― Feliz aniversário ― Tomás disse assim que entrou no táxi parado na saída lateral do hospital. E deu uma fungadinha com o nariz ainda meio afetado antes de envolver Lótus em um abraço doce. A voz saiu manhosa quando voltou a falar. ― Desculpa não ter trazido as suas flores lindas. Eu tenho um pouco de alergia. Acho que esqueci de te contar… Mas eu guardei o cartãozinho.
― Oh! ― Lótus levou as duas mãos à boca, os olhos se arregalando um pouco. ― Bichinho, é verdade. Eu fiquei tão empolgado por te comprar flores bonitas que simplesmente me esqueci desse detalhe.
Só que não. Por tudo o que conhecia de Lótus, era muito mais a cara dele dar flores como uma mensagem do que se esquecer de sua única alergia. Mas, se ele sabia ser vingativo, então Tomás sabia ser dissimulado. Combinavam bastante, achava. Lótus teria que concordar.
― Lindo, eu preciso te contar um negócio… ― começou a dizer enquanto o táxi fazia a curva para fora do estacionamento.
― Olha, bichinho! ― Lótus o interrompeu, mostrando um feed do Instagram. ― É onde nós vamos, um lugarzinho massa que só. Eles fazem tortinhas e cupcakes, eu recomendo o de cerveja preta.
Se Tomás queria tirar qualquer peso de culpa dos ombros, faria isso depois de seu aniversário ser devidamente comemorado. Tinha planos!
― Que lindo… ― Ajeitou o cabelo antes de tocar o braço dele com as mãos, segurando um sorriso divertido. ― Vou deixar pra entregar seu presente mais tarde já que você tá tão empolgado pra comer!
Os dois desceram diante de uma lojinha estreita na Vila Olímpia, com paredes em tons pastel e um pequeno quadro negro estilizado bem na porta, anunciando os sabores especiais do dia. Passaram por um balancinho enfeitado com flores ao entrarem e Lótus tocou o braço de Tomás no meio de uma risada empolgada.
― Tira uma foto minha aqui?
― Estamos com tempo? Seus convidados não estão esperando? ― perguntou, enquanto já sacava o celular. O enquadramento que conseguia com aquele balanço e as flores combinando com a franja meio rosa era perfeito. ― Você vai amar essa foto…
― É claro que eu vou, você quem tirou! ― Lótus disse, fazendo uma pose natural, a de alguém acostumado com lentes. ― Você é meu único convidado, bichinho ― completou, esticando a mão para espiar a foto no celular.
― Só eu? ― A informação o pegou de surpresa. ― Mas é seu aniversário. Não quis chamar mais ninguém? ― Acompanhou seu movimento quando ele espiou a foto. Tinha mesmo ficado uma graça. Todo aquele lugar exalava a mesma energia de Lótus. Só seria perfeito se tivessem drinks coloridos e cheios de álcool, como uma coisa bonita que esconde um lado perigoso.
― Não ― ele respondeu com simplicidade e um sorriso gigante, sinalizando para irem pegar uma mesa. ― Eu poderia ter chamado mãezinha, mas se ela quis perder minhas primeiras palavras, minha primeira menstruação, minhas formaturas, ela sobrevive sem um aniversário ou dois.
Ou todos.
Tomás ocupou seu lugar à mesa, numa cadeira de encosto rosa-bebê, perto do parapeito da janela. A mesa era decorada com um vaso de flores de plástico no formato de uma câmera analógica.
― Eu não vou conseguir esperar pra te entregar ― falou. E esfregou os resquícios de alergia do nariz vermelhinho antes de pegar o embrulho na mochila e apoiá-lo sobre o tampo da mesa. ― Pra você. ― E então emendou, antes que ele pudesse interromper: ― Lótus, eu menti no outro dia, quando disse que estava com a minha vó. Mas não foi pra te chatear. E eu sei que você sabe. Desculpa.
Lótus tamborilou as unhas sobre o embrulho, encarando o padrão de flores. A expressão sorridente tinha sumido, embora ele não parecesse irritado ou chateado agora, apenas um pouco triste.
― Você pode só me falar quando não quiser companhia, sabe? Não vou arengar com isso. Mesmo que seja pra me trocar por um alfa de omegaverso do tamanho duma porta.
Não resistiu. Aquilo fez Tomás soltar uma gargalhada tão gostosa que precisou afastar os óculos para secar uma lagrimazinha no canto de um dos olhos.
― Ele é enorme mesmo, então? Não era só impressão de bêbado… ― balançou a cabeça antes de deitar o queixo sobre as mãos. ― Eu nem conhecia ele antes. Saí pra beber sozinho.
― E claramente não ouviu os conselhos da tua vozinha sobre lobo mau e companhias ― Lótus implicou.
― Você nem vai acreditar se eu disser que é esse o nome dele, né? Mas ele parece bonzinho.
― Ele se chama Lobo? ― Lótus falou alto, chamando a atenção da mesa vizinha. ― Só piora.
― É um sobrenome! ― Tomás corrigiu, escondendo o rosto nas costas da mão. Então voltou a apontar o embrulhinho. ― Não quer ver o que é? Passei horas escolhendo ― dramatizou.
― É bom que tenha passado mesmo, pra compensar que me trocou pelo Mogli. ― Lótus franziu o nariz, dando pulinhos empolgados na cadeira.
Abriu o embrulho com cuidado para não estragar aquela embalagem bonitinha, que iria guardar junto com o presente.
Tomás tinha valorizado sua própria busca ao dizer que foram horas, mas a verdade é que passou mesmo um bom tempo dentro daquela papelaria enfeitada, vasculhando prateleira por prateleira em busca de algo que fizesse sentido. Até encontrar aquilo, um scrapbook de folhas largas e grossas, com a capa cor de rosa num padrão de escaminhas e um marcador de páginas acoplado no formato de uma pequena cobra prateada.
― Eu posso escolher um drink pra você? ― Tomás perguntou numa voz arrastada, recostando o corpo contra a cadeira enquanto o rosto quase sumia atrás do cardápio colorido. ― Você gostou?
― É a coisinha mais fofa desse mundo! ― Lótus exclamou em uma alegria genuína, apertando o scrapbook contra o peito. ― Nós vamos precisar de muitas fotos pra preencher todas as páginas ― continuou, se inclinando na direção dele. Lótus tinha dois tipos de sorriso: o social, amplo e assustador, o sorriso de alguém que não admitia ser contrariado; e aquele, que era pequeno e quase inocente, mais erguido nos cantinhos do que outra coisa. ― Escolhe, mas lembra da regra da dose dupla de álcool!
― Eu nunca esqueço uma regra que é minha também… ― respondeu enquanto passava o olho pela página de bebidas. Na noite em que conheceu Vi, o drink que ele tinha comprado fora o seu mais sutil em tempos. Sempre achavam que não aguentaria algo mais forte. Lótus, ao menos, nunca o subestimou com isso.
Quase como se adivinhasse aqueles pensamentos, Lótus assumiu um tom confidente.
― Viu… E tu sentou naquele alfinha de dois metros, no fim das contas?
― Lótus! ― Tomás arregalou os olhos, a expressão perdida por um instante antes de retomar o sorriso. ― Eu preciso do meu drink antes de falar dessas coisas… ― Suspirou, chamando a garçonete para poder pedir, completando antes que ela chegasse. ― Mas não, ainda.
― Valha, e agora tu deu pra ser pudico, foi? ― ele brincou, dando risada, a bochecha gordinha apoiada contra a mão. ― Vou esperar a bebida pra fazer a próxima pergunta, então.
― Não pudico, só sóbrio.
No tempo em que as bebidas levaram para chegar, Tomás já tinha trocado de cadeira para uma ao lado dele, aproveitando a nova posição para deitar a cabeça em seu ombro de um jeito mimado.
― A faculdade tá me cansando tanto… Eu só queria beber até esquecer meu nome ― sussurrou, bebendo o primeiro gole de um drink chamado Xamego. Basicamente um sex on the beach, com bordinha açucarada e uma cerejinha. ― O que você queria perguntar? Eu aguento agora.
― Ia falar que se tu continuar frequentando o canil ― Lótus começou, puxando o próprio drink para perto: um exagero de rosa feito com gin, tônica e suco de laranja, e enfeitado com um pedaço de algodão doce que também dava nome à bebida ―, se o bonitinho não for arregão que dá pra trás com mais de uma pessoa na cena, tu bem que podia me deixar assistir a brincadeira.
Era uma relação que combinava com eles: Lótus não gostava tanto de toques alheios ― embora os de Tomás pudessem deixá-lo ávido ―, mas compensava em brincadeiras divertidas que sempre poderiam incluir tantas pessoas quanto Tomás quisesse. E Tomás era como um enfeite brilhante, um imã que atraía pessoas interessantes.
― Eu pergunto pra ele ― Tomás franziu a testa, como se aquilo fosse bem simples. ― Só me deixa conhecer o carinha um pouco melhor. Eu não acho que ele vá achar ruim. ― Bufou, meio frustrado, antes de emendar um gole mais longo de bebida e a caretinha que veio em seguida. ― Sabe o contador de histórias bonito que te falei?
― Quê que tem?
― Ele tava lá hoje. ― O olhar de Tomás desceu até a bebida colorida, que ele agitava casualmente com o canudo de papel. ― Não me chamou pra sair de novo. E eu encarei de verdade dessa vez.
Com cuidado, Lótus desfiou o pedaço de algodão doce, que começava a derreter dentro do drink, e colocou na boca. Depois se inclinou, apoiando uma mão na coxa de Tomás antes de pousar um beijo em sua boca.
― Mostra pra mim como que tu encarou.
― Assim… ― Tomás se afastou para olhá-lo de um jeito confortável. As sobrancelhas suavemente erguidas enfatizavam o brilho dos olhos dourados. ― Não é bom o suficiente pra alguém querer sair comigo?
― Bichinho, tu tem certeza de que o marmanjo não é hétero? ― Lótus ergueu a mão, apertando a parte de baixo dos lábios dele com o polegar. ― Porque só isso.
Tomás mordeu seu dedo e então voltou a gargalhar, segurando a mão de Lótus na sua. Ele conseguia fazê-lo rir muito fácil todas as vezes. Fez um bico manhoso logo depois, trazendo a mão de Lótus para cima, roçando o rosto contra a palma.
― Isso ia ser muito injusto ― reclamou.
― E tu tem contato com ele fora do hospital? ― perguntou, já prevendo que Tomás pegaria o celular, o que ele fez. Analisou as primeiras fotos do feed daquele cara. Ele aparecia em uma só, em meio a imagens de divulgação de eventos e fotos conceituais de murais grafitados. ― Tão expressivo quanto uma natureza morta, mas eu sentava.
― É, né? ― Tomás ampliou a foto em que ele aparecia, mordendo o cantinho do lábio. ― Quando ele conta as histórias, parece tão animado. Eu queria entender… ― E então deu de ombros, desistindo do celular. ― Mas sei lá, acho que ele nunca vai me chamar.
Lótus deu uma risadinha malvada no meio de um novo gole de drink, aproveitando os lábios geladinhos para beijar o pescoço de Tomás, erguendo a boca até a altura de seu ouvido.
― Nesse caso, bichinho ― ele sussurrou ―, por que tu não decide aparecer onde ele tá?
Continua…
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