Quando recuperei a consciência, ainda bastante atônito e sentindo os efeitos da agressão. Me vi sentado em um dos bancos do que aparenta ser da estação San Juan, com a minha caixa no meu colo, meio bem desgastada. Senti um alívio por tocar no bolso de minha jaqueta e perceber que o meu companheiro musical estava lá, por provavelmente o Lock ter devolvido após me tirar do trem. Falando nele, o mascarado estava em pé meu lado, percebi que estava conversando em seu smartwatch de forma inaudível, ele virou de frente para mim e rapidamente desligou a chamada.
- Kelsey, você acordou! Temos que sair daqui de pressa. - Lock me disse, parecendo bastante preocupado, botou a caixa de volta na minha cabeça e já me carregando pelo os seus ombros. As outras pessoas e zkhayans olhavam assustadas e curiosas com o que ouvera. Embora quisesse recusar, meus ferimentos falavam por si só. Aceitei a ajuda de Lock e permiti que ele me carregasse em seus ombros para sair daquele lugar. Olhei o local com clareza quando virei a cabeça e percebi que estava... Bastante destruído? Tentei perguntar ao mascarado o que aconteceu mas ele ignorou e continuou andando enquanto me carrega. A dor em meu corpo era excruciante, e eu me sentia extremamente fraco, eram exatamente os mesmos sintomas que eu havia sentido da última vez que liberei a Reminiscência, claro, dessa vez está piorada até porque levei um "sacode" gratuito. Em um ponto da rua principal, o mascarado parou por um breve momento, olhou em seu dispositivo no pulso, parecia fazer uma contagem, até que um carro automático se aproximou rapidamente. Em questão de segundos abriu a porta e jogando-me bruscamente para dentro do veículo, entrando em seguida e se acomodando no banco do motorista, assumindo o controle naquele momento.
- Lock?! Que bipolaridade é essa? - Sem dizer nada, o mascarado deu partida no carro.
- Olá, Blackstar, meu nome verdadeiro é Lohan Von Zeppelin. Vielleicht kennst du mich schon, você já deve me conhecer. - ele disse em um tom sério e retirando sua máscara e capuz, revelando seu rosto sardento e com barba por fazer, olhos cansados que escalavam um azul céu à um azul-esverdeado, seus cabelos ruivos descuidados pairavam sobre o seu rosto completamente familiar, se tratava de uma figura pública. Um ex-piloto que um dia foi famoso na... VON VOYAGE? Meus olhos se arregalaram de surpresa ao reconhecê-lo, ele parecia bastante abatido, diferente desde a última vez que apareceu nas mídias antes de sumir por uns anos, achei que ele tivesse se mudado para outro planeta ou algo do tipo.
- O QUÊ?! Mas por quê? Ahhh... Tu é aquele o filho almofadinha do Sr. Zeppelin? O CAÇULA DO CARA DA VON VOYAGE! - minha voz saiu indignada, com um misto de emoções que eu não podia nem descrever no momento. A surpresa foi tão grande que, até mesmo, ignorei minha dor de ter sido jogado igual saco de batatas dentro do veículo. Porém, Lohan me encarou seriamente. Era difícil acreditar que o filho do magnata alemão da Von Voyage Company estava ali, me levando sabe-se lá pra onde, ou porquê, mas espero que seja para ver os robôs com passe VIP.
- Hmph, mais respeito, Remini Blackstar! Meu pai tem procurada por você HÁ ANOS. Eu ser a responsável por levá-la para a base da Von Voyage dos EUA. Desculpe por toda a confusão, mas eu precisava capturá-la. - Lohan explicou com firmeza. - Você vai substituir WIRES do seu posto no Voyageur.
Após esse anúncio, o silêncio pairou por alguns momentos, enquanto eu tentava processar todas as informações que Lohan havia compartilhado comigo. As ruas passavam rapidamente do lado de fora, mas minha mente estava mergulhada em uma turbulência de pensamentos, cheia de perguntas e desconfianças sobre o sardento da Voyage e suas intenções. Mas, ao mesmo tempo, uma ponta de excitação surgiu em meu peito. A possibilidade de pilotar um Voyageur, algo que sempre fora meu sonho, estava ali na minha frente. Mas assim, do nada?
- Ah... Ok. Nossa, então vou pilotar um Voyageur?! Era meu sonho de moleque! Que legal, vou ser o segundo piloto Remini, rapaz. Mas deixa eu te contar uma coisa...? eu não vou muito com a cara do piloto Wires, não... O cara só serve pra fazer fanservice posando com orelhas de gatinho pra fanbase de meninas sem figura paterna - exclamei, tentando disfarçar minha ansiedade com um pouco de humor. Lohan novamente me encarou sério, e seu olhar heterocromático penetrou a fundo em minha alma dessa vez, deixando-me o mais sem graça possível. Parecia que isso o ofendeu mais do que chamá-lo de "almofadinha".
Enquanto eu estava calado, tentei processar todas as informações que acabara de presenciar. Ainda me sentia confuso e minha costela provavelmente estava quebrada. Dessa vez olhei para o ruivo com desconfiança.
- Então Você... você pagou alguém para me espancar, não foi?! - questionei, sentindo uma pitada de raiva.
- Ya, eu paguei. E paguei ainda mais barato para a bobalhão que revelou a localização da Estrela Negra no Txitter - o ruivo respondeu em um tom como se não fosse nada demais, aparentemente tranquilo com suas ações.
- Txitter?? QUEM FOI? Por favor, me diga! - pedi, receoso para saber quem teria sido capaz de trair minha confiança dessa forma.
- Hum... Não lembro, acho que era uma zkhayan chamado GZHRY. Compreensível, só mesmo um alienígena pra querer usar o nome real num lugar desses. - Lohan ri com uma pontinha de ironia. A revelação me abalou profundamente, eu sabia que algo de errado estava passando com o Gzhry, mas não desconfiava que ele quebraria minha confiança dessa forma... a gente só tinha 5 semanas de amizade, de qualquer forma. O ruivo não parecia nem um pouco afetado por isso. Ao contrário, em seu semblante cansado, dava de se notar uma certa satisfação em suas ações. - Estamos indo para a base em Nevada. Lá há muito que você precisar saber, Blackstar - Lohan disse, querendo mudar o assunto.
- Espero que pelo menos tratem os meus ferimentos...- respondi, sentindo-me cada vez mais preso numa trama complexa e perigosa, porém, super interessante.
De algo que duraria três horas, agora são oito longas horas de viagem de carro até Nevada, ou pelo menos foi o que Lohan estipulou. Se fosse uma ocasião minimamente normal, eu teria lhe pedido autógrafos, fotos e fazer inveja para o Gzhry... faria qualquer coisa para aproveitar o momento com um ex-piloto, se o meu corpo e mente não estivessem oscilando entre a ansiedade e o desconforto de algo que ele ocasionou. Pensando tanto nos "E se", sentado no banco do passageiro, deixei minha caixa em meu colo, minha mente não para de girar em torno das circunstâncias estranhas que me trouxeram até aqui. Ao meu lado, o Zeppelin, parece concentrado na estrada, já deixado de lado a sua jaqueta, às vezes mexendo em seus dispositivos de comunicação ou cantarolando músicas, que coincidentemente estão na minha playlist. Mas minhas ligeiras observações sobre este figura, uma coisa aleatória que não entendi dele é como a máscara, que até pouco tempo atrás pertencia ao seu persona, coube em seu rosto de nariz pontudo.
Alguns tempos depois as paisagens desérticas passam pela janela, o ruivo permanece silencioso, agora focado em ler e escrever uns longos textos em seu idioma nativo, que eu creio que sejam relatórios. Ele ocasionalmente verifica as telas de controle do carro, ajustando alguma configuração ou verificando o mapa de navegação holográfico. O clima dentro do veículo é tenso, carregado com todas as minhas perguntas não ditas e a incerteza do que está por vir. Minha mente continuava a mil, revivendo os eventos das últimas horas e tentando processar a informação que Lohan compartilhou comigo. Eu tento relaxar ouvindo alguma música em meu iPod, que por sorte, não quebrou nas duas vezes que fui jogado bruscamente. Minhas mãos estão inquietas, brincando com a barra da minha jaqueta ou batendo nervosamente em minhas bochechas.
– Interessante. É uma velharia e tanto. – comentou Lohan, curiosamente observando os meus gestos. – Blackstar, agora me diga, por que não usou seus habilidades na Edgyar antes e evitar ser surrada?
Eu virei o olhar para a estrada, incerto de como responder. A pergunta era pertinente, afinal, eu poderia ter usado minha Reminiscência para me proteger naquela situação. Mas a verdade era que eu não tenho nenhum controle sobre ela, não da forma como gostaria.
– Eu... Eu não sei controlar isso, ela age por conta própria em situações específicas... – As palavras saíram de mim com um misto de frustração e vulnerabilidade. Era difícil admitir que algo tão poderoso estava além do meu controle.
– Por favor, me diga quais! Isso irá fazer diferença em sua ficha na Von Voyage. – falou o ruivo acionando novamente o piloto automático e agora se virando para mim ao seu lado. O olhar fixo de Lohan sobre mim me deixava desconfortável. Era como se ele pudesse ler meus pensamentos. Eu senti um impulso de falar, de abrir a minha mente para ele, mas algo me segurava. Falei meio de lado, um tanto nervoso pela minha própria confissão. Eu sabia que estava revelando mais do que deveria, mas a presença naquele momento me dera tanto calafrios que me instigava a querer falar tudo a ele. Coloquei a caixa de volta na minha cabeça, procurando me concentrar e não mostrar o quão vulnerável eu me sentia naquele momento.
– Ele geralmente aparece nos meus sonhos desde quando eu era criança, me perseguia até que encontrei uma forma de afastá-lo, justamente ao ouvir músicas antigas enquanto durmo isso começou a parar. É, dá pra ver né? Eu não tenho uma boa relação com a reminiscência. - Lohan parecia intrigado, mas também um pouco cético. Ele queria mais informações, queria entender tudo sobre essa habilidade e como ela funcionava.
- E quais são as "situações específicas" que você citou? - parecia ainda mais não convencido de minha resposta. A pergunta dele me deixou tenso novamente. Eu sabia que estava chegando a um ponto crucial da conversa, onde eu teria que revelar algo que eu preferia manter só pra mim.
- Eu sinceramente nunca havia o visto tão de perto antes, eu me apagava antes de captar a sua presença por completo. - Eu fui honesto, mas Lohan não estava satisfeito. Ele ergueu a caixa da minha cabeça, seus olhos analisando minha expressão. Uma sensação de desconforto percorreu minha espinha enquanto eu evitava o olhar intenso dele. - A primeira vez que reportaram a aparição dele foi quando eu estava no primário... Ah cara, eu não me sinto confortável em falar. - Minhas palavras eram carregadas de hesitação e ansiedade. Eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, eu teria que enfrentar meu passado, revelar a verdade sobre a minha conexão com minha Reminiscência. Lohan continuava me encarando, e eu podia sentir o peso daquela troca de olhares. Eu estava prestes a contar algo que apenas poucas pessoas sabiam, algo que eu preferia esquecer. Mas eu sabia que era necessário, especialmente se eu quisesse entender o que estava acontecendo comigo e o que a Von Voyage poderia oferecer.
- Tá ok, quer tanto saber disso? Sim, eu apanhei no primário. Sim, "aquilo" apareceu para me defender e não pegou leve com o bully. Eu não controlo isso, ele age de forma autônoma e aparece quando quer. Eu realmente não controlo. - Eu disse tudo de uma vez, como se quisesse me livrar daquelas palavras o mais rápido possível. O olhar de Lohan era intenso, mas havia algo nele que me fazia sentir como se ele entendesse, como se ele também tivesse seus próprios segredos sombrios.
- Entendível. - Sua resposta foi curta, mas havia algo em seu tom que me fez sentir que ele realmente compreendia. Talvez não totalmente, mas o suficiente para que eu me sentisse um pouco mais à vontade naquele momento de vulnerabilidade. - Precisamos fazer uma parada em breve para reabastecer e esticar as pernas. - Lohan, percebendo meu imenso desconforto, quebra o silêncio, trazendo-me de volta à realidade. - Quer algum salgado, Blackstar?
Assinto com a cabeça, agradecido pelo o mínimo de gentileza. Minhas costas estão rígidas de estar sentado por tanto tempo, e sinto minhas pernas a formigar. Paramos em um posto de combustível na beira da estrada, e Lohan desliga o carro e põe sua máscara de volta no rosto. Com um pouco de dificuldade, saio do carro e tento esticar um pouco os braços tentando sentir o mínimo de dor. Não faço a mínima ideia em qual lugar eu estou.
- Agora, Blackstar, antes que você se afaste, preciso que coloque isso. - Ele me estende um par de algemas especiais. Eu olho para ele com uma mistura de desconfiança e confusão.
- Hein? Pra quê isso?! - me afastando de Lohan.
- São algemas que neutralizam temporariamente seus habilidades Remini. Não quero correr o risco de você tentar escapar. - A tensão entre nós aumenta ainda mais com essa revelação. Eu engulo em seco, compreendendo que a desconfiança é mútua.
- Tudo bem. Claro. Como se eu pudesse controlar o "bichão" ou conseguir escapar de você na correria. - estendo os pulsos para ele colocar as algemas com um pouco de frustração, comecei a sentir um arrepio percorrer minha pele ao sentir ele fechá-las ao redor dos meus pulsos. Lohan, cuidadosamente, se afasta de mim.
- Ya, de qualquer forma, se você tentar se afastar por mais de 4 metros nas paradas, vai levar um choque desagradável. Não subestime essas algemas, garoto da California.
Eu aceno em concordância, percebendo que estou em uma posição vulnerável sem escolhas, acabei por desistir de ficar do lado de fora do carro e entrei para espera-lo. As outras paradas foram feitas com cautela, e eu me limitei a olhar pela janela por muito tempo, observando as pessoas ao redor dos postos e lojinhas de conveniência e imaginando o que elas pensariam se soubessem quem eu sou ou o que estou passando.
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