Edsória, a Cidade das Canções e das Cores, ergue-se majestosa no coração do Reino de Dalmástia. Suas muralhas brancas, imponentes, protegem a mais bela joia do continente, brilhando sob a bela luz dourada de Solariis, em contraste com os telhados vermelhos e azuis de suas casas, trazendo toda beleza das primeiras horas da manhã.
A capital era famosa por seus grandiosos eventos, e hoje não seria exceção; pois era o décimo dia do mês de altarad, dedicado à miríade[1] Henm, Senhora da Abundância e da Prosperidade. Seu festival ficou conhecido em todo o Reino por trazer uma infinidade de bardos talentosos, contando prosas e aventuras, tecendo canções e repentes, com dedos ágeis acariciando seus alaúdes.
Em poucas horas, a cidade toda será pura fanfarra, já sendo possível sentir os mais diversos aromas que perfumam Edsória, seja de uma deliciosa iguaria, feita pelas habilidosas mãos dos mais renomados confeiteiros, ou das mais belas flores, dispostas nos vários florais que enfeitam seus postes, muros e painéis.
Jay se sente satisfeito, enquanto caminha por todo esse emaranhado de alegria, não conseguindo esconder seu sorriso a cada saudação que dispensa aos trabalhadores que encontra pelo caminho. Todos fazem questão de lhe oferecer gestos de amizade e gratidão, pois sentem-se seguros graças a todos os heróis e aventureiros que arriscam suas vidas para proteger a maravilhosa joia do reino.
Impressionado que, mesmo nas mais tenras horas da manhã, as ruas estão movimentadas, com pessoas de todas as raças e origens se misturando nas mais diversas empreitadas: Humanos e licanens[2] subindo gigantescos painéis pitorescos, feitos de pedra e madeira; grupos de trentis preparam as passarelas para o grande desfile; kitenis lançam-se aos ares em meios à acrobacias e saltos ousados, amarrando belos tecidos aos telhados; elvanens, embora bem poucos, também ajudam com seus cânticos e feitiços, adornando cada canto da praça central com suas runas visuais.
Caminhando devagar, por pouco mais de uma hora, Jay chega à sede da renomada guilda, Febre Esmeralda. Um grandioso prédio branco de estandartes verdes, que se põe opulento a algumas quadras da praça central, sendo conhecida como a Guilda das Guildas.
Ao passar pelos portões entreabertos, percebendo que ainda seria muito cedo, Jay pensa alto, enquanto pega uma maçã no balcão de entrada:
"Pff... Tá bem cedo ainda. Será que o mestre da guilda já tá aí?"
"Derek Firandr nunca sai da sede, bonitão. O que quer com ele?"
O paladino se vira tranquilamente, como se já soubesse da presença da aventureira dos longos cabelos castanhos. Ele olha por um breve momento, percebendo que a mulher humana não parecia ter envelhecido um dia sequer desde a última vez que se viram. A bela pele de cor de amêndoa, ainda parecia ter o mesmo toque aveludado de outrora, assim como seus trajes ainda pareciam ser os mesmos: o espartilho de couro escuro por cima da camisa branca, marcando sua cintura fina, ornando perfeitamente com as calças justas de tecido naval, que destacavam cada curva de suas pernas. Ao se virar completamente para a mulher, Jay consegue notar as leves cicatrizes em seu rosto, propositalmente ocultas por sua longa franja, acima também de seu tapa-olho.
Assim, ele sorri enquanto responde à sua antiga parceira de aventuras:
"Julie Branfalco. Me surpreende ver você aqui, logo à essa hora, isso sim, hahaha."
Julie olha de cima a baixo o aventureiro e abre um grande sorriso malicioso, evidenciando algumas poucas marcas do tempo em sua face, enquando passa sua longa unha carmesim no braço de Jay, aproximando-se lentamente dele.
Rindo, ele a surpreende com um movimento rápido, que a traz completamente para seus braços. Isso a deixa muito corada e hesitante.
"Ué, não entendi porque ficou corada, Julie? Algum problema? hahaha."
"Ah, Jay! Qualé?! Cê sabe que não lido bem com surpresas. — ela diz, enquanto empurra o paladino, soltando-se de seu abraço.
"Emburra, não, capitã. Toma um café comigo. Ou prefere uma cerveja? Café da manhã bem ao estilo dos velhos tempos, o que acha?
"Nem, valeu. Acabou a graça. Vou lá avisar o Derek que você tá aqui."
"Ah, beleza então, obrigado, Julie. O convite ainda tá em pé, só não enrola muito, hein…"
Enquanto se afasta, Julie se vira e sorri para Jay.
"Vai se catar, paladino."
Jay ri e puxa uma banqueta, escorando no balcão de mogno envelhecido, que estranhamente, ainda tem cheiro de madeira nova. O taverneiro, que estava arrumando o estabelecimento, chega rindo, dizendo que Jay ainda vai tomar uns bons tiros da capitã por conta dessa ousadia toda.
"Se preocupa não, Bob. A Julie se aposentou, tudo que ela gosta de matar hoje em dia são minhas chances de sair com ela de novo, hahaha."
"Hahaha, essa garota é dose, não?"
"Com toda certeza, meu amigo, ela é! E, falando nisso, me vê um café duplo, bem preto com um misto-quente de javali completo, no pão de Thar'lahar. Ah, traz molho de slime amarelo num potinho a parte?"
"Opa, pode deixar, meu chapa! Vou caprichar, pra você. São doze Auras."
❖
No refúgio, Layla, quase totalmente submersa na banheira, apenas com o topo da cabeça, do nariz pra cima de fora da água, olha fixamente a pequena garota dormindo na cama de Jay, enquanto pensa no que faria caso o tal bruxo aparecesse lá para reclamar sua escrava…
“Eu bateria muito forte com meu machado, antes dele falar qualquer feitiço, isso sim! Ou… ou… Eu o cortaria em dois com meu machado… Mas… peraí… por que será que ele deixou ela sozinha na floresta? Bruxos são estranhos… Será que esqueceu de comprar alguma erva pra fazer o feitiço… Essa fia não acorda por nada, meu… faz um tempão que tô nessa banheira, já tô até ficando igual um maracujá… faz tempo que não como maracujá. Será que o Jay compra um pra mim? Melhor eu sair daqui, miau!”
Em meio aos seus pensamentos, Layla decide sair da água, se secar e pegar uma muda de roupas limpas. Ela abre a gaveta desgastada do armário e escolhe entre dois conjuntos de algodão, embora puídos, muito limpos e com cheiro muito bom. Ela cheira as pequenas peças com satisfação enquanto pensa:
“Aiai… o Jay é tão caprichoso com a roupa. Não sei como ele consegue lavar e deixar tudo com um cheiro tão bom… Sempre que vou lavar roupa, eu deixo uma ou outra peça detonada… Minha força é muito grande. O Jay é fraquinho, eu acho, por isso consegue lavar sem estragar a roupa. É. É isso. Eu tenho que ficar do lado dele pra protegê-lo de qualquer coisa, com minha super força, hihi.”
Depois de se vestir, cobrindo apenas o que deve ser coberto, diga-se de passagem, ela se olha no espelho, feliz, passando seus dedos sobre suas cicatrizes de batalha, dando uma risadinha bem discreta. Após isso, senta-se ao lado da elvanen e fica olhando para a garota, que parece dormir tranquilamente, sem qualquer expressão de medo ou sofrimento.
“Se eu sacudir com força, ela vai acordar? Eu podia cutucar as orelhas dela… são tão lisinhas… e compridas. Bem diferentes das do Jay… que são redondinhas e pequenas, hihihi. E se eu mordesse? Já mordi a orelha do Jay. É esquisito, mas não é ruim… será que a dela é mais gostosa? Miau! Ai…Quantas dúvidas! Cadê esse Jay?”
Layla levanta e vai até a janela abri-la pra deixar entrar um ar mais fresco. Porém, ao abrir as cortinas, ao longe, ela nota um homem estranho vestindo um longo manto e capuz negros, montado em um grande cavalo descarnado, trotando devagar, rumo aos portões da cidade. Ela observa com cuidado, na esperança de que o homem não tenha visão longínqua como ela ou algo do tipo.
“Respira devagar, Layla… devagar, ele tá b-bem longe daqui, não vai dar nada. Ele nem deve ser bruxo mesmo… só tem um cavalo morto como montaria… um manto e um capuz sinistro… uma… uma… cara medonha… mas… po-pode ser um… viajante, né… ou, ou, ou um… paladino do mal… Ain… De qualquer forma não é bom, miau”.
Ela consegue ver o homem entregar alguns papéis para os guardas, trotando portões adentro em seguida. Em pouco tempo, ele some de vista, para o alivio da pequena kiteni, que volta a observar a elvanen dormindo.
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- Miríades são a contraparte virtuosa dos Nefraii. A eles são atribuidas as virtudes e outros aspectos benígnos, sendo abertamente cultuados pela maioria das pessoas.
- Licanens são licantropos, humanoides com características de lobos, com grande tamanho, podendo chegar a até 3 metros de altura. São extremamente fortes e possuem uma ligação com Luniis e Sisifus, as duas luas de Therium; Trentis são humanoides com longos chifres, cauda e cascos no lugar dos pés. São bem altos para o padrão dos humanos, podendo chegar a até 2,5 metros de altura.
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