O dia amanheceu corrido, fui fazer compras enquanto meu pai tentava manter a casa o mais limpo possível. Apesar dos meus pais terem se separado, meu pai ainda mantém os antigos hábitos de sua era matrimonial e dentre esse hábitos é fazer com que mamãe não perceba que a casa não foi limpada por um longo período de tempo - quando digo longo, são meses sem dar uma geral - e um outro hábito que particularmente amo é o banquete preparado com sobremesas deliciosas, me empanturrar e de manhã me arrepender de ter comido mais do que deveria.
— Pai corre aqui! — falo alto pedindo ajuda com as compras, mas os segundos se passam e não escuto a corrida pesada e apressada para me ajudar — PAI EU QUEBREI SEU TELESCÓPIO NOVO! — em uma fração de segundos os passos pesados surgem tropeçando em tudo que é canto —
Coloco algumas sacolas no chão tentando não derrubar a caixa com os ovos e frascos de vidro, meu pai surge todo vermelho tentando recuperar seu fôlego.
— Você não quebrou o telescópio, não sei se agradeço por isso ou brigo contigo — ele pega a caixa a levando para a cozinha —
— É tão lindo um pai se preocupar mais com a filha do que com um telescópio — debocho —
Pego as sacolas do chão e as levo à cozinha. A casa está menos limpa do que deixamos sempre, estranho.
— A sua filha teve que carregar sozinha esse monte de coisa e o querido pai dela só veio socorrer por achar que um telescópio foi quebrado, cadê o amor paterno?
Meu pai se aproxima beijando minha testa.
— Minha querida filha é forte e o telescópio me custou quase dez mil, enquanto a minha filha amada foi feita grátis — ele sai me deixando perplexa —
Coloco as malas de mamãe em meu quarto, pela quantidade de malas me parece que ela ficará por essa semana antes de efetuar mais um voo. Minha mãe entra no quarto com sua última mala.
— Querida, me desculpa por te fazer carregar tantas malas — ela põe sua última mala com dificuldade — seu pai não aguentaria trazer essas malas sem quebrar a coluna no meio, a velhice chegou para nós.
— Você e o pai acham que tenho super força? Cadê o tratamento de princesa que me foi prometido ao nascer?
— Está na mala roxa, diretamente da Itália.
Abro a mala roxa cheia de roupas, encontro um pacote cheio de perfumes e cosméticos para a pele.
— Era disso que eu precisava, obrigada mamãe — a abraço — senti saudades.
— Eu também, querida.
O jantar foi calmo, mas senti meus pais apreensivos como se tivessem brigado ou algo semelhante a isso, talvez eles revelassem um namoro.
— O que está acontecendo? A mamãe quebrou uma vassoura em sua cabeça, pai? Ela descobriu que a gente não limpava a casa?
Mamãe olha meu pai incrédula do que eu havia exposto.
— Matheus você não limpou a casa durante quanto tempo?
— Obrigada minha querida filha por revelar o nosso segredo.
— Matheus — mamãe engrossa a voz revelando estar brava —
— Você sabe que não paro em casa, sou um geólogo e físico. Não tenho tempo para ficar tirando pó dos móveis e a Olive precisa estudar, sair com os amigos. Somos pessoas ocupadas.
Meu pai leva um beliscão.
— Não seja o mal exemplo para a nossa filha, como vamos deixar ela morar sozinha se não souber deixar a própria casa em ordem? Posso acabar visitando ela e morrer sufocada pela poeira acumulada entre os móveis e sob os móveis!
— Mamãe, meu quarto está limpo.
— Vai morar em uma casa de um quarto?
— Não, mas eu pretendo morar em um apartamento não muito grande, o suficiente para abrigar eu e meus sete gatos.
— Viu meu bem? Olive ficará bem no futuro.
Mamãe suspirou desistindo de discutir.
— Vocês dois sempre conseguem me vencer pelo cansaço — ela esfrega as têmporas —
— É a velhice chegando.
Meu pai se engasga com o suco de uva o fazendo sair por suas narinas.
— Olive! — mamãe me repreende —
— Você disse que tô ficando velho?
— A idade chega para todos querido, é normal eu me cansar de discutir — ela da um gole em seu suco de uva — também me incluo na velhice — ela sorri e meu pai retribui o sorriso, esses dois apaixonados —
Esses dois, como o casal perfeito continua perfeito mesmo após se divorciarem?
— Vão querer me falar o que está acontecendo?
Apesar de terem conseguido disfarçar que estavam apreensivos, não foi o suficiente para me enganar.
— Querida — meu pai estende sua mão direita e eu a pego — sei que gosta daqui, é sua primeira vez em anos a ficar tanto tempo em uma cidade — não, por favor não começa — eu sinto muito mesmo por ter que te falar isso mais uma vez — não quero escutar, já sei o que ele irá falar —
Solto a minha mão da dele.
— De novo não pai — sinto meus olhos começarem a arder, não quero chorar de novo, meus olhos continuam inchados por causa e ontem —
— Eu sinto muito querida, não queria te fazer passar por isso de novo.
— Mamãe, por favor fala para o pai não falar isso que não quero escutar.
— Filha, escute o seu pai — ela se levanta e vem me abraçar, sinto as minhas mãos começarem a tremer —
— Recebi uma proposta de emprego, me chamaram para fazer algumas pesquisas e precisam de mim para que dê certo — não precisam — semana que vem iremos nos mudar, precisa fazer as malas.
Foi a gota d’água, meus olhos se tornaram uma nascente de rio, despejando mais e mais lágrimas, escorrendo por minhas bochechas inundando a pele do meu rosto.
Sinto minha mãe me apertar em seu abraço tentando me confortar, eu teria mais um recomeço.
— Eu sinto muito querida — ela fala baixo em meu ouvido —
— Dessa vez a visita da sua mãe é para ajudar a empacotar tudo, avisei a sua escola no começo do mês e sei que será difícil pra você deixar tudo para trás — ele engole sua saliva com dificuldade. Ele já sabia desde o começo do mês e não me contou, fez tudo às escondidas como sempre faz — seu namorado e seus amigos, pela primeira vez vi você se relacionando mais com as pessoas e me corta o coração em ter que desfazer tudo isso.
Tento controlar meus tremores nas mãos, regular a minha respiração e me manter sob controle. Não tenho mais um namorado, e sempre considerei as amizades como colegas, é só mais uma vez em minha vida. Mais uma mudança, não é novidade. Preciso retirar do fundo os efeitos do chá de camomila para não surtar.
— Para onde vamos? — falo com a voz falhando —
— Assim — ele respira fundo — dessa vez vamos para um lugar que você já conhece, viveu por muitos anos e que deve ter alguns amigos de infância que podem se recordar de você.
Ah pai, você não fez isso. Voltar para meu lugar de origem, o início de tudo. Minha terra natal.
— Vamos supor que eu fuja de casa só para não voltar para lá, o fbi iria me perseguir?
— Sim! — meus pais dizem em uníssom —
Não demorou muito deste que me deitei para sentir o colchão ao meu lado se afundar, me viro para olhar mamãe.
— Oi querida — ela me envolve em um abraço —
— Oi mamãe — me aconchego em seu aperto —
— Quer me contar como estão indo as coisas?
— Ruins.
— Você vai gostar dessa mudança.
— Não estou me referindo a mudança.
— O que houve?
— Jake gosta de outra pessoa.
— Jake? Seu namorado?
— É…saímos ontem e percebi que ele não saía do celular, terminamos e a tarde ele veio aqui em casa para dizer que gostava de mim, mas não do mesmo jeito que antes.
— Oh meu bem, você vai superar isso. Romances de adolescência quase sempre acabam.
— Eu sei.
Meus pais são um exemplo, o casal que namorou na adolescência, casou e construiu uma família. Eles não terminaram juntos no final.
— Mãe?
— Sim querida?
— Por que você casou com o pai?
Ela fica em silêncio como se estivesse pensando em algum motivo plausível para ter se casado.
— Ele sempre me fazia desistir de discutir, eu achava que desse jeito nunca brigaríamos e poderíamos ficar juntos para sempre.
— Seu gosto é peculiar mãe.
— Parando para pensar, a minha eu do passado não era muito inteligente.
— Ela só seguiu o coração.
— É…não me arrependo de ter seguido o coração.
— Apesar de tudo? — questiono —
— Apesar de tudo.
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