A terceira vez que ele pediu desculpas, chegou na minha casa, eu estava dormindo e senti sua cabeça em meu braço, seu beijo quente na minha pele coberta pela camisa. Eu acordei e aninhei ele, uma mão em seu cabelo. Ele ficou calado, mas se aproximou mais, sua testa agora estava no meu pescoço, sua bochecha em meu tórax e enfim se deitou comigo.
Eu lhe abracei, vendo e sentindo a estranheza que era acordar à tarde, o céu escuro, o ar morno e frio ao mesmo tempo. Tinha um cheiro diferente, era como se você entrasse em uma nova realidade, e algo estivesse errado. Era impulsionador, tanto quanto letárgico, eu poderia ficar lá um pouco mais, mas ainda me vinha uma sensação de que eu estava perdendo alguma coisa. Era uma sensação de que você perderia a oportunidade de fazer algo e de seguir algo, e então ficaria para trás.
-Me desculpe. -Sua voz saiu por entre nossos corpos, e aquilo me assustou. A forma como ele soou e como eu estava me sentindo.
-Pelo que?
-Eu... Eu não quis fazer aquilo. -Eu escutei ele engolir em seco e se abraçar mais em mim. -Eu gosto muito de você. Tanto...
Eu fui estúpida de não lhe perguntar o que aconteceu, eu tive medo. Ele não me contou com todos os detalhes, mas ficou comigo naquela noite, tão quieto, era como se ele estivesse com medo, paralisado em uma posição. Eu também estava.
-Por favor não me deixe.
Não lembro quem disse aquilo, se nós dois dissemos. Agora que lhe vi pela última vez, entendo o seu medo. Entendo que ele estava assustado em ver sua vida mudar tão dramaticamente, mas ele disse que mudou "drasticamente". Ele pareceu feliz, e eu não sei o que achar disso. Não é apenas pela dor de lhe ver ir, mas por saber que quando estávamos juntos, você também estava assim. Então as desculpas foram vindo, umas com poucas intenções, outras por coisas pequenas, outras guardando um arrependimento grande.
Ver você descendo pelas escadas da minha casa, olhando para mim e sorrindo. Havia uma certa tristeza, mas eu sabia que em maior parte, era alívio. Você prometeu que voltaria e desde então já vi que sua vida se seguiu e sem mim. Vi suas fotos novas, a balada me atormentando quando minhas amigas me convidaram à ir. Parecia similar ao lugar que ele ficou com ela. Eu esperei superar, mas eu só conseguia me lembrar.
Da mesma forma que ele veio, ele se foi. Rápido, de surpresa.
Não consegui nem pensar direito, quando um dia ouvi sua voz em minha casa. Veio visitar meu irmão, que também estava de visita. Ele perguntou por mim, minha mãe lhe respondeu, eu esperei ele aparecer. Todo meu corpo estava consciente, mas tentei parecer tranquila enquanto esperava ele aparecer em meu quarto. Ele conhecia bem aquela casa, sabia que não poderia pisar em certos lugares, se não entregaria que estava ali, me observando.
Eu me virei, sentindo seu olhar em mim. Ele entrou, se sentou em minha cama e então ele sorriu, como se sentisse saudades, e eu sorri, pois eu sentia.
-Você está linda como sempre. -Sua voz era tranquila. Não havia nenhum peso, nenhuma mágoa. Eu fiquei aliviada.
-Obrigada. Você está diferente. -Ele estava mais musculoso, parecia mais alto.
-Bem, ainda sou eu. -Algo em seus olhos parecia nostálgico. O que pareceu perigoso. Eu fiquei com medo de cair naquelas lembranças, mas ele era outro, mesmo que ainda fosse só ele.
-Desculpas. -Ele sempre fazia aquilo, parecia normal entre nós.
-Não sei pelo o que.
-Por sua viagem amanhã.
-Minha mãe não queria que eu fosse sozinha. Salvador é perigoso, e eu apenas queria passar dois dias lá.
-Entendi, eu ficaria triste em não poder ir.
-Seria minha comemoração de formatura.
-Bem... Você não tem com quem ir? -Ele perguntou, seus olhos bem focados nos meus.
-Não. Minhas amigas da faculdade já foram para suas cidades comemorar.
-Entendi.
-Eu queria... Me desculpar com você.
-Não, não vamos fazer isso.
-Eu preciso. Eu fui muito... Estranha com você, para você. Justamente alguém que sempre foi tão perfeito para mim.
-Eu sempre estava fazendo algo errado para você.
-Isso não é verdade.
Ele sorriu cético com minha fala, olhou para o teto e então para a cama. Lançou um olhar de relance para mim, e com um sorriso malicioso se deitou em minha cama.
-Eu estou falando sério. Eu comecei a ficar... Eu estava passando por um momento.
-Eu fui babaca, eu não esperei muito tempo, e já estava tentando me distrair...
-Não, eu não acho que você foi babaca por isso.
Ele me olhou de onde estava e então voltou a encarar o teto.
-Eu só precisava parar de me sentir como se você tivesse... morrido. Eu não queria vir aqui, como se isso fosse lhe forçar a me encarar. Eu não queria lhe encurralar.
-Eu nunca tinha me sentindo daquela forma. Era como se meu mundo tivesse perdido o sentido. E quando você se foi, eu percebi que eu tinha mais do que eu merecia. Me desculpe.
-Não vou dizer que foi legal o que fez, mas não lhe culpo por ter sido humana.
-Eu... -Minha voz caiu, um tom significativo lhe rondando.
Ele se ergueu devagar.
-Vou ser bem egoísta agora. Apenas me ignore se for melhor.
-Me diga.
-Você pode viajar comigo?
-Eu vou com você para qualquer lugar.
Eu nunca tinha me sentido tão feliz. Eu queria lhe abraçar, foi o que eu fiz. Ele riu, seu peito chacoalhando. Respirei fundo seu cheiro, maltando as saudades. Ele me acolheu, e ambos caímos em minha cama. Ele passou os dedos em meu rosto, em meus lábios e eu esperei que ele me deixasse permanecer para sempre ao seu lado.
Eu sentia agora... A sensação de estar recebendo algo. Um presente, e eu queria muito guardá-lo comigo para sempre. Eu não podia ser novamente estúpida de me entregar à sentimentos frios, dúvidas ou simples inseguranças. Eu precisava ser honesta, e eu sabia que ele estaria ali. Ele tentaria comigo se eu tentasse com ele.
-Mas já quero pedir desculpas por amanhã... -Ele disse e eu lhe encarei com o cenho franzido, um sorriso em meu rosto. -Você vai ter que me aturar lhe enchendo o saco.
-Está desculpado.
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