Por volta das 6:20 eu já estava em frente a casa de Gibb, tocando sua campainha, que emitia um alto som eletrônico dentro da casa, alto o suficiente para ser possível escutar o barulho de onde estava, e esse era como se fosse o ruído de uma corrente elétrica.
Não demorava muito para o morador da casa, e aquele a quem eu estava a esperar, surgir das sombras e se mostrar do lado de fora, com sua mochila nas costas e seu penteado naturalmente bagunçado, seus olhos verdes me encaravam cansados, como se houvesse acabado de despertar, remexendo um molho de chaves meu amigo trancava a porta pela qual havia saído e abria o portão metálico ruidoso, estando finalmente a minha frente.
— Bom dia Kai.
— Bom dia Gibb. — Respondi animado.
— Você sabe que não precisa tocar a campainha.
— Foi mal, mas eu quero chegar logo na escola.
— E o que tem de especial? É só a escola.
— Como assim o que tem de especial? — Indaguei, respondendo em seguida, animado. — Estamos na classe especial.
Gibb encarou-me com uma face evidentemente em dúvidas, ponderando o que falar no decorrer de milésimos, até que seus lábios moveram-se.
— Você se lembra de ontem?
— Claro.
A pergunta de Gibb ecoou em minha cabeça, com cada palavra reverberando aos poucos, para só então eu perceber que não havíamos nos falado após a escola, então ele nem mesmo soubera o que ocorreu.
— Mas… Sitra não apagou sua mente? — Ele perguntou, olhando sério em meus olhos.
— Você soube disso?
Gibb ficou alguns segundos em silêncio, refletindo.
— Eu fui te procurar após o teste, mas você simplesmente havia sumido. — Ele gesticulou, levantando os ombros. — Quando fui até o diretor Christor, ele me falou que você havia recusado a oferta da classe especial e que o senhor Sitra lhe transferiu para a classe comum.
Mais alguns segundos em silêncio.
— O que significava que você teve suas memórias apagadas.
Ele estava sério, seu rosto carregava uma expressão neutra, embora seus olhos parecessem transmitir uma sensação melancólica.
— Sinto muito por lhe preocupar Gibb. — Confirmei. — Mas é verdade, no primeiro momento eu recusei fazer parte da classe especial, talvez por medo, talvez por não querer seguir um caminho pré-determinado… Não sei.
— E o que lhe fez mudar de ideia?
— Uma coisa que o senhor Sitra me disse. — Sorri. — Que eu tenho de fazer algo que eu quero fazer, sem me preocupar com os outros. — Ri. — Claro que não foram usadas essas exatas palavras, mas o importante foi que ele me deu um conselho e uma luz para um caminho o qual eu poderia seguir.
— Então, em resumo, você fez manha. — Gibb disse, sem mudar sua neutralidade.
— Não! Tu não escutou nada do que eu falei?
Gibb sorriu, acompanhado de uma curta risada, olhando pra mim com uma expressão mais alegre, mudando sua face.
— Que bom poder saber que tu vai estar por perto.
— Também é bom saber que posso contar contigo.
Respondi seu curto sorriso com um grande sorriso meu, Gibb nunca foi muito de sair de sua neutralidade, mas vez ou outra ele tinha picos.
— Mas me conta. — Ele interveio. — Por que o senhor Sitra permitiu você ingressar na classe especial?
— Eu não sei. — Disse levantando os ombros e as mãos. — Disse que sentiu que eu não estava confiante em minha resposta e perguntou se eu queria entrar de novo, e nessa segunda vez eu aceitei.
— Hmmm… Será que isso é algo raro de se acontecer?
— Olha, ele disse que era uma chance que não se dava a ninguém, acho que é algo raro por isso.
Meu amigo coçou seu queixo.
— Realmente, acho que todos que vão para a classe especial sabem dela e querem estar nela, talvez seu caso tenha sido uma bela exceção. — Gibb apontava para mim, com uma expressão de dúvida, tirando sua mão do queixo e virando-a de cabeça para baixo, com o indicador esticado. — Afinal, o que o fez lhe dar outra chance? Ele só perguntou de novo?
Cocei minha nuca, não sabia se poderia contar sobre o dia anterior a ele, mesmo sendo meu amigo, uma vez que nem mesmo meus próprios pais pareciam saber desse fato, entretanto, diferente de meus pais, Gibb também estava estudando na classe especial, então ninguém melhor que ele para conversar sobre o assunto.
— Bom, eu lutei contra um Abyss Walker.
Gibb ficou surpreso, como se cuspisse água de sua boca, quase saltando para trás.
— Como assim lutou contra um Abyss Walker? Impossível!
— O que foi? — Perguntei surpreso.
— Lutar contra um bicho desses é loucura, mesmo que seja de baixo nível ainda é difícil, e, além do mais, anomalias precisam ser localizadas, alguém cair dentro de uma é algo raríssimo.
— Ah… Pois é, então aparentemente eu sou bem sortudo, porque foi o que aconteceu, até o senhor Sitra comentou algo do tipo.
Meu amigo olhou-me incrédulo, com seus olhos analisando meu corpo inteiro.
— Isso não é mentira, é?
— Por que eu mentiria sobre isso?
Trocamos mais alguns olhares.
— Você está vivo? — Ele brincou, segurando minhas roupas.
— Muito engraçado.
— Mas é sério, estar vivo é uma benção após um encontro desses. — Ele falou, parecendo ter acreditado em meus relatos.
— Olha, eu também gostaria de saber como estou inteiro. — Dei de ombros, animando-me ao lembrar da luta. — Você devia ter visto como foi, ele era bem forte e daí eu precisei socar ele assim, e assim.
E então eu começava a socar o ar, refazendo os golpes que apliquei em meio a luta.
— Ah é! Teve uma hora que meu braço brilhou e ele pegou fogo, aí com um soco eu nocauteei o bicho.
— Espera, você conseguiu usar mana? — Uma das sobrancelhas de Gibb levantava, com ele surpreendendo-se cada vez mais.
— Não sei, acho que sim, por que?
— Dizem que é necessário bastante treino para poder controlar sua mana, você conseguiu manifestar logo de primeira, consegue fazer isso de novo?
— Olha… — Olhei para meu braço, tentando sentir ou ver algo. — Acho que não.
— Ah… Então foi só um golpe de sorte.
— Pera, porque você se desanimou tão rápido?! — Perguntei enquanto via a expressão neutra de meu amigo voltar.
— Mas parabéns, já conseguiu seu primeiro contato com sua habilidade mágica.
— Valeu, eu acho. — Disse, coçando a lateral da cabeça, mas animado. — Então, vamos logo pra escola?
— É uma boa ideia, deixa que eu vou na frente, pra você não se perder.
— Agradeço.
Seguimos pelo mesmo caminho que fizemos no dia anterior, andando pelas ruas que nos levariam até a escola, dessa vez com os passos mais lentos para aproveitar a companhia e a conversa, ao nosso redor era perceptível a grande movimentação de pessoas e automóveis, algo que deixava a cidade mais viva neste tempo de inverno.
— E o que aconteceu ontem? Na escola? — Perguntei. — Depois que chegamos ao fim do caminho eu não lembro de nada.
— Bom, o porta-voz fez alguns testes conosco, aptidão física e intelectual.
— Teve prova no primeiro dia? — Disse assustado, mas aliviado por não ter que as realizar. — Ufa, que bom que eu não precisei fazer.
— Pra falar a verdade acho que isso deve acontecer contigo hoje.
— Oi? — Encarei Gibb.
— É, acho que faz mais sentido, não? — Ele deu de ombros. — Eles tomam isso como uma avaliação individual de cada aluno, não fizeram a sua então…
Gibb gesticulava com a mão, girando-a, como se quisesse que eu completasse o pensamento.
— Tudo bem… — Disse desanimado. — Mas tem alguma coisa que tu pode me falar dos testes? Pra eu pelo menos me preparar.
— Olha, você está é com sorte, porque eu nem deveria estar lhe dizendo isso. — Ele olhava de relance aos nossos arredores. — Mas também vai ter um teste especial.
— Um teste especial? Qual? — Chegava mais perto para ouvir.
— E eu vou te dizer? — Disse ele, sarcástico. — Pra todo mundo foi surpresa, pra você também vai.
— Mas você é meu melhor amigo. — Sorri, tentando convencê-lo de contar o assunto que estava ocultando.
— Não vai funcionar. — Gibb me olhava, sério.
— Tudo bem, nem queria saber mesmo.

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