Catarina continua correndo como se sua vida dependesse disso — e depende, depende muito — sua respiração descompassada, o ar adentrando suas narinas queimando por onde passava, cada gota de suor escorrendo por sua testa, rosto, bochechas agora rosadas quase se tornando roxas. Catarina sente suas pernas fraquejarem de tanto correr, não havia um rumo para seguir, não quando se está fugindo do rei, fugindo para se salvar da própria desgraça criada por si mesma. A jovem garota de cabelo negros como a escuridão daquela noite se esconde entre as árvores, suga todo o ar que consegue para recuperar seu fôlego, ela olha suas mãos melecadas com o líquido vermelho, líquido que fora tirado por ela ao assassinar uma criada que a tentou envenenar, pobre Catarina, um fantoche que dançou conforme a música.
O primeiro amor é mágico! Colore o mundo como nunca feito antes, te faz sentir borboletas no estômago e você vai querer continuar sentindo, te cega e quando você menos percebe, se torna a vilã. A jovem garota que ascendeu ao trono com o objetivo de dar poder ao seu amado, foi traída e condenada por todas as atrocidades cometidas. Ela tornou o mundo seu inimigo pelo seu amor e o seu amor estava junto do mundo.
Catarina escuta os barulhos dos cavalos se aproximando cada vez mais, então em um impulso ela volta a correr sem olhar para trás, sem saber que os cavaleiros estavam próximos demais para que suas pernas curtas conseguissem correr o suficiente para os distanciar. Se fosse no passado, Catarina correndo seria uma paisagem de tão bela, com seus longos fios escuros sendo banhados pelo vento, suas mechas roxas mesclando com o preto, seu rosto rosado que fora um dia usado como base para uma nova cor de batom que virou tendência entre as jovens moças do reino, no momento atual não veriam isso, somente enxergariam uma jovem magra com cabelos bagunçados que foram cortados sem sua permissão, um vestido rasgado manchado de sangue seco da criada, sangue dos machucados das torturas que o rei ordenou, com pés machucados por andar descalça, e por fim suja pela falta de banho que o calabouço causou. A cada passo suas feridas se abriam, o sangue quente escorria por suas pernas, seus pulmões já não conseguem manter o ar.
Eu não aguento mais, não consigo continuar.
A jovem para de correr se jogando no chão sem forças, desistindo de fugir. Os cavaleiros surgem com seus cavalos alados, dignos de serem chamados de cavalaria do rei. Um homem loiro esbelto se aproxima com seu cavalo, um cheiro de rosas é emanado ao descer de seu cavalo. Catarina se vira olhando com repulsa e nojo para aquele homem.
— Rina, o que foi que você se tornou? — pergunta o homem se aproximando da jovem ajoelhada — podíamos ter se tornado o casal mais poderoso — diz sussurrando para que apenas a jovem conseguisse escutar — era só ter matado o rei, mas nem isso uma imprestável como você conseguiu — ele toca o rosto de Catarina, seus dedos apertam a mandíbula molhada de suor — devo lhe agradecer por me colocar onde estou, o rei confia plenamente em mim, nas duas formas.
Catarina já não tem forças para lutar, sua língua que fora cortada pra fora durante as torturas a impedem de gritar todo tipo de xingamento. Seu estômago se revira querendo vomitar as tripas, só havia tripas, há semanas Catarina não se alimenta.
O homem loiro se levanta e sem hesitação retira sua espada da banhinha decepando a cabeça daquela que algum dia fora sua amante.
Julius está livre de sua fantoche, poderá enfim ter poder sem que alguém saiba de seu segredo, sem que descubram que ele se tornou rainha do reino.
— MAS QUE MERDA FOI ESSA? — exclamo de insatisfação — Catarina foi iludida por aquele filho de uma carniça e ainda morre? Não acredito que a minha personagem preferida teve o mesmo fim que o meu futuro fim.
Suspiro fechando o livro, não preciso ver o final de um protagonista manipulador
— Espero que Julius seja traído pelo rei e que perca tudo, Catarina merecia ser feliz depois de pagar por seus crimes.
Olho para a janela do hospital pensando em como será meu fim deste mundo, terei minha garganta cortada? É claro que não! Estamos no mundo real, e pelo estado avançado que meu câncer no cérebro está logo fecharei meus olhos e nunca mais o abrirei. Eu queria poder ter a chance de ter uma nova vida, saudável e aproveitar tudo que não pude.
Uma dor repentina na parte direita da minha cabeça surge, deito tentando fazê-la passar e sem perceber entro em um sono profundo e eterno. Ou era o que pensava, cores para todos os lados com brilhos ofuscantes na qual me obrigavam a fechar os olhos pelo grande incômodo, ardência e dor do meu corpo sendo estraçalhado pelas cores, eu gritei, gritei até sentir meus pulmões explodirem, mas um silêncio ensurdecedor tomava conta. Então tudo parou e eu despenquei, foi rápido, em uma fração de segundos eu caí em algo duro, não doeu, eu já não tinha mais um corpo para que pudesse ter sentido o impacto. Eu havia me tornado mais uma das cores, a espera de uma nova chance, de uma nova vida.
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