Tênis com dois nós? Pronto. Saia abaixo do joelho seguindo o padrão da escola? Confere. Papéis de transferência que devem ser dados na secretaria antes de ir para a sala dentro de uma pasta roxa? Isso não confere. A semana foi caótica, meu pai e eu limpamos a casa — a minha mãe com certeza não chamaria isso de limpeza — e tive uma crise alergia pesada, nunca havia cheirado tanto pó antes — não que eu já tenha cheirado algum pó antes — fui matriculada na escola graças aos contatos de meu pai, espero que não seja a mesma diretora do passado, não sei se aguentaria olhar na cara dela sem debochar ou dar um mata leão. Peguei a cópia da identidade e minha certidão de nascimento, confiro se está tudo completo e finalmente posso falar, papéis de transferência que devem ser dados na secretaria antes de ir para a sala dentro de uma pasta roxa? Confere.
Diferente da minha escola anterior em que o ano letivo se inicia em janeiro, a atual se inicia em abril, estou atrasada para o início, mas pelo menos não cheguei na metade dele, o que é relativamente bom, não vou ter que correr atrás de conteúdos extensos ou fazer provas imensas para conseguir ter notas e não precisar reprovar ou recomeçar o ano — de novo — essa foi a escola mais complicada de entrar, me mandaram atividades e provas onlines para medir meus conhecimentos e por fim darem o veredito se mereço ou não estudar na instituição.
A escola é enorme, recém pintada e como sei disso? A cor vívida brilhante das paredes e também por estar vindo um cheiro forte em minhas narinas, espero de verdade que a alergia não volte. Não me lembro de ver essa construção no passado, corredores longos que te levam para todos os prédios de aula e se você virar errado pode parar em Nárnia. Sigo o mapa em meu celular, conseguindo chegar até a secretaria. Dou duas batidas na porta e entro após escutar uma voz feminina me permitindo a entrada.
— Bom dia, sente se senhorita — diz uma mulher em meados dos quarenta anos, talvez um pouco menos — trouxe a documentação?
Entrego-lhe a pasta roxa.
A mulher olha todos os documentos conferindo se não faltava algo, ela fecha a pasta e estende sua mão direita.
— Seja bem vinda a escola Backhome — pego em sua mão concretizando o aperto, a solto em seguida —
— Obrigada por me aceitarem, não sabia que era tão complicado ingressar aqui.
— Mas não é complicado, é só se matricular.
— Não é não, eu fiz tantas provas que perdi as contas. Quase desisti.
A feição da mulher fica confusa e logo se suaviza como se tivesse se lembrado de algo.
— Ah sim, as provas eram para testar os seus conhecimentos e poder te matricular no último ano.
— Último ano? Mas eu estou no segundo ano.
— Vi as suas notas, você participou de muitos clubes e tem tudo para se formar ainda este ano, não faria sentido te deixar no segundo ano.
Sinto meu coração querer sair pela garganta, uma novidade que me faz ficar feliz ao ponto de querer sair gritando pelas ruas e compartilhar esse sentimento eufórico do momento.
— E-então — minha voz falha, pigarreio para que a minha voz volte ao normal — então eu oficialmente estou no meu último ano? Isso é fantástico! — dou uns pulinhos de alegria esquecendo-me de onde estava — ah, me perdoe pela exaltação.
— Não vejo problema, você está feliz e tudo graças ao seu esforço — ela se levanta — me acompanhe até a sua aula, a professora irá escolher algum aluno para te mostrar a escola.
Saímos da sala andando pelos corredores do labirinto, tenho certeza que me perderei por um longo período de tempo. Paramos em frente a uma sala, a mulher dá algumas batidas na porta e a abre revelando diversos alunos reunidos conversando, eles param e voltam para suas cadeiras rapidamente, todos nos observam entrar.
— Alunos, essa é Olive — ela dá um pequeno empurrão em minhas costas — a nossa colega de vocês, pelo que percebi está sem professora. Aula livre por uma hora, depois quero todos na sala de artes. Alguém por favor dá um tour pela escola com a Olive e a mostra as salas que o último ano utiliza — ela finaliza e sai me deixando ali na frente com todos me encarando —
Vergonha define o momento, é completamente estranho chegar a algum lugar desconhecido e ser encarada por uns trinta alunos como se estivessem te julgando dos pés ao último fio do cabelo. Quão ruim seria se eu desejasse que a mulher da secretaria quebrasse uma unha por me deixar nesta situação?
Com passos rápidos, alcanço a cadeira da frente que por obra do destino está vazia, era sentar na frente ou sentar na cadeira vazia do fundo. Entre a morte morrida e a morte matada, o que estiver mais próximo já é aceitável. Estamos no outono, uma época fresca em que não necessita de ar condicionado para refrigerar a sala, o vento entra pela janela aberta tocando minha face trazendo consigo a calmaria que eu precisava. Alguns alunos se aproximam.
— Oi Olive, me chamo Suzy — uma garota de cabelos lisos longos a ponto de baterem em sua cintura se põe em frente à mesa — seja bem vinda a nossa turma, como representante espero que você tenha uma ótima experiência conosco — ela estende sua mão —
— Olá, espero que consigamos nos dar bem — aperto sua mão levemente —
Ela se afasta dando um grito alto, toca sua mão tremendo e me olha com olhos cheios de lágrimas.
— Eu só queria a sua amizade e você me machuca? — diz com uma voz embargada — o foi que te fiz?
Mas que porra é essa? Eu não a machuquei, sempre fui cuidadosa com a quantidade de força que aplico nas pessoas. Isso não pode acontecer no meu primeiro dia de aula. Se essa garota não falar a verdade, a mão dela vai começar a doer de verdade e não me responsabilizo se outras partes do corpo dela forem quebradas.
— Eu não te machuquei — digo firme, sei que não apertei forte a mão dela —
— Diga isso para a minha mão quase quebrada! — ela fala alto o suficiente para todos da turma se assustarem, me olhando como se eu fosse a pior pessoa do planeta —
A porta bate retirando a atenção de mim, uma figura alta adentra a sala, um garoto com cabelos vermelhos dignos de cor primária, estrelas brilhantes espalhadas por seu rosto e olhos verdes esmeralda me encaram.
— Suzy já começou o dia fazendo o trote com a novata? — ele se encosta na garota — devia ter me esperado — a sala cai na gargalhada ao ver meu rosto paralisado de medo — desculpa novata, é uma tradição zoar quem se transfere fora do tempo de matrícula — ele se aproxima de mim ficando próximo ao meu rosto — me chamo Ítalo, qual o seu nome?
Ah... como eu poderia esquecer o nome dele? Eu nunca esqueci o seu vermelho brilhante.
— Olive.
— Bem vinda Oliver.
— É Olive, não Oliver.
— Dá no mesmo Oliver — ele sorri com seu sorriso debochado —
Essa gente é estranha. Melhor desistir de concertar meu nome, não quero me estressar além da conta. Que o chá de camomila me ajude para eu não acabar tacando fogo em todo mundo.
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