Kiki não costumava visitar seu confidente, já ele, sempre ia em sua casa quando tinha a oportunidade, eles se acostumaram assim. Estava até incerta de que ainda se lembrava do endereço. Apenas garantiu que o caminho estava correndo quando foi recebida por latidos e lambidas de Puck, o cachorro local.
Pessoas nos corredores a cumprimentavam e falavam sobre quanto tempo não a viam ali, perguntavam como ia seu pai. Ela, ignorando tudo e não tirando os olhos de seu alvo, bateu na porta do amigo, porém não teve resposta. Até que, poucos minutos depois, ouviu uma voz de criança.
— TIA KIKI! — Somchai pulou e a abraçou — Quanto tempo!
— Oi, pequeno — sorriu, a criança e sua mãe eram o mais próximo de família que Segrel tinha — Você cresceu bastante! — Ele sorriu de volta e concordou com a cabeça — O que está fazendo aqui, não devia estar na escola?
— Nakisisa? — o alto veio logo depois, parecendo preocupado — Tudo bem? Você não costuma vir aqui, ainda mais sem avisar — ele fez um sinal para que ela esperasse e seguiu com Somchai, o deixando em casa, depois voltou — Vamos entrar?
Ela concordou, ele destrancou a porta e assim o fizeram. Segrel sentou no tapete, sobre o chão de cimento puro, e encostou as costas no sofá velho no qual Kivuli se jogou.
— Aconteceu alguma coisa? Somchai tá bem? Eu vi que tu tava com uma sacola de remédios.
— Tá tudo bem, foi só um susto. Intoxicação alimentar — Segrel passou a mão em sua nuca — E eu fiquei surpreso, não é sempre que tenho a honra de receber nữ hoàng Nakisisa em meus aposentos. Eu que pergunto, aconteceu alguma coisa?
— Ah, mfalme… — ela tomou para si alguns dos fios pretos e compridos do cabelo do amigo para brincar — O que NÃO aconteceu? Tu acredita que meu pai foi capaz de fazer isso comigo? Tipo, tem pessoas de luto na minha casa e eu tenho que LIDAR com elas, elas esperam algo de mim! Logo DE MIM?! Será que não sabem quem eu sou? Tipo, eu sou…
— Uma pessoa incrível.
— Não! Eu não sou uma pessoa fácil de se ter por perto, tu sabe disso, Segrel! Por que caralhos eu tenho que cuidar desses projetos de burguês ou sei lá o que, eu não tenho capacidade pra isso! — ela esperneava no sofá — Uma semana, eu vou ter que suportar essas pessoas por uma semana, SOZINHA! E o relógio, o maldito barulho do relógio, e das correntes do garoto no meu quarto, e a blogueira de merda…
— Espera, quem é blogueira?
— ISSO NÃO IMPORTA! — ela acabou puxando o cabelo dele sem querer.
— AI! — Segrel se virou para ela, então viu seu rosto cheio de lágrimas — Ei, tá tudo bem — ele sentou na beira do sofá e a puxou para um abraço — Eu sempre vou estar aqui pro que você precisar, nữ hoàng.
— Você tem suas coisas, mfalme, eu não quero ser um fardo — ela devolveu o abraço, mais forte.
— Você não é! — acariciou a cabeça dela — Olha, a coisa deve estar feia mesmo, cê nem quis saber que notícias boas eu tenho…
— O que…?
— Que? Cê não viu a mensagem? — fingiu uma dor no coração — Estou sendo esquecido.
— Fala logo! — bateu nele com uma almofada — O que é?
— Mudou de humor rápido, né — Kivuli mostrou a língua para ele, que levantou e foi em direção ao pequeno frigobar que tinha do outro lado da sala, pegando duas long necks, uma de alguma bebida alcoólica barata qualquer e outra de água mineral — Acho que vai querer brindar.
— Pelo que? — pegou sua garrafinha e abriu, tomando um gole.
— À artista que fará a abertura da Clemmenxy hoje, KiKi! — a ruiva engasgou imediatamente.
— MENTIRA? — abriu um sorriso imenso — Espera, tu disse… HOJE? Por que não me disse antes? — se levantou e começou a dar pequenos socos no amigo.
— Porque eu te conheço, senhorita Nakisisa, você iria fugir de última hora.
— Khàn Ài Segrel, o que eu faria sem você? — Clemmenxy era a boate underground mais, bem, mainstream de todo o distrito. Para alguns pequenos artistas, o auge de sua carreira seria tocar lá. Pisar naquele palco, por dez minutos que sejam, era um sonho que agora ela poderia realizar — Puta que pariu, eu te amo! — Naki pulou em Segrel, o abraçando com os braços, em volta de seu pescoço, e pernas, pouco acima de seu quadril, as quais ele segurou para que ela não caísse.
— São só 30 minutos, mas é na Clemmenxy, né?! — ela o apertou. Ele reagiu a abraçando de volta, visto que pela forma que ela estava quase o sufocando não havia mais perigo de queda — Minha amizade com Marco tinha que servir pra algo.
— Muito obrigada — ela sussurrou, ainda em seu colo, olhando nos olhos pretos de Segrel e sorrindo como uma criança satisfeita. Segrel também sorriu.
— Você tá mais energética que o normal hoje, Naki — Ela sacudiu a cabeça e ele a colocou novamente no sofá.
— Isso é um problema?
— Claro que não. Eu acho — ele olhou para seu braço, onde Nakisisa havia espirrado bebida em algum momento — Só um minuto.
Segrel foi até o banheiro lavar seu braço, e quando voltou, encontrou Nakisisa sentada com as costas no acento do sofá, pernas para cima e a cabeça para baixo, olhando para a parede.
— Ok… Qual o conceito? É pra bebida subir mais rápido pra cabeça?
— Eu sou uma farsa! — disse, e pelo tom, Segrel sentiu que vinha a segunda onda de desabafo, então retornou a sua posição de início: sentado no chão, com as costas no sofá — Mas até hoje eu fui uma farsa pra pouco público. Eu não quero ser uma farsa pra mais gente — deitou de bruços e afundou o rosto no braço do sofá — Eu tô com medo Segrel, medo. Ansiedade, vergonha, insegurança, eu…
— Nữ hoàng, Lutalo Nakisisa — disse calmo, porém firme — Você é a pessoa mais talentosa que eu já vi, facilmente a mais talentosa dessa ilha. Você é incrível, Naki, e eu tenho certeza que os administradores da Clemmenxy concordam, se não, nem tinham te dado essa chance!
— Eu odeio o termo talento, Segrel, isso não existe — ela tirou o rosto do acolchoado, deitando de lado e se virando para frente — Mas obrigada. Ouvir isso de ti, sua voz, me tranquilizou um pouco — respirou fundo — Eu poderia me encher de droga agora, mas eu quero ser responsável pelo menos uma vez na vida. Eu quero poder me lembrar do momento.
— Eu confio em você, Naki. Nós vamos fazer isso juntos — ele levantou a mão, apertando a dela.
— É o mínimo, né — soltou a mão do amigo e afundou o rosto no sofá novamente. Segrel levantou uma sobrancelha.
— O que você quer dizer com isso?
— Quer dizer, se você não tivesse me colocado nisso eu não estaria assim — respondeu sem se mover.
— Nakisisa, cê tá ouvindo o que cê tá falando? — disse Segrel, respirando fundo, para não perder a calma — Esse não era seu sonho?
— Era. Mas eu não quero mais.
— Caralho, Nakisisa, eu coloquei minha palavra nisso, sabia?
— Ah, então é só isso que importa pra tu? — Segrel levantou enquanto ela falava — Até tu é egoísta no final das contas né.
— Você sabe que não, Nakisisa — ele pegou o rosto de sua amiga delicadamente, virando-o para si e se aproximando — Você sabe que é isso que você quer, sempre quis, e eu não vou deixar você se auto sabotar dessa vez, é só isso.
Como sempre, só havia sinceridade nas palavras do moreno. Ele já tinha passado por isso outras vezes e não iria assistir sua amiga perder mais uma oportunidade.
Naki reagiu avançando em sua direção e tentando o beijar, sem dizer nada. Sua reação instantânea foi se afastar e falar:
— Eu acho que você deveria ir embora — passou a mão na nuca — Eu preciso trabalhar e você precisa descansar, é um show importante, eu te pego às oito.
Kivuli acenou para ele e saiu pela porta, respirando fundo, ainda em silêncio.
Antes de seguir seu caminho, sentiu uma mão firme segurando seu braço.
— Naki, espera, me veio agora à cabeça… — Segrel falou com uma feição preocupada — Você está tomando seus remédios?
Merda! Pensou a artista, agora tudo fazia sentido. Toda euforia do dia, receber pessoas novas, intrigas e agora a ansiedade sobre o show, nem se tocou de que tinha passado batido. Ela negou com a cabeça e saiu correndo para casa, sem olhar para trás. Merda Kivuli, ingere tanta merda nesse corpo,
Mas não lembra da porra do litio?
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