dei de ombros.
— O trabalho de modelo paga bem.
Alex me encarou, e deixou o prato pela metade em cima da cama, indo em direção à cabeceira de mesa, pegando seu celular. Sem entender, ele iniciou uma chamada, e foi respondido de imediato.
O rosto confuso de Dave copiava a minha pergunta.
— O quê...
— Temos um lugar a invadir hoje.
E com o dedo em riste, apontou para meu peito nu.
— Leve-nos para sua base, seu bastardo riquinho!
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