Em pouco tempo nós estávamos novamente naquela escola, e, diferente do primeiro dia, dessa vez os corredores da A.H estavam repletos de alunos, conversando ou andando a caminho de suas respectivas salas, a maioria deles estava aproveitando o horário de entrada para poder conhecer novas pessoas e formar novas amizades, um comportamento mais comum e casual.
— Hoje pelo menos parece ser um dia mais alegre. — Comentei.
— Mais tranquilo, mas somente para a classe normal, estamos indo para o segundo andar.
— E o que tem de especial nele?
Gibb sorri de leve enquanto direciona seu olhar para mim.
— É o local que iremos estar frequentando, o segundo andar é restrito a classe especial. — Disse ele, com um certo orgulho.
Sua fala intimidava, mas nunca que pararia minha vontade, dito isso, continuamos caminho e subimos um lance de escadas, chegando ao tal segundo andar, que infelizmente batia com a descrição de Gibb, a atmosfera era pesada e uma certa tensão cercava o local como uma grossa névoa que esconde o perigo iminente, mesmo que houvessem alunos realizando as mesmas ações que vimos anteriormente, de forma aparentemente tranquila e calma, essas não amenizavam aquele clima que apertava meu pescoço,
— Errr… — Murmurei, enquanto sentia uma gota de suor escorrer pela lateral de meu rosto. — Por que esse clima estranho?
— Por causa dos testes. — Explicou meu guia.
— O que todos fizeram ontem? — Perguntei em dúvida, não tendo certeza se estávamos falando do mesmo assunto.
— Sim.
— Tá, mas por que? — Questionei confuso com a informação.
Meu amigo ficou quieto por alguns segundos, talvez pensando em uma maneira de explicar o que estava perguntando.
— Lembra do que falei sobre os testes?
— Hmrm. — Confirmei com a cabeça.
— Então, os testes de ontem serviram principalmente para determinar a força, não só corporal, mas geral dos estudantes, ou seja, as primeiras salas são as que contém os indivíduos mais fortes da classe especial.
— Então é como se fosse um ranking?
— Funciona bem por aí.
— Tá, então as pessoas estão nesse clima porque não conseguiram ingressar nas primeiras turmas? — Perguntei, certo de que minha conclusão era a correta.
Gibb balançou sua cabeça, levemente, de um lado pro outro.
— Mais ou menos, é que na realidade há uma regra especial nessa primeira semana.
Olhei para meu amigo, com medo, havia um hábito que Gibb cultivava desde que o conheço, um péssimo hábito por sinal, o de ocultar os piores fatos para o final, então se havia alguma regra especial e ele só havia deixado para comentar sobre apenas agora, era porque havia algo ruim sobre ela.
— Por favor, por favor me diz que é uma coisa boa… — Tentei me iludir.
— Depende do seu ponto de vista.
E com essa frase eu já estaria pronto para o pior.
— Me fala o que é então. — Suspirei fundo.
— A regra diz que, como na primeira semana as turmas não estão totalmente finalizadas, os alunos podem desafiar-se, e aqueles que vencem um aluno de uma classe superior ingressam nela no lugar do perdedor.
Por um segundo fechei meus olhos e imaginei voltar a minha infância, onde tudo era mais belo e tranquilo, no segundo seguinte quando abri novamente meus olhos meu cérebro ainda não podia acreditar no que tinha escutado, jamais poderia imaginar que algo do tipo pudesse ser permitido em uma escola, mas, infelizmente, os últimos acontecimentos que vivenciei faziam ser necessária a suspensão da descrença, entretanto isso não fazia aquilo ser menos absurdo.
— Cê tá me dizendo que durante uma semana a classe especial vai virar um campo de guerra na luta pelo mais forte? — Questionei ainda tentando processar o absurdo que ouvi ainda pouco.
— É.
— Como assim “é”?! Que tipo de resposta é essa? — Falei transtornado.
— E também tem outra regra.
— Outra?! Tem mais?!
Meu guia sorria.
— Relaxa, essa é realmente boa.
Eu cerrava meus olhos e encarava Gibb de forma fulminante, ele podia falar o que quisesse, mas eu duvidava de cada letra em sua frase.
— A outra regra diz que um aluno apenas pode ser desafiado no máximo 3 vezes, caso vença dois desses duelos ele não mais pode ser desafiado. — Concluía Gibb. — Além disso, um aluno só pode ter um duelo a cada dois dias, um dia sim e outro não.
Olhei ao meu redor, analisando o clima que pairava no ar, as conversas paralelas entre alunos nos corredores e nas portas das salas, todos pareciam se encarar, como numa competição de artes marciais, onde os participantes prestavam atenção uns nos outros e em seus golpes.
— Então todos aqui estão aguardando para ver quem irão desafiar.
— Precisamente, a maioria dessas pessoas está apenas esperando alguém mais fraco para poderem predar, seja da primeira ou da segunda turma.
— Então o objetivo de todos é passar para a primeira turma?
— Sim.
— Entendi, mas e se alguém de uma mesma turma se desafiar? — Perguntei.
— Ótima pergunta, mas acho que nada acontece, apenas é contabilizada a luta.
— E se alguém me desafiar e eu recusar?
— A vitória vai pro desafiante, porque conta como se você tivesse desistido, além de todo mundo te chamar de covarde.
Gibb parecia estar bem confiante sobre as informações que estava me passando, e eu confiava nele, jamais o vi compartilhar dados falsos ou de pouca credibilidade, não era de seu feitio dizer algo que ele não acreditava ser real ou que ao menos não tivesse algum embasamento, isso claro se ele não quisesse estar tirando uma com a minha cara.
— Tem alguma forma de contabilizar as vitórias? Tipo, tem um juiz?
— Olha, não vi ninguém duelar, então não posso dizer.
— Tá, então o perigo é estar na primeira classe, qual a sua Gibb? — Olhei para meu amigo.
— É. — Ele disse, ficando em silêncio. — Tô na primeira.
Ao que Gibb me respondeu, seu corpo virou levemente em minha direção, e então percebi algo que não havia me atentado anteriormente, em seu pescoço havia uma pedra oval, de coloração verde clara, grudada em seu lenço como se fosse um pingente, ao perceber esse detalhe em seu indumentário consegui o visualizar que todos a minha volta possuíam uma pedra parecida em seus lenços, da mesma forma que Gibb, porém muitas dessas pedras eram de cores diferentes de si, assim como diferentes da pedra de meu amigo.
— Gibb, essa pedra em seu lenço, sempre esteve aí?
Ele olhou para sua pedra e então para mim, como se procurasse esse mesmo acessório.
— Ah é! Você provavelmente vai precisar falar com o diretor, todos nós ganhamos essas pedras depois dos testes.
— Tá, mas o que elas significam?
— Servem para sinalizar nosso nível de força, por exemplo, a minha é um quartzo verde, como tu ainda não participou dos testes devem lhe dar uma dessas ainda, acredito que você deva obter resultados melhores que os meus.
Gibb mostrava sua pedra, com a mão esticando o pano e deixando-a mais à mostra, eu tocava, mas não parecia ser nada mais que um pingente comum (Coisa que talvez fosse).
— Valeu, então é melhor passar na diretoria logo, pra resolver isso. — Respondi, querendo me livrar desse problema logo.
— Isso eu concordo, só que daqui a pouco o sinal de entrada irá tocar.
— Tá bom, mas eu tenho que ir pra uma sala, se eu não fiz o teste não tenho uma.
— Olha, tem uma lista de chamada provisória na frente de cada sala, talvez você esteja em alguma, podemos ir checando.
— Não sei, mas tudo bem, não custa tentar. — Dei de ombros. — Devo estar na última sala, depois devem me atualizar pra outra turma, não é?
— Dependendo do seu desempenho sim, não sei como os outros estudantes foram.
— Você podia ser um pouco mais otimista. — Disse, um tanto desanimado pelas palavras de Gibb.
— Eu sou realista.
— Tá bom então, tomara que tenhamos as mesmas matérias, pelo menos tu pode me ajudar a estudar quando eu tiver dificuldades.
Fomos juntos até a última das salas, a qual estava localizada ao final do corredor, nela as pessoas aparentavam ser mais comuns, como se fossem alunos da classe “normal”, a grande maioria dos alunos possuía em seus lenços pedras tão transparentes quanto a água, ao que nos aproximamos era possível ver uma folha de papel com uma lista de nomes em sua porta, porém dentre eles não foi possível localizar o meu.
— O meu não está aqui… — Disse olhando novamente para a letra K, vendo se não havia encontrado por falta de atenção. — É, nada. — Conclui após a revisão.
— Tem certeza que ninguém lhe entregou uma?
Gibb sinalizava para a pedra que portava, ao mesmo tempo que eu respondia com o balançar de minha cabeça, sinalizando uma resposta negativa.
— Estranho. — Ele coçava seu queixo. — Bom, vamos seguindo.
Ambos continuamos a olhar as listas das próximas salas, porém sem sucesso em nossa tarefa, por alguns momentos cheguei a desacreditar de que meu nome poderia estar em uma das listas, algo que fazia sentido, uma vez que nem estava apropriadamente classificado, eu já estava quase desistindo quando ouvi a voz de Gibb.
— Kai! — Ele chamou, num tom alto e claro.
— O que foi? — Perguntei, me aproximando.
Enquanto eu estava ocupado procurando meu nome nas listas das últimas salas Gibb resolveu ir mais a frente e procurar nas salas mais adiante, naquele momento eu estava na quarta sala e ele verificava a lista da primeira, em seus olhos pura surpresa e seu indicador tocava o papel, então tudo que fiz foi seguir o mesmo trajeto…
Encontrando meu nome naquela folha, bem onde tocava seu dedo.
— Impossível… — Disse, apertando meus olhos com as pálpebras, forçando minha vista.
— Parece que você está na primeira classe. — Gibb repetiu a informação.
— M-mas, eu não fiz nenhum teste, podem me classificar?
Olhei para meu amigo, esperando um olhar de conforto ou palavras de sabedoria que somente ele poderia ter para me explicar o que estava ocorrendo, mas tudo que recebi foi um levantar de ombros, como se dissesse: “Eu não sei”.
Meus olhos buscavam analisar os arredores, fazendo-me sentir a atmosfera pesada se tornar cada vez mais palpável, todos a minha volta direcionaram seus olhares intimidadores a minha pessoa, eu não tinha uma daquelas pedras e mal havia acabado de descobrir o que elas significavam, ou seja, como não possuía uma todos deveriam achar que eu era o mais fraco, e, para piorar, vários daqueles que me olhavam tinham pedras semelhantes a de Gibb, o problema era que se meu amigo analisava que não havia se saído tão bem, isso significava que aqueles que estavam na primeira sala eram ainda mais fortes.
Segundo Gibb naquela sala apenas estudavam os indivíduos mais fortes da classe especial, provavelmente pessoas que detinham algum conhecimento prévio, frente a eles eu não era ninguém, minha presença era mínima, aquele mundo era totalmente novo para mim, não fazia ideia de suas regras, conceitos e histórias, estava na pior situação possível, eu havia começado minha vida escolar com o pé esquerdo afundado na lama.
Mesmo assim não deixaria que aquilo me abalasse, minhas costas permaneceriam retas e minha cabeça erguida, todos podiam tentar o quanto quisessem, não me importaria com o que falassem ou pensassem, eu não me renderia, mesmo com o desconhecido à minha frente, embora isso não me deixasse menos preocupado com minha integridade física.
— O que foi? — Gibb perguntou.
— O pessoal parece ter me marcado… — Comentei, fechando meu punho, desconfortável com o cenário.
— Não liga pra isso, quem quiser tem que pedir um desafio, devem te achar fraco, pelo menos abaixo da média da classe especial.
— Uma pena pra eles.
Falei, olhando por cima de meu ombro para aquelas pessoas que mais pareciam abutres encarando uma carcaça, eu havia me tornado a presa de todos aqueles que aspiravam a ingressar na primeira turma, e isso não era nada bom.
— O sinal vai tocar logo mais. — Anunciou Gibb. — Melhor entrarmos logo.
— Estou logo atrás. — Respondi.

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