Era um novo dia na Academia. Barbara Gordon II andava de uma disciplina à outra com uma pressa sem igual. Talvez o sentimento revigorado de objetivo dela tenha tomado uma virada decisiva, pelo menos era o que Dick Grayson havia percebido, não conseguindo conversar nem por alguns breves momentos com a melhor amiga. Ele também tomou seu tempo como uma oportunidade de aperfeiçoar seus planos, Barbara iria precisar de toda ajuda que poderia dar. Foi no recesso que eles finalmente puderam se encontrar novamente, ao lado da estátua de antes. Havia algo a respeito da garota que estava chamando a atenção do amigo, mas ele ainda não sabia bem dizer o que era, mas que realmente era uma mudança visível e real por parte dela.
- E então… Por onde começamos? – Indagou Barbara.
- Me diga você. Se vai fazer isso sozinha, precisamos ser bem claros sobre nossas prioridades.
- Parar as operações do Rei Relógio, juntar uma investigação para a polícia e salvar as pessoas de Gotham.
- Ta em ordem de prioridade?
- … Acho que não.
- Então vamos começar aí – Dick puxou seu caderno e caneta novamente – Nós precisamos salvar as pessoas do atentado terrorista que ele está planejando na rota de transporte das Indústrias Stagg.
- Depois precisamos descobrir todos os detalhes das operações dele… Será que ele descobriu que nós temos acesso às transmissões de walkie-talkie?
- Nós precisamos é arrumar um jeito de monitorar as transmissões dele sem estarmos na mesma quadra da Torre do Relógio.
- Eu acho que consigo arrumar alguma coisa… Então, depois que a gente tiver detalhes de todas as operações dele, vai ser hora de atacar!
- Digo, você sabe se defender, mas será que você consegue bater de frente com gente perigosa de verdade? Não é mais o trombadinha do outro dia.
- É pra isso que você tá aqui! – Barbara deu alguns tapinhas no ombro do amigo.
- Eu?! – Grayson estava completamente confuso.
- Sim, você vai me ensinar como fazer aquelas suas acrobacias doidas. O melhor ataque, no momento, é a defesa.
- O fato de você ainda estar na faixa vermelha de karatê com certeza não tem nada a ver com isso… – Dick sorriu, brincando.
- Vai me ajudar ou não – Retorquiu, impaciente.
- Digo, você já tem uma base, mas tem coisas muito complicadas que não dá pra você simplesmente aprender em… O quê? Uma semana?
- Um pouco menos… – Barbara olhou para as próprias anotações das transmissões do criminoso.
- Isso é preocupante…
- A gente consegue, Dick. É só um cara que veste relógios e uma dúzia de idiotas que seguem ele. O único problema mesmo vai ser a Meia-Noite…
- Melhor você pensar num plano pra neutralizar ela.
- Na verdade, você não tem ideia nenhuma…? – Barbara fitou os olhos do amigo, tímida.
- Ah, pelo amor, eu não sou seu Deus Ex-Machina. Vamos fazer o seguinte: Eu me encarrego da alfândega e de te ensinar uns truques, você se encarrega de ir lá fora e fazer a ação acontecer. Capiche?
- Capiche.
- Só tem mais uma coisa que a gente precisa ver… – Dick completou, e se virou lentamente, encarando o conjunto de janelas do dormitório feminino.
- Oh… Agora?
- Precisamos de uma base de operações que não seja o pátio da Academia.
E então, os dois percorreram os corredores do internato com máxima discrição, Barbara já pode levar aquela infiltração como uma das aulas de movimentação acrobática do amigo, que tinha os passos mais leves que ela já conheceu. Eles se encontravam em frente a porta para o dormitório, onde Gordon entrou primeiro, verificando que, para a sorte de ambos, ele se encontrava vazio, nenhuma garota estava por lá no recesso. Restava apenas à Dick indicar onde a passagem poderia estar, isso se a passagem não estivesse selada. Ele apontou para uma imagem que havia imprimido, de uma espécie de poço ao lado de uma espécie de monumento, uma coluna entalhada de estrelas. Aquilo chamou a atenção de Barbara imediatamente, ela conhecia a coluna, e gesticulou para o amigo a acompanhar. Logo, eles se encontravam de frente para a coluna em uma das intersecções dos dormitórios, a passagem deveria estar muito próxima, e depois de um pouco de observação atenciosa, eles localizaram onde o alçapão deveria estar.
Sem nenhuma pista clara, Dick observou o piso de madeira por algum tempo, até Barbara tomar uma atitude e começar a tatear o chão. Grayson achou que aquilo era um esforço inútil, sussurrando para ela parar, mas depois de observar a imagem que havia imprimido mais uma vez, ele observou algo curioso. Um dos ladrilhos do piso de madeira tinha exatamente a mesma forma de um dos estrados de madeira do alçapão da imagem, e então se pôs ao chão ao lado da amiga e começou a tatear aquela área em específico. O ladrilho em específico estava solto, e quando eles puxaram, um som de algo batendo no chão oco veio de baixo deles. Lá estava a passagem, mas selada pelo resto do piso. O garoto não teve muita reação, mas a garota começou a espalhar os conteúdos de sua bolsa pelo chão, até encontrar um pé de cabra. Uma ferramenta que Dick definitivamente não esperava ver ali, indagando de onde ela havia tirado aquilo.
- Armário de Ferramentas do meu pai – Ela sussurrou.
- Você pegou isso quando?
- Talvez logo antes de eu te encontrar no pátio hoje…
Dick saltou os olhos, procurou não questionar a determinação dela naquele dia. Vagarosamente, Barbara removeu os ladrilhos de madeira do piso, e um por um, eles deram espaço para o que havia restado do alçapão. Com vários fragmentos de madeira espalhados pelo chão, ela puxou a alça e abriu a passagem, que para a sorte deles, não despertou nenhum morcego, mas chamou a atenção de alguém. A porta se abria no outro cômodo, e às pressas, Barbara empurrou o amigo para o buraco e fechou o alçapão, encaixando os ladrilhos que havia desmontado do chão de volta no lugar, se dirigindo rapidamente para a entrada. Lá, encontrou alguém que realmente não deseja ver: Harleen Quinzel. Quando a invasora percebeu a presença de Gordon, exprimiu um sorriso malicioso, que já fazia Barbara revirar seus olhos.
- Oi, Harley… – Ela disse, em um tom apático.
- O que você tá aprontando sozinha por aqui, hein Babs?
- Nada que te interesse – Retornou, seca, e com um sorriso forçado.
- Ora, você não engana ninguém, você sempre está aprontando algo, querida.
- E o que você tem a ver com isso por acaso?
- Digo, o seu histórico fala por si mesmo. Nem eu recebi uma advertência esse mês, mas lá vai você, a menininha do papai delegado de polícia, eu sei que você tem pedido pra Olive te cobrir, e não deu certo quando você apareceu com isso aí depois de uma noite sumida, não é? – Ela apontou para a tipoia.
- Menininha do papai? – O rosto de Barbara ficou completamente vermelho, mas ela respirou fundo – Quer saber de uma coisa, Harley? Talvez eu seja a menininha do papai sim, eu amo ele e ele me trata como uma princesinha sim, chega a ser irritante às vezes, mas pelo menos ele tem e decência de me tratar como uma filha de maneira digna, não? Mais do que você pode dizer.
- Ora, mas como você é uma… – Harley desviou o olhar, claramente enfurecida, mas ela procurava não baixar a guarda desse jeito perto dos outros, principalmente de Barbara – Não é só porque eu tenho que aturar uma vida infernal que você pode vir pra cima de mim e me provocar! E ainda me chamam de encrenqueira… Fica falando de ser certinha e mexe com a vida dos outros desse jeito!
Barbara levantou a mão para protestar, mas hesitou no momento seguinte. A idiota ignorante da Harley tinha razão, não adiantava de nada dizer ter mais moral do que ela e ficar fazendo uma chantagem emocional desse nível pra cima da rival, que era praticamente inofensiva a maior parte do tempo.
- Tá... Desculpa – Barbara murmurou entredentes, agonizando com o fato de ter que admitir o próprio erro – Olha, eu não tenho que provar nada pra você, tudo bem? Eu sei que eu não sou nada do que você acha, e o que eu faço não te diz respeito. E acho que isso se aplica a você também.
- Hmm... Ok. Mas se você não ta fazendo nada de mais… O que você tava fazendo então? – Harley retrucou, levantando uma de suas sobrancelhas, curiosa.
- Eu… – Barbara voltou seu olhar para a direção da coluna além da porta, sabendo que o amigo ainda estava lá, e ouvindo tudo – Eu estava cuidando de assuntos de mulher, ok?
- No dormitório e não no banheiro?
- Talvez… – Ela estava voltando a ficar vermelha, mas dessa vez de vergonha, “Isso sempre funciona com o papai” pensou, o que chamou a atenção de Harley.
- Oh Meu Deus… O Dick tá ali atrás?
- Não! – A expressão da garota passou de vergonha para desespero.
- Alôooooo, Dick?! – Quinzel sorriu, chamando por ele.
- Ele não tá ali!
- Ah, então porque você tá assim, hein?
- Olha… – Ela precisou pensar em uma desculpa crível para despistar a penetra – Ele não tá ali mas… Tem a ver com ele.
- Tem é?
- É, tem sim. Você ta certa, ta satisfeita agora?
- Oh… Você tem um diário, ou alguma coisa assim? Um altarzinho?
- Eu já te contei demais, pode dar o fora daqui, por favor?
- Deve ser algo muito íntimo pra você estar desesperada assim… – O olhar sádico de Harley pesava na mente de Barbara, que procurava não a encarar diretamente – Tudo bem, Babs, vou te dar essa colher de chá dessa vez.
- … Obrigada – E Barbara forçou outro sorriso, claramente não conseguindo.
Harley caminhou de volta para a entrada e deixou Barbara aparentemente sozinha, assim que os passos da aluna se esvaíram, ela correu para socorrer o amigo preso na passagem. Abrindo o alçapão às presas, Dick emerge com uma mistura de emoções, e sua expressão estava mais confusa do que nunca, o que preocupou a amiga.
- Desculpa, cara. Você tá bem?
- Tô sim… Eu acho. Lá dentro é escuro!
- O que você ouviu da conversa?
- … Quase tudo?
- Oh meu Deus…
- Ah, qual é, ela já achava que você tinha uma quedinha por mim, de qualquer maneira.
- É… – Barbara evitou o olhar de Dick – Só quero continuar logo o que a gente veio fazer.
- Claro, desculpa – Ele continuou, entregando uma lanterna para ela.
Os dois se voltaram para a abertura novamente, e caminharam por alguns metros até encontrarem uma abertura: Uma pequena caverna, do tamanho do dormitório de onde vieram, com algumas aberturas para o resto do sistema de túneis da caverna. Se guiando e iluminando o caminho com apenas suas lanternas, eles estavam reconhecendo o local detalhadamente, até encontrarem um dos vestígios dos antigos feiticeiros que habitavam aquelas catacumbas: No canto mais afastado, um esqueleto decomposto de alguém estava amarrado a correntes presas à parede da caverna. Eles se entreolharam, inicialmente chocados, mas logo trocaram um sorriso brincalhão. “Uma catacumba real, não tinha como ser um esconderijo melhor” Barbara apontou, e Dick concordou. Não demorou muito para que Grayson começasse a fazer um teatro de sombras, projetando um pássaro, um macaco e um cachorro. Gordon se juntou, fazendo uma girafa e um morcego. Eles riram, e continuaram avaliando o local logo após.
Ambos passaram algum tempo nos recessos cavernosos da Academia, e se atentaram ao horário para que Dick pudesse escapar antes do toque de recolher, ajeitando os ladrilhos do piso da melhor maneira para que ninguém percebesse a mudança. Os planos para os próximos dias eram divertidos, no outro dia já era sexta-feira, e durante seu período de aulas, Barbara não fez nada além divagar entre os próximos dias que iria entrar em ação, rabiscando ideias e pensamentos em seus cadernos, algo que chamou a atenção de muitos de seus professores, já que ela estava mais dispersa que o normal. Havia uma enorme antecipação a respeito do que o futuro de Gotham reservava, ser a única, além de Dick, que sabia da situação que estava a frente do povo da cidade. Logo, eles se reuniram no pátio pela última vez e revisaram os dados que obtiveram analisando a caverna, se preparando para arrumar uma possível base de operações. “Eu consigo imaginar uma bancada de operações com meu laptop e nossos materiais de pesquisa” ela apontava, enquanto seu amigo apenas pontuava “... a necessidade de ter que arranjar uma instalação elétrica, e um armário para guardar todos os equipamentos”. Às vezes, Barbara se perguntava como que Dick conseguia esconder seu lado genioso com tanta frequência, já que, volta e meia, ele o deixa transparecer como naquele momento.
Eles montaram um
plano de ação e partiram para seus lares, havia um planejamento muito cuidadoso
a respeito do que eles fariam nos próximos dias, o fim das ordens do Rei
Relógio eram em exatamente dali cinco dias, na meia noite de quarta para
quinta. Primeiramente, precisavam ter uma maneira de manter uma alta vigilância
nas comunicações da gangue; depois precisavam manter uma rotina de treinamentos
para Barbara, caso ela precisasse botar as mãos na massa; e por último: acertar
a base de operações, se qualquer adulto os visse fazendo tudo aquilo, com
certeza suas operações viriam a um fim abrupto. Dick tinha algo a mais
planejado para a amiga, mas era uma surpresa que esperava guardar para o
momento. Com um sentimento novo de determinação, eles se prepararam para o fim
de semana.
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