A mente de Colin afogava-se em um vazio úmido e gelado.
Suas forças haviam se esvaído e, pouco a pouco, seu corpo começava a relaxar como se estivesse a ponto de pegar no sono.
Sentindo que logo perderia a consciência, ele abruptamente abriu os olhos ao se recordar do rosto da mãe mais uma vez, enxergando uma luz bem acima dele.
Bolhas saíram pela sua boca e, em uma ação desesperada, nadou novamente para a superfície girando os braços com toda força que lhe restava.
Após lutar desesperado para continuar vivo, Colin alcançou a borda feita de tijolos de barro e saiu de dentro de um pequeno poço, tossindo demasiadamente.
Cof! Cof! Cof!
Exausto, Colin atirou-se no chão e sentiu o granito gélido debaixo dele.
Cuspiu toda água que estava em seus pulmões e tentou se recompor.
Sua mente estava dispersa, vagava por memórias embaralhadas enquanto ele tentava se lembrar do que havia acontecido.
Erguendo a cabeça, ele olhou ao redor e viu apenas castiçais iluminando com luz baixa uma espécie de cripta. Havia caixões feitos de mármore suspensos em prateleiras de granito a vários metros do chão.
O lugar todo era enfeitado por estátuas que simbolizavam seres angelicais e demoníacos.
O teto era oval e completamente enegrecido. Dele, caía um volume considerável de poeira. As paredes tremiam em impactos cadenciados que vinham de fora da cripta.
Bam! Bam! Bam!
Ele olhou para os dois lados tentando encontrar uma saída.
Colin grunhiu ao sentir uma pontada na cabeça.
Ele ouviu as botas de aço próximo a uma escada localizada no fundo, e rapidamente se arrastou tentando esconder-se atrás de uma pilastra de concreto.
Sorrateiro, Colin inclinou a cabeça para observar quem estava se aproximando. Seus olhos cruzaram com soldados altos portando armaduras prateadas.
— Andem logo, peguem tudo de valor!
Com tochas em punho, alguns soldados foram para perto de alguns baús ornamentados que estavam próximos à entrada. Desembainharam suas espadas e golpearam os cadeados, abrindo os baús.
No interior dos baús havia peças de ouro, além de instrumentos religiosos de valor inestimável.
— Esses Elfos filhos da puta! — disse um dos soldados segurando uma moeda de ouro. — Quantos humanos eles mataram para conseguir tudo isso?
— Não saia tocando nessas coisas dessa forma! — alertou outro soldado. — Elfos são bons em fazer armadilhas.
Colin olhou ao redor e fixou os olhos em um candelabro de ferro sujo de cera derretida. Ele se esgueirou até apanhá-lo em silêncio.
“Será que é um sonho? Não! Sinto frio, meus dedos estão congelando e esse cheiro de incenso está me incomodando. Certeza que não é um sonho.”
Ele se abaixou e caminhou sorrateiramente na penumbra como um ladrão tácito até ficar próximo às escadas. Os soldados foram para o fim da cripta e urraram algo enquanto apontavam para o poço.
Somente um deles ficou na entrada a vigiando.
— Achei você! — Colin olhou para o lado assustado.
Um dos soldados estava bem próximo dele, mas aquilo não foi com ele, e sim com outra pessoa.
— Sai daí, vadia!
O soldado puxou uma Elfa para fora de um baú.
Assim que ela caiu no chão frio foi recebida com um murro no rosto.
Bam!
Alguns de seus dentes foram arrancados com aquele golpe.
— Po-Por favor, pi-piedade!
O soldado abriu um sorriso de orelha a orelha e retirou uma adaga da cinta.
— Adeus, puta de orelhas pontudas!
Ele segurou o cabelo dela e passou a adaga em sua garganta.
A Elfa engasgou com o próprio sangue e se debateu, até finalmente ficar quieta.
O soldado escarrou e cuspiu no corpo dela.
Puf!
— Elfa de merda! — disse ele retirando-se para os fundos.
Colin testemunhou um assassinato pela primeira vez, mas ele não se sentiu enjoado. Dentro da sua cabeça só existia a ideia de fugir para sobreviver. Depois disso feito, ele pensaria em que lugar estava e no que faria dali para frente.
Com paciência, Colin saiu da penumbra e foi em silêncio para perto do soldado na entrada.
Segurou o candelabro o mais forte que conseguiu. Criou uma coragem que nem mesmo achou ter e golpeou o soldado distraído bem na cabeça.
Bam!
O candelabro quebrou e, antes do soldado cair de cara no chão, Colin o puxou para perto agarrando seus longos cabelos.
O soldado era pesado, mas Colin se esforçou para colocá-lo gentilmente no chão. Uma ferida havia sido aberta na cabeça daquele homem, mas Colin não se importou se o soldado atingido viveria ou morreria.
Apressado, tateou os bolsos do soldado e apanhou uma adaga ensanguentada.
“Foi mal aí, mas era eu ou você.”
Notando que os soldados estavam se aproximando, Colin subiu apressado as escadas deparando-se com um cenário desolador. Soldados matavam a sangue-frio alguns habitantes que se pareciam com Elfos, saqueavam casas e arrastavam mulheres pelos cabelos até becos escuros.
Mas foi a bola de fogo que chamou sua atenção, caindo do céu em meio às casas próximas, causando uma explosão ensurdecedora e abalando o chão sob seus pés. Colin viu destroços voando para todos os lados e a vila ser engolida pelas chamas, deixando apenas destruição e morte em seu rastro.
Kaboom!
Corpos queimavam em uma enorme pira no meio da praça, e logo atrás mais Elfos eram decapitados.
Os gritos, o barulho de fogo criptandro, os berros de crianças, eram coisas pavorosas se vistas e ouvidas em conjunto.
— Um Elfo Negro?! — bradou uma voz atrás dele.
Colin se virou, encarando um homem alto e corpulento de aparência nada agradável. Suas mãos eram enormes e seus dedos eram gordos.
Naquelas mãos, ele segurava um machado de cabo longo.
“Merda! Me viram! Espera, Elfo? Eu?”
— O que um Elfo Negro faz nessa parte do continente? — perguntou o soldado recuando um passo.
— Elfo Negro? Espere, eu não sou-
Vush!
Num salto, Colin desviou do machado que passou raspando em seu tórax. Sua camisa rasgou e por sorte ele não se feriu.
Ele teria sido partido ao meio se não fosse por seu reflexo invejável de momento.
“Essa passou perto!”
Aquele homem alto de braços largos girou o machado e tentou acertar Colin de cima para baixo em um movimento rápido e preciso. Colin conseguiu girar para o lado rapidamente e o machado se chocou com tudo nos ladrilhos, fazendo uma pequena cicatriz naquele chão rígido.
Ting!
“Ele é mesmo rápido para alguém do porte dele, mas não é só isso, eu também estou diferente. Meu corpo está mais ágil e eu me sinto bem. Será que sou páreo para ele?”
De imediato, Colin apanhou a adaga que havia roubado e apertou seu cabo enquanto observava seu oponente.
Os dois cruzaram olhares e era nítido que o soldado estava tenso.
Colin girou a adaga e partiu para cima do brutamontes.
Girando o machado, o soldado tentou cortar a cabeça de Colin, mas ele se abaixou, deslizando nos ladrilhos como uma serpente até alcançar o calcanhar direito do soldado, só então conseguindo cortar o tendão do oponente em um movimento rápido e certeiro.
Slash!
Girando o machado novamente, o brutamontes tentou atingir Colin, mas sentiu a força na perna direita se esvair.
Foi quando ele veio ao chão com tudo.
O machado caiu bem ao seu lado e ele ergueu a cabeça, observando Colin aproximar-se lentamente.
— É melhor ficar no chão! — disse Colin se agachando para apanhar o cabo do machado.
O machado fedia a sangue e era pesado.
Com o joelho, Colin quebrou o cabo e o atirou longe. Encarou aquele homem morrendo de dor e deu as costas fugindo para a floresta o mais rápido possível.
A lua era sua única companheira e, o som de carne sendo rasgada ficava em seus ouvidos, quase como se estivessem impregnados ali.
Por um segundo, Colin tentou cogitar do que se tratava aquilo, do porquê e como ele havia parado naquele mundo.
Cogitou a possibilidade de ser um universo paralelo que só é acessado no post mortem. Essa era a conclusão mais plausível que ele conseguia imaginar, afinal, haviam diversas teorias, mas ninguém de fato sabe o que acontece depois da morte.
A mata estava escura, imersa no mais absoluto breu.
Mal se via um palmo a frente.
Correndo com os braços ante ao rosto para se proteger dos galhos finos, Colin tropeçou em uma raiz grossa e rolou barranco a baixo até parar próximo a um rio de água cristalina.
A lua era refletida perfeitamente naquele riacho.
Colin se levantou o mais rápido que conseguiu, mas sentiu uma pancada forte nas costas.
Bam!
Rolou em meio às pedras da margem e ao olhar para trás avistou soldados com a mesma armadura prateada de antes.
Ao fitarem Colin deitado de costas no chão, os homens sacaram suas espadas e ficaram apreensivos.
— O que um Elfo Negro está fazendo aqui? — perguntou um deles quase se borrando de medo. Sua espada tremelicava em suas mãos e seu olhar exalava desespero.
— Espere! — disse Colin erguendo uma das mãos. — Eu não sou um Elfo Negro, eu-
Um dos homens o atingiu brutalmente no rosto com um pontapé.
Bam!
Desesperado, Colin tentou se erguer, mas foi atingido no estômago por outro pontapé e logo em seguida foi atingido no rosto mais algumas vezes até não conseguir mais se mover.
Arfando, os soldados o encaravam com desprezo enquanto acalmavam-se pouco a pouco.
— Ele não é um Elfo Negro, é só Meio Elfo. — disse um dos homens cuspindo no rosto de Colin.
Seu companheiro desembainhou a espada e a ergueu no alto.
— Por que a gente só não mata essa aberração?
— Ficou louco? — disse seu companheiro apoiando a mão em seu pulso. — Elfos Negros valem uma fortuna no submundo. Vamos levá-lo conosco!
— É! Você tem razão! — disse o outro abaixando a espada.
Agachando, um dos homens ergueu Colin pelos cabelos e o colocou em seu ombro.
— Tem certeza que está tudo bem o levar assim?
— Não tem problema, você sente alguma magia vindo dele?
Seu companheiro fez que não com a cabeça e apoiou a mão no queixo observando Colin todo arrebentado.
— Ele pode saber reprimir sua mana como os outros magos da capital.
— Vai ver ele é só fraco mesmo. Vamos, eles já devem ter terminado com aquela vila.
Vendo somente a grama e os pés do homem que o levava nos ombros, Colin sentiu-se frustrado.
Ele não conseguiu pensar em nada, nenhum plano de escapatória.
Estava exausto e com bastante sono, mas se forçava a manter-se consciente.
Os sons de choro e o cheiro de sangue o causavam náuseas.
Se seu estômago estivesse cheio, ele certamente já teria regurgitado.
“Essa não é uma daquelas horas que você acorda de um pesadelo?”
Eles Subiram o barranco e deixaram a mata densa indo até uma jaula de prisioneiros onde estavam crianças e mulheres em sua maioria.
Os soldados destrancaram a jaula e atiraram Colin brutalmente para dentro.
Com as costas no chão gélido, Colin apenas conseguiu ver um cometa cruzar aquele deslumbrante céu estrelado pelas frestas vazadas da jaula antes de desmaiar.
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