Ele se perdeu no jogo, esquecendo-se do tempo e das obrigações que tinha na vida real.
No entanto, mesmo imerso em seu mundo virtual, havia uma sensação de vazio que o acompanhava. Uma sensação de que, por mais que se esforçasse, nunca seria capaz de alcançar a felicidade plena e a realização pessoal.
Mesmo assim, ele continuava jogando, tentando encontrar um propósito para sua existência em um mundo que parecia cada vez mais vazio e sem sentido.
Enquanto jogava acabou recebendo uma notificação.
Assim que a abriu, viu que um de seus amigos o convidava para uma chamada, onde ele acabou aceitando entrar.
— Colin?! — disse um de seus amigos. — Estava te esperando para te contar as novidades!
Curioso, Colin espremeu os olhos, pensando que os moderadores haviam adicionado um novo evento ao jogo.
— Qual a novidade? Um evento de fim de semana?
— Não é isso, sabe sua ex-noiva?
— A que jogava com a gente? — perguntou outro amigo que estava na chamada.
— Essa mesma, então, resolvi stalkear ela e descobri que ela vai se casar com um ricaço!
Colin franziu os lábios e engoliu o seco.
Não havia nem dois meses que ambos haviam terminado.
— E daí? — perguntou Colin. — Vida que segue. Não ficarei chorando por um relacionamento fracassado.
— Mas é estranho ela se casar assim tão rápido — comentou o amigo. — Provavelmente ela já estava te traindo, você sabe, mulheres nunca deixam um cara sem ter outro de reserva.
— Mas aí, a gente vai jogar ou não? — perguntou Colin irritado.
— Claro que vamos.
Eles jogaram algumas partidas, mas Colin não estava bem, nada em sua vida ia como ele queria.
Ele nunca parou de tentar mudar, apenas diminuiu a frequência na forma que lidava com seus problemas, muitas vezes deixando-os ali, pegando poeira.
— Estou com sono galera — disse Colin fingindo um bocejo. — Acho que vou dormir…
— Dormir? Mas você acabou de chegar.
— Deixa ele, aposto que vai chorar por causa da ex-noiva hehe.
— Chorar? — perguntou Colin. — Até parece que um dos magos mais fortes do jogo chora, até mais!
Ele saiu do chat de voz e retirou o Headset com agressividade, jogando-o na mesa e dando um longo suspiro.
Levantou-se da cadeira lentamente e foi direto para o banheiro que ficava do outro lado do quarto. Ligou o interruptor e apoiou as duas mãos na pia enquanto se olhava no espelho.
Ele só via fracasso, o rosto de um homem que precisava de uma longa noite de sono e um almoço descente.
— Merda de vida… — murmurou Colin.
Colin era moreno, seu cabelo estava sempre atrapalhado e era de um negrume reluzente. Seus olhos eram levemente amarelados, que às vezes devido à luz, ganhava um tom avermelhado.
Colin abriu a torneira e observou a água descer pelo ralo.
Diversas coisas passaram por sua mente confusa.
Ele fez uma concha com as mãos e molhou o rosto, observando-se no espelho enquanto a água que escorria por seu rosto gotejava agressivamente para dentro da pia.
Fechando a torneira, Colin apanhou a toalha de rosto pendurada em um cabide atrás dele e se enxugou, devolvendo a toalha a seu lugar.
Retornou para o quarto e apoiou as mãos na cintura, observando uma grande bagunça.
“Preciso limpar isso, mas não agora.”
A chuva havia diminuído drasticamente, levando o temporal consigo. O país em que residia passava por uma poderosa onda pandêmica. Colin nunca foi de sair muito de casa, mas suas caminhadas breves o ajudavam espairecer quando sua mente ficava bagunçada.
“Acho que preciso dar uma volta.”
Temendo ser estrangulado por seus pensamentos, Colin foi até a sala e calçou seu All Star preto que estava no tapete frente à porta.
Vestiu seu casaco e apanhou o guarda-chuva ao lado da porta.
Enfiou as mãos no bolso do casaco e retirou uma máscara cirúrgica, colocando-a em seguida.
Suspirou antes de girar a maçaneta e deu seu primeiro passo para fora de casa. Abriu seu longo guarda-chuva preto e tornou a caminhar sem pressa.
Enquanto caminhava, o vento frio soprava em seu rosto e balançava as árvores, fazendo com que as folhas caíssem como uma chuva de outono.
As gotas de chuva se acumulavam na superfície do guarda-chuva, formando pequenas poças que balançavam de um lado para o outro a cada passo que ela dava.
Ele sentiu uma paz invadir seu corpo enquanto olhava ao redor e percebia a solidão da cidade.
Colin foi à praça que costumava sempre ir, localizada próxima a sua casa. Às vezes ele se sentava lá e planejava de que forma iria sair do fundo do poço que se encontrava.
No fundo, ele sabia que não executaria seus planos fantasiosos, ele apenas gostava de imaginar, ir para qualquer lugar que o tirasse daquela realidade decepcionante.
Desde que foi demitido de seu emprego como auxiliar administrativo, ele se viu perdido em um mundo caótico. Logo depois disso, sua mãe faleceu e sua ex-noiva o deixou, tudo isso em um curto período.
Ele viu-se sozinho, completamente abandonado por tudo e todos. A vida o havia dado um brutal soco no estômago e ele estava se revirando no chão gelado, sem ter ninguém para quem recorrer.
Seus olhos estavam mirados em seus pés, então, ele ergueu a cabeça e viu alguém se aproximando.
— Colin? — chamou uma voz feminina.
Ele olhou para cima e espremeu os olhos tentando se lembrar quem era.
— Oi… — enfim se lembrou. — Agatha?
Ela fez que sim.
Agatha era uma amiga de colégio que Colin não via há alguns anos.
Ela tinha uma aparência jovial, com cabelos castanhos curtos e repicados que batiam em seus ombros.
Suas pernas cobertas por uma meia-calça preta que realçavam sua silhueta, e seus pés estavam calçados em um par de all star vermelho.
Ela usava uma saia rodada de cor marrom que ia até os joelhos, combinando com um casaco xadrez de lã que realçava sua cintura fina.
Seus olhos castanhos eram brilhantes e expressivos, e sua boca estava pintada com um batom vermelho vibrante que contrastava com sua pele clara.
Em seu ombro direito, ela carregava uma bolsa de couro marrom com detalhes dourados, combinando com seus brincos e relógio.
— Já faz quanto tempo? — perguntou empolgada sentando-se ao lado dele.
Colin pensou, mas não conseguiu encontrar uma resposta exata.
— Já faz alguns anos, eu acho.
— Eu soube da sua mãe, sinto muito…
— É… eu também.
O silêncio invadiu agressivamente a conversa a dois.
Agatha não era o tipo de amiga que ele costumava a contar segredos e sonhos, mesmo que durante o tempo de escola eles só tivessem a companhia um do outro.
— Eu ainda o uso… — disse ela segurando um pingente que estava em seu pescoço.
Colin a havia dado de presente de maneira despretensiosa um dia antes de Agatha se mudar da cidade.
Aquela foi a última vez que haviam se visto.
Colin a olhou encarando o pingente.
— Ainda continua bem em você.
Novamente silêncio.
— Soube que você ia se casar — ela comentou tão baixo que mal deu para ouvir.
— É, eu ia, mas não deu certo.
Encarando os olhos vazios de Colin, Agatha engoliu em seco. Os olhos de seu amigo estavam diferentes, mais frios que o normal.
Fazia tempo que eles não se viam, sequer se falavam por redes sociais, e ela sentiu haver algo de errado com o amigo.
— Colin... tá tudo bem?
Ele a encarou de soslaio e sorriu.
— Sempre se preocupando comigo, você não muda mesmo.
— É que você parece… diferente…
Ele fez que sim com a cabeça.
— O que tem feito depois do colégio? — ele perguntou.
Agatha olhou para o vazio, meneou a cabeça e deu de ombros.
— Nada de mais, entrei na universidade, mas está atualmente fechada por causa da onda pandêmica, mas em breve me formarei.
— Que bom! — Colin olhou para o anel na mão direita dela. — Um anel de noivado?
— Ah, isso? — Agatha sorria enquanto acariciava o anel. — Ele é um homem incrível, acho que vocês iam se dar bem.
— Tenho certeza que sim.
O celular de Agatha tocou dentro de sua bolsa e ela rapidamente o atendeu.
— Querido, já estou chegando — disse ela ao celular. — Acabei encontrando um amigo de colégio e paramos para conversar, logo estarei em casa… também te amo.
Ela devolveu o celular à bolsa e se ergueu.
— Colin, eu tenho que ir.
Ele abanou as mãos.
— Tudo bem, dê um abraço em seu noivo por mim.
Ela o encarou novamente e franziu os lábios.
— Tem certeza que está tudo bem?
— Está tudo bem, é sério.
— Não quer o meu número? Você poderia ir jantar comigo e meu noivo qualquer dia desses…
Colin fez que não com a cabeça.
— Vá viver sua vida, você não precisa de mim.
A chuva começou novamente.
Colin se ergueu e ofereceu seu guarda-chuva.
— Pega, ou vai pegar um resfriado, quem sabe coisa pior.
— E você vai ficar na chuva?
— Considere um presente antecipado de casamento. Não é lá grande coisa, mas garanto que é de uma qualidade invejável. É melhor não subestimar as promoções bizarras de lojas de conveniência.
No fundo, Agatha sentiu que Colin ainda era o mesmo de sempre. Ela apenas sorriu e pegou o guarda-chuva.
— Tem certeza que vai ficar tudo bem?
— Caramba! Agatha, essa sua preocupação é irritante, sabia?
— Hum… — grunhiu desviando o olhar.
Com o indicador, Colin tocou na testa dela.
— A gente se vê, Agatha.
Colin virou-se e desceu a touca do moletom até os olhos.
— Até mais… — murmurou ela o observando se afastar.
Num estalo, Colin se viu coagido a tomar uma atitude que ele ponderava há muito tempo. Seus pensamentos não estavam mais confusos, e pela primeira vez ele teve exatamente a certeza do que fazer.
Ao dobrar a esquina, ele avançou pelo cruzamento deserto dirigindo-se até a beirada da ponte. Subiu no corrimão e deu uma bela encarada lá para baixo.
A queda era alta demais, e não havia margem próxima. Colin já teve bastante folego quando frequentava o colégio, participando de dezenas de atividades físicas, mas isso era apenas uma sombra do que ele já foi.
No seu estado atual, certamente ele morreria de fadiga só de tentar alcançar a margem.
Abrindo os braços, Colin sentiu um açoitar leve da brisa. Olhou o horizonte e viu um lindo pôr do sol. Decidiu que essa seria sua última visão, então ele fechou os olhos, retirou sua máscara e deixou que o vento a levasse.
Colin sentia-se como um peso morto, uma mancha na sociedade.
Depois de tudo que havia passado, ele havia se tornado um fardo para si mesmo e para os outros.
Cada dia era uma batalha árdua, cheia de lutas internas. Ele se sentia como um parasita, sugando a energia e os recursos dos outros sem oferecer nada em troca.
Não havia espaço para parasitas no sistema chamado sociedade. Colin sabia disso, e essa era uma das razões pelas quais se sentia tão desesperado.
Com o tempo ele se agarrou às coisas pequenas, aos pequenos prazeres que ainda eram capazes de trazer um pouco de alegria e conforto para seu coração partido. Mas, no fundo, ele sabia que precisava encontrar um propósito maior, algo que lhe desse uma razão para viver e lutar, mas ele estava cansado de buscar algo assim, só queria que tudo terminasse.
Ele fechou os olhos e deixou seu corpo cair no lago.
Splash!
Enquanto se afundava naquele lago profundo, várias coisas passaram por sua cabeça. Lembrou-se da mãe, ex-noiva, Agatha e seus amigos virtuais.
De repente, como um soco vindo de surpresa, se lembrou da última conversa que teve com sua mãe.
Ela estava deitada na cama de hospital e estava bastante magra. Seu cabelo estava raspado e seus olhos marejados. Os médicos haviam lhe dito que ela não tinha mais do que algumas semanas de vida.
Colin estava sentado na cadeira ao lado cochilando.
Ele se incomodou com a luz do quarto e abriu lentamente seus olhos, encarando sua mãe naquele estado deplorável. Colin mal conseguiu conter o choro, mas ele levava também a principal lição que seu pai lhe ensinara.
“Se você demonstrar fraqueza, por menor que seja o mundo vai te engolir. Não se iluda, Colin, vão dizer que não, mas o mundo odeia homens fracos.”
Sua mãe tossiu e Colin ergueu-se num salto. Ele aproximou-se da mãe enquanto gritava por um médico.
— Tudo bem, querido — disse ela com a voz rouca encarando o rosto do filho. — Andou brigando de novo?
— Ah, isso... eu... caí.
Ela sabia que era mentira, mas não se importou.
— Os médicos disseram que não tenho muito tempo, então é melhor termos essa conversa logo.
— Espera, mãe, é melhor ficar em silêncio, para conservar energia…
— Não, Colin, me escute, sei que posso não ter sido uma boa mãe e sempre fui meio ausente por causa da doença. Seu pai é um pouco duro com você, mas…
— Você e o pai foram os melhores! — disse enquanto segurava uma das mãos da mãe.
A mãe de Colin sorriu e ergueu o braço cheio de tubos e tocou o rosto do filho que fazia de tudo para não desabar em lágrimas.
— Meu filho… eu queria tanto que tivéssemos mais tempo, eu tinha tanta coisa para contar, mas tudo bem… só saiba que você é mais especial do que imagina, então só dê tempo ao tempo. Não viva rápido demais se preocupando com tudo, sempre existirá um amanhã, outra chance de fazer as coisas melhores, outra chance para recomeçar. Foi assim comigo e com seu pai, a gente teve que recomeçar do zero duas vezes, mas a gente não desistiu e eu tive você, o meu maior tesouro.
Colin beijou a mão de sua mãe e fez que sim com a cabeça.
Sua mãe continuou.
— Tudo que seu pai e eu desejávamos, é que você estivesse satisfeito consigo mesmo. Espero que daqui a alguns anos você se torne alguém que você vá se orgulhar, afinal, você tem meu sangue e o sangue de seu pai… você está destinado à grandeza.
Como se fosse acordado por um bofete no rosto, Colin abriu os olhos e se viu afogando em um lago escuro enquanto bolhas de ar escapavam por seus lábios.
Desesperado, ele tentou emergir, mas pareceu que algo estava o puxando para baixo.
Ele não entendeu este misto de sentimentos, talvez não quisesse contrariar o último desejo de seus pais, ou talvez sua vontade de viver fosse algo que nem ele mesmo pudesse controlar.
Mas nada disso adiantava no momento. Seus pensamentos estavam se perdendo, e sua vontade desesperada, quase instintiva de se agarrar a vida, estava lhe sendo inútil.
Ele estava morrendo.
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