No domingo Alice não tirou fotos de Sol porque queria que o gato se acostumasse ao quarto dela, então ela deixou ele quieto, mas no estúdio dela arrumou um cenário para tirar foto dele e ajeitou tudo para ficar o mais perfeito possível.
Chegou segunda, depois da escola ela procurou Sol em todo canto, mas quando o achou estava em cima do ventilador, ela não conseguiu fazer ele descer, então perdeu mais uma oportunidade de tirar fotos dele e ficou chateada.
“O Sol está no ventilador, eu queria tirar foto dele.”.
“Eu não sei como ele faz isso, mas de vez em quando ele faz.”
Alice mandou uma foto e em seguida clicou para chamada de vídeo para o desespero de Tayná que estava deitada com o cabelo todo bagunçado, mas ela aceitou por impulso.
— Teu cabelo está muito bagunçado.
— Não enche, eu estava me preparando para tirar um cochilo antes de estudar.
— Isso é ruim, você deveria estudar antes de dormir, senão vai ter que virar a noite ou pode perder o tempo e dormir demais ou descontrolar seu sono.
— Obrigada, mãe. - Tayná falou revirando os olhos.
— Eu estou falando para o seu bem.
— Você falou igual à minha mãe. Mas por que me ligou por vídeo?
— Queria ver teu rosto. - Alice disse de maneira simples que foi muito efetiva.
Tayná se envergonhou e puxou o travesseiro para tapar a cara e abafar o gritinho que ela deu.
— Você acabou de gritar, num acabou?
— Não enche. - Tayná resmungou ainda debaixo do travesseiro.
— Não te escutei.
— Eu disse “Não enche!” - expressou-se tirando o travesseiro da cara.
— Como não fazer isso depois que você disse que queria ir em um encontro comigo?
— Você pode só esquecer isso?
— Não vou esquecer.
— Chata!
— Olha o seu filho o que está fazendo. - Alice apontou a câmera para Sol.
Sol está deitado espichado em cima de duas pás do ventilador e mordendo a que está a frente do corpo dele. Ele está brilhando forte.
— Ele é um menino levado às vezes. - Tayná deu de ombros.
— Eu te entrego ele na sexta de noite, me diz onde é sua casa para eu levar ele lá.
— Eu te mando por mensagem depois.
— Tudo bem. O que a gente vai fazer no sábado?
— Você pode vir aqui em casa e a gente vê filme no meu notebook, o que acha?
— Gosto da ideia. Vai ser isso então.
As duas escutaram um miado e quando Alice olhou para o lado, Sol está ali perto da cabeça dela, a encarando.
— Espera, isso foi o Sol miando? - Tayná questionou.
— Sim, por que?
— Ele não miou uma única vez comigo, mas miou para você? Esse gato realmente te prefere.
— Eu sou a mãe preferida então, hehe. - Alice deu um sorriso maldoso.
— Achei injusto, me devolve ele.
— Não, ele é meu agora. - Alice disse puxando o gato para cima de si.
— Ainda provoca. Você é má.
— Sou mesmo. Eu vou desligar porque quero aproveitar para tirar foto dele agora que ele desceu. Até mais!
— Até!
Alice desligou a ligação, pegou a câmera ainda segurando o Sol e o levou para o estúdio dela. Colocou-o no cenário, onde ele ficou quietinho e ainda fez algumas poses para Alice poder tirar fotos dele. Ele brilhou feliz e se sentindo importante, ainda mais no cenário de flores e árvores que Alice montou, em que se destacou com os pelos pretos e brancos brilhando como uma estrela no meio do mato.
Depois do que pareceram mil fotos, Alice finalmente liberou o gato do cenário o colocando no travesseiro que ela preparou para ele ficar no estúdio, mas o achou fofo lá então tirou mais um monte de foto, inclusive dele se lambendo e se espichando por inteiro.
Assim que Alice se deu por satisfeita, foi para o notebook que levou para lá previamente e começou a editar as fotos para arrumar tudo para postar. Programou vários tweets com fotos do Sol e colocou no Instagram também. Postando a primeira foto nesse dia mesmo, os comentários foram desacreditados que o gato brilha, alguns especulando que é pós produção e outros falando que realmente acreditam. Algumas pessoas até perguntaram se é por isso o nome Sol. Alice respondeu o máximo que conseguiu antes de se sentir desgastada.
Depois de fazer isso, ela mandou algumas das fotos que tirou para Tayná falando “É assim que se tira foto de um gato que brilha.” para irritar a garota.
“Desculpa, senhorita fotógrafa por eu não saber tirar foto de um bicho QUE BRILHA.”
“Tudo bem, você é meio idiota, mas eu te aceito assim mesmo.” - Alice provocou.
“Alice… ELE BRILHA.”
“Como eu ia saber tirar foto de um gato assim?”
“hahahaha eu sei”
“Estou implicando com você.”
“Eu nunca sei quando você está brincando ou falando sério.”
“Eu postei no meu instagram e tem gente que não acredita que ele brilha.”
“Claro que tem gente que não acredita.”
“Mas me diz, qual o teu instagram?”
“É AliceAS, sim, eu sei. Não implica.”
“Implicar com o que?”
“AS, como a carta do baralho, parece que me considero mais importante do que sou.”
“Ah, nem tinha percebido. Haha”
Na escola, no outro dia, Kleber foi direto falar com Alice porque está desacreditado do que viu nas fotos, o gato realmente brilha.
Quando ele viu a foto do dia anterior no instagram ficou tão abismado que até mesmo esqueceu de mandar mensagem para a amiga a questionando, até porque isso deu várias ideias de projeto. Então ele precisou escrever todas elas para não se esquecer e acha que Alice vai gostar do que ele pensou.
Mas Kleber se preparou para arrancar respostas de Alice assim que a ver na escola e está determinado a descobrir se a amiga está doente de radiação.
— Eu vou na sua casa hoje para você me mostrar isso. - Kleber falou assim que viu Alice.
— Te mostrar o que, louco?
— Mostrar seu gato, oras.
— Por que?
— Porque como assim ele brilha? Você tem que me mostrar isso pessoalmente.
— Está bom, eu te levo lá para ver o Sol. Mas nada de ficar falando por aí que você vai lá em casa
— Tudo bem, eu não digo.
A aula correu bem, Alice só precisou tomar o remédio de ansiedade antes de apresentar o trabalho dela na frente da turma e depois ficou alguns minutos no banheiro para se acalmar, os professores já sabem como ela funciona, então deixam ela ir sem muitos problemas.
Kleber ficou rodeando Alice até ela terminar de arrumar todas as coisas dela e então eles saíram juntos, ele pegou a bicicleta dele e ela ficou esperando no portão, alguns colegas de classe que sabem da conta dela do Instagram a pararam para perguntar se o gato dela realmente brilha e ela respondeu que sim, eles falaram que queriam ver, mas ela não deixou, então eles a xingaram e falaram que é porque ela está mentindo, depois foram embora, mas deixaram um gosto amargo na garganta da garota que começou a se sentir mal. Então Alice olhou esperançosamente para a pista de skate querendo encontrar Tayná, mas ela não estava lá.
No caminho para casa, os dois estão quietos, mas Kleber mal se aguenta de ansiedade para ver o gato que o mordeu, mas ele esqueceu disso. Bem no meio do caminho, eles deram de cara com Tayná.
— Olá! - Tayná disse.
— Oi. - Alice falou meio encolhida.
— Olá! - Kleber disse.
— Eu estou indo para casa e vocês?
— Eu estou indo para casa e o Kleber está indo comigo ver o Sol, vou mostrar para ele pessoalmente que o Sol brilha. - Alice falou, mas com a voz meio recuada.
— Eu não mostrei nem para o pessoal lá de casa, engraçado. Eu não tinha pensado em mostrar ainda.
— Você não está brava?
— Por que estaria? - Tayná perguntou confusa.
— Porque esse era meio que o nosso segredo.
— Bem, você já postou nas redes sociais, então não tem o que fazer.
— Mas é diferente do que mostrar pessoalmente.
— Na verdade não é..
— Entendo…
— Alice, olha, o gato também é seu, você pode mostrar ele para quem quiser sem se sentir mal com isso. - Tayná falou e segurou as mãos da garota.
— Entendi…
— Podemos ir? Não quero ficar segurando vela. - Kleber interrompeu.
— Eu tinha gostado de você, mas você é bem chatinho, hein?!
— Você que está querendo roubar minha amiga e eu que sou o chato? Aposto que você nem sabe tudo sobre ela.
Kleber pode ser bem ciumento sobre a Alice às vezes, principalmente porque ele já a viu sofrer por causa de uma pessoa preconceituosa, então ele acabou criando um espírito de proteger ela.
Teve uma época, alguns anos atrás, que a garota conheceu um menino e eles se deram super bem. Os dois conversavam, saiam para passear juntos e Alice acabou se apaixonando, coisa bem rara de acontecer com ela.
O que aconteceu foi que Alice já era assumida trans na época para a família, porém ela nunca foi de sair falando isso por aí e achou que não era um fato importante para se falar, na inocência infantil de que todo mundo enxerga as pessoas como pessoas, simplesmente, que não importa o que elas foram antes. Mas isso não é bem realidade, para muita gente importa como você nasceu, o que você era ou vai ser. Se você gosta de pênis ou vagina, se você tem um ou outro. Para muita gente essas questões são mais importantes que o próprio sentimento delas pela outra pessoa.
E esse amigo dela era uma dessas pessoas, ele gostava de garotas, mas não de pessoas trans. E quando ele descobriu por meio do Kleber que falou na inocência, achando que não tinha problema, que Alice já tinha falado, o garoto quis até mesmo bater em Alice. Porém o amigo a defendeu e deu uma surra no outro.
— Fica quieto, Kleber. - Alice disse com pressa.
— O que eu tenho para saber além dela ser uma garota maravilhosa?
— Você ainda não contou para ela, né?
— Não e eu acho que você deveria ficar quieto.
— E você deveria contar logo, ainda mais agora que estão ficando cada vez mais próximas, antes que você se machuque de novo.
— Chega Kleber, vamos embora - disse. - Tchau, Tayná.
Alice se apressou em seu caminho, deixando Tayná para trás e confusa sobre o que foi essa conversa estranha das duas pessoas.
Os dois chegaram na casa de Alice, Kleber deixou a bicicleta na passagem para dentro da casa e seguiu Alice em silêncio porque ele acha que exagerou, mas não sabe como pedir desculpas para a amiga. Chegando no quarto, Alice procurou o Sol, mas não o achou, até que viu ele no ventilador de novo.
— Cadê o gato? - Kleber disse.
— Você já vai achar. - Alice fechou a cortina e então uma luz surgiu iluminando o quarto.
— Você deixa sua lâmpada acesa?
— Olha para cima, idiota.
— Meu deus, o gato está no ventilador! Meu deus, o gato está brilhando! - Kleber não sabia com o que ficava mais surpreso.
— Viu, eu disse, ele sobe no ventilador e brilha.
— Agora eu estou acreditando em você.
— Você não acreditava antes?
— Acreditava, mas ainda parecia surreal. Quer dizer, é surreal.
— É, eu sei, também não acredito às vezes.
— Como você faz para ele descer de lá?
— Eu só espero mesmo.
— Que tal ligar o ventilador?
– Nãaaooo, Kleber. Tadinho do Sol, que maldade! Você é ruim. - Alice disse muito indignada com a sugestão do amigo e dando soquinhos nele.
— Calma, calma. Foi só uma sugestão, não precisa ficar brava.
— Vamos falar do trabalho em dupla para semana que vem?
— Pode ser, já que o gato não vai descer.
Alice pegou as coisas dela da mochila e colocou em cima da cama e Kleber sentou de frente para ela. Os dois discutiram sobre o que fazer no trabalho de história e até conseguiram, naquela tarde, fazer tudo que tinha para fazer. Só faltando agora ensaiar. Kleber está ciente que vai ter que saber até as partes de Alice porque a garota agarra sempre, ela pode ser a melhor aluna em provas, mas apresentação é o que derruba a nota dela, a garota conseguiu um histórico perfeito de notas de nove vírgula cinco para cima até agora em todas as provas de todas as matérias, mas a média dela sempre ficou nove, no máximo nove vírgula dois nas matérias que têm apresentação, às vezes cai até para oito e alguma coisa. Então Alice brilha mesmo é nas exatas que a média dela está sempre por volta de nove vírgula cinco. Já na matéria que ela mais gosta e que deveria ser a melhor nota dela, artes visuais, ela está até com seis por não participar das discussões da aula, apesar de ter anotado tudo que ela gostaria de falar, mas o professor não leva isso em consideração.
Foi quando eles terminaram o trabalho que eles perceberam que Sol está sentado na cama atrás do notebook de Alice, lambendo a patinha dianteira direita dele. Percebendo que está sendo encarado, o gato olhou para Alice e depois para Kleber, então ele foi até o garoto e arranhou ele.
— Ai, de novo! O teu gato radioativo me arranhou de novo.
— Não chama ele de radioativo, ele é meu bebê. Vem cá, Sol.
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