A história do mundo é
dividida entre três momentos, Antes da Guerra do Deuses, o Durante a Guerra do
Deuses, e o Depois a Guerra dos Deuses. Quando o mundo era bom, quando o
caos reinou, e quando o que sobreviveu
esqueceu.
Parte 1
O começo de tudo
Celene não é da forma que nos é ensinado, não é da maneira que é dito nas cantigas, na realidade, a deusa é rancorosa e cruel, no momento que deveria ter exercido perdão e bondade, respondeu com vingança e fúria. Por causa disso, destruiu a minha vida e quase aniquilou o resto do mundo. -####
Em todo ano, na segunda semana do décimo mês, a entidade voltava à primeira cidade que criou.
Uma tradição que os humanos esperavam ansiosamente para celebrar, pessoas de todos os lugares, das mais longínquas civilizações e dos mais diversos reinos deixavam suas casas para ver face a face o ser que os concedeu mais um ano de vida e garantir mais um ano de benção em suas casas.
A entidade não fazia muita coisa. Ela não falava com ninguém, não concedia nenhum desejo, era impassível para os pedidos gritados e andava de acordo com um objetivo. Ela se adentrava na civilização, tocava nos muros que levantou com as próprias mãos, observava as oferendas que eram dadas a ela, e o mais importante, acendia a grande fogueira.
Não era uma fogueira comum, mas o símbolo da benção que a entidade dava, significava que a deusa estaria abençoando e favorecendo toda a humanidade por mais um ano, que as plantações iriam crescer, as epidemias de doenças iriam se manter longe, as guerras não chegariam e se chegassem, a garantia da vitória.
Essa benção os mantinha seguros. E por mais que em todos os anos isso se repetia, os humanos ficavam ansiosos e nervosos de que a benção não seria dada, e eles estivessem por conta própria no mundo.
Naquele ano não seria diferente, a deusa andando calmamente saiu da floresta que rodeava a cidade, com o rosto duro e sem emoções, com proporções perfeitas e notoriedade de sua superioridade, ela caminhou por alguns metros, até que um dos cidadãos que rodeava os muros gritou.
Ela não escutou o que ele dizia no grito, mas uma sucessão de vozes veio e que foi a chave para que em alguns segundos a cidade inteira soubesse que a deusa estava entre eles.
A deusa passou pelos portões de pedra e andou pela rua principal até o centro da cidade, as ruas estavam lotadas de humanos que gritavam, pediam por benções e se ajoelhavam a sua frente.
Contudo, nenhum deles foi corajoso o suficiente para ultrapassar uma linha invisível que eles mesmo tinham colocado para a deusa passar, como um corredor.
Ninguém a tocava, ninguém chegava perto, o medo era grande demais, porque eles sabiam que os deuses eram voláteis e instáveis e a bondade dela poderia facilmente mudar.
Eles a seguiam de longe, e a deusa não fazia questão de reconhecer a presença de ninguém.
O seu vestido elaborado se arrastava por metros no chão e todos conseguiam notar a quão magnífica ela era.
A deusa chegou à praça, que também estava lotada, ela olhou para a fogueira, o grande espaço de madeira reservado para esse propósito.
Ela deu dois passos em direção às madeiras. O povo ficou em silêncio notando o quanto aquele momento era especial.
A deusa tocou com as duas mãos na madeira, ela fechou os olhos e respirou fundo.
Foi o necessário.
Chamas gigantes saíram em disparada, consumindo as madeiras e iluminando toda a cidade, a fogueira era alta e forte e o fogo se alimentava de tudo o que encontrava.
A população foi à loucura, o silêncio foi quebrado com os gritos de alegria e de choque, as pessoas sorriam e pulavam, começavam as comemorações e ela sabia que haveria festa em todas as ruas naquela noite.
A deusa olhou a fogueira por um instante, depois para os humanos, e então, ela sorriu, feliz que sua criação estava prosperando e em paz.
Assim, os seus passos voltaram do mesmo jeito que tinham chegado, quando ela passava os humanos fechavam o caminho de trás dela ocupados demais para comemorar o fogo e o calor uma vez que estava quase escurecendo.
A deusa tinha cumprido seu trabalho e estava pronta para voltar para sua morada.
Ela adentrou na floresta sendo recebida por árvores grandes e fechadas, se desviou dos galhos até se aprofundar totalmente.
A deusa notou que estava sendo seguida.
Ela percebeu isso no momento em que seus pés pisaram na cidade e que aquele ser se moveu pela multidão sempre a encarando.
Ela não sentiu ameaça, nem irritação, mas não deixaria espaço para o que quer que aquele humano queria.
Aquele era um dia de alegria e paz, e a deusa detestaria terminar tudo com a morte.
Ela chegou no centro da floresta, um lugar vazio em que sua montaria a esperava.
Não era um cavalo. Era um dragão.
Uma grande, magnífica e extremamente perigosa besta, com couro e escamas duras e grossas, presas assustadoras e um corpo tão grande quanto bairros inteiros.
Aquela era a montaria da deusa. Seu querido e belo dragão. Criado por ela para ser dela e ser montada por ela.
A deusa se aproximou de seu animal, e a criatura rugiu tão forte que se não tivesse festa na cidade, eles escutariam.
A deusa tocou na cabeça de seu dragão, um carinho, sorriu para ela.
-Eu nem demorei tanto, minha besta. – A deusa disse, ela sentiu que seu dragão tinha ficado irritado e estressado pela falta da dona, mesmo em alguns poucos minutos.
A culpa era dela. Foi a deusa que os criou tão temperamentais.
A deusa se aproximou em direção ao corpo da criatura pronta para montar, ela não se dirigiria para o humano que estava a observando, talvez ele só quisesse sanar sua curiosidade sobre a entidade protetora da sua espécie.
Quando ia dar o impulso para a subida, o barulho de passos se aproximando soou, ela virou nessa direção, admitindo um pouco de curiosidade.
Poucos humanos eram tão corajosos de seguir um deus.
A deusa encontrou um homem jovem, na casa de seus vinte anos, que a olhava assustado e maravilhado, com as mãos levantadas, e se aproximando devagar com medo da reprimenda da deusa e da criatura atrás dela que era bastante intimidante.
- Me seguiu por todo o meu caminho, não? – Ela falou, sua intenção não era assustar, não era brigar ou reprimir, mas ela era uma deusa, tudo sobre ela era poderoso e perigoso. Além de que a visão do dragão atrás da deusa deixava qualquer um paralisado.
O humano caiu de joelhos. Os olhos cheios de medo pela censura.
-Me perdoe, Criadora da Vida. – O homem falou, o corpo todo tremendo. – Não era minha intenção atrapalhara ou irrita-la.
-Qual era a sua intenção, então? – A deusa perguntou.
O homem não olhava para ela, concentrava seu olhar no chão.
-Eu queria fazer um pedido, Protetora. – Ele gaguejou, ela sentiu o coração dele bater forte.
-Você deveria ter feito sua oferenda, orado e pedido junto com todos os outros. Não me seguido e me interceptado. – Ela respondeu. – Se eu fosse qualquer outro deus, você já estaria morto.
-A senhora é infinitamente mais bondosa do que todos os outros. – O homem falou. – E mesmo assim gostaria de expor minha proposta.
O dragão atrás da deusa rugiu, a deusa não se incomodou, o homem caiu de quatro aterrorizado.
-Diga logo, homem. – Ela obrigou. – Minha criação está ficando irritada.
O homem respirava rápido alarmado e muito muito assustado.
-Eu sou um historiador, minha senhora. – Ele falou rápido, tropeçando nas palavras. – Dedico a minha vida à proteção do conhecimento.
A deusa o olhou sem expressão, apesar de admirar o ofício do homem.
- Eu escrevo a história da forma mais imparcial que consigo, mas notei que há uma momentos de profunda importância e que não temos informações suficiente. Esse é meu pedido.
Ela levantou os olhos, franziu as sobrancelhas.
- Uma história? – Ela perguntou. O dragão notando que a dona não a montaria, se deitou sobre o chão de terra. – E que história é essa? Que o fez se aventurar a seguir e falar com um deus?
- A sua, senhora. – Ele falou. – Eu quero saber a sua história.
A deusa deu um passo para trás.
-Como? – Ela perguntou. O homem se encheu de confiança e coragem e se aproximou.
A deusa o olhou feio, avisando para não chegar, e o homem se afastou de novo.
-Não sabemos sobra nada da senhora, sabemos que é a Deusa da Vida, a Protetora dos Humanos, a Libertadora do Espírito, mas não temos ciência de mais nada. Não sabemos de onde veio, quem a senhora é. A sua relação com os outros deuses. Como a senhora surgiu?
A deusa o olhou.
-Está realmente curioso sobre mim, não? – Ela falou abismada com a nova informação. O homem sorriu, o primeiro sorriso que ele deu.
-A senhora nos fornece proteção e nos mantém vivos. – Ele disse, virou sua cabeça para ela. – Por que?
-Eu os criei. – A deusa disse. – É minha responsabilidade a sua sobrevivência.
O homem sorriu.
-E por que a senhora nos criou? – Ele perguntou. – De onde veio esse desejo?
A deusa não respondeu.
-Qual é a nossa história? – Ele insistiu. – Tudo o que eu quero, é manter a história do jeito que a deusa é. Imortal. Fazer os que virão depois de mim nunca se esquecerem de vocês.
A deusa assentiu, o analisando.
- Suas perguntas são interessantes.
-Isso é um sim? -Ele perguntou os olhos brilhando.
Ela negou com a cabeça.
-Isso é um talvez.
Ela se aproximou de novo do dragão, o homem recuou para longe dentro das florestas, a deusa tocou a besta que se curvou, ela se segurou entre os espinhos e escamas até pegar impulso e subir em suas costas.
O dragão rugiu alto abrindo suas asas o mais largo derrubando árvores centenárias ao redor.
O homem gritou alto, para que a deusa mesma a distância conseguisse ouvir.
-Eu vivo na Fortaleza de Pedra! – Ele falou. – Se aceitar, eu imploro que venha me encontrar. Por favor
A deusa o olhou e sem outra palavra o dragão bateu suas asas e subiu, voou pelo céu escuro da noite de volta a sua própria morada.
-Você vai fazer isso? – Seu marido perguntou. A deusa suspirou.
-Não sei, Akhan. É uma proposta interessante. – Ela disse.
O deus desdenhou.
-É uma ofensa. Ele a abordou pessoalmente. Se qualquer um dos meus fizesse isso...
A deusa que estava sentada encheu sua taça de vinho.
-Temos políticas de governo diferente, você sabe disso.
-A sua política te torna acessível. – Ele retrucou.
-A sua te torna um tirano. – Ela respondeu coma voz impassiva.
O deus é claro, não deixaria a esposa ter a última palavra.
-Meus súditos me tratam com respeito.
Ela levantou as sobrancelhas, meio sem entender.
-Eu creio que o pedido dele foi bastante respeitoso, ele quer saber mais sobre sua criadora. Me até senti elogiada. -Falou com um pouco de humor
O deus a olhou crítico e julgador, balançou a cabeça negativamente.
-Somos realmente muito diferentes. –
-Não sei qual é o grande problema. – Ela falou se virando para ela, o marido sempre teve a habilidade de a irritar profundamente, milhares de anos de casamento tinha esse efeito.
-Os humanos não podem pensar que você é como um deles, Celene. Senão pensarão que todos nós somos. -Ele respondeu irritado. – Já acho que seu ritual anual estranho e tolo é ridículo, mas conceder a um humano medíocre e inferior informações sobre todos nós? Isso é passar completamente dos limites. A insubordinação da sua espécie, vai contaminar a minha. E ao contrário de você vou responder com sangue e ódio.
Celene discordou, não acreditando que no final tudo tinha se voltado par o próprio Akhan e seu poder.
-Tão exagerado. Não há absolutamente nada de errado em ter contato com seu povo. Eles não são bichos que você pode adestrar, Akhan, são indivíduos que tem ideias e desejos, eu os criei assim, e odiaria que essas características mudassem.
Akhan a olhou.
-Você já decidiu, então. – Ele falou. – Vai adentrar nessa ideia ofensiva e estupida.
Ela não recuou nem um pouco, a tom de voz mudando e se transformando em algo perigoso.
-Alguns podem achar que você está receoso, Akhan. Talvez até com medo. Não quer que descubram suas fraquezas? – Akhan se levantou de sua cadeira de imediato, o olhar duro e violento.
Celene sabia a forma mais eficaz de irritar seu marido. Atacar seu orgulho. Expor suas covardias. Isso o enfurecia a níveis absurdos. Ela sabia disso, o fez de propósito. Normalmente, o casal tinha opiniões parecidas, contudo, quando se tratava dos humanos ou da espécie do próprio Akhan, o marido sempre a contrariava em todas as suas decisões.
- Não importa o que venha a dizer, Akhan. – Ela disse. – Nada poderá me fazer mudar de ideia. Senão, me incentivará ainda mais.
Os olhos dele pegavam fogo. Ele se estressava muito fácil, Celene já estava acostumada com seu temperamento. Afinal, ele era o Deus das Emoções, não faria sentido se ele não fosse volátil.
-Nenhum dos outros deuses irá concordar.
Ela deu de ombros.
-Nenhum dos outros deuses poderá me impedir.
-Celene... – Ele começou.
-Acho que já terminamos aqui. – Ela balançou a cabeça, triste se levantando. – Meu amado marido, toda vez que te visito, acabamos brigando. E devo dizer que essas discussões não são minha culpa.
Akhan riu, mas sem graça, o olhar ríspido sobre ela.
-Não, a culpa das nossas brigas são sempre suas decisões idiotas. -Ele a respondeu.
Raiva brilhou nos olhos de Celene, ela podia ter respondido, podia ter gritado, avançado sobre ele, fazê-lo se arrepender, mas não fez nada disso.
A deusa só levantou calmamente. Se aproximou de seu marido, corpo com corpo, Akhan exalava raiva, Celene também, mas eram tipos de raiva diferentes, a do deus era fogo, quente, crepitante, que queimava, a da deusa era gelada, fria, contrária à do marido, mas ambas igualmente perigosas.
Celene apenas disse.
-Lembre-se com quem você está falando. – Ela sussurrou em seu ouvido. – Apesar de aceitar suas opiniões divergentes, não irei admitir suas ofensas descaradas.
Ela se afastou e os dois se olharam. Akhan não disse nada, mas Celene sentiu que aquele ódio dentro dele se multiplicou ainda mais. Ele não faria nada, é claro, Akhan era explosivo, mas não estúpido, ele que tinha mais a perder se desafiasse Celene. Apesar do desejo avassalador dentro dele.
Celene começou a sair da sala em que estava, do Palácio em geral. O Palácio era dele. Ela estava na terra dos emparis, espécie de seu marido, Akhan os governava com punho de ferro, e Celene não tinha tais inspirações, ela não sentia a mínima vontade de reinar sobre os humanos, ela não os criou para isso. Ao contrário de Akhan.
Talvez fosse o que os fazia tão diferentes. Akhan só se importava com poder.
....
Mais tarde naquela noite, Celene se encontrou na casa do homem, que depois Celene descobriu, se chamava Adiem.
-Estou aqui porque contarei a história. – Ela falou. – Contarei a história de todos nós.
O homem não conteve o empolgamento, se ainda não tivesse completamente assustado, seu corpo relaxado mostraria sinais de alegria, como sorrisos.
-Nós? – Ele perguntou com os olhos arregalados e um pouco de confusão.
-Sim. Eu contarei a minha. E de todos os outros deuses.
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