James os conduziu às pressas até o grande salão, erguendo suas mãos a cada pórtico que passava, selando-o com magia. Não havia mais ninguém a não ser patrulheiros por aqueles corredores. Aparentemente, a concentração estava toda nos locais onde o grupo se destinava a chegar.
— SEBASTIAN! — chamou o Sr. Jordan aos berros.
Um sujeito coberto por uma armadura de placas completa se aproximou. Por trás da viseira do elmo, sua voz ecoou cansada e rouca como a de um ancião.
— Meu senhor?
— Leve-os ao grande salão e ajude os serviçais a carregar os insumos do armazém — ordenou o professor, soltando o pulso de seu aluno e empurrando-o na direção do outro oficial. — Por favor, chame Valentin para me ajudar a selar a ala leste!
— Sim, meu senhor!
Harry abraçou o irmão, sem demonstrar qualquer pretensão de deixar novamente seus braços.
James puxou um talismã de seu pescoço e, com a mão na empunhadura de seu glorioso sabre, ele partiu para outro corredor sem mais encarar aqueles jovens. Era evidente o quão agitado ele estava naquela noite.
— Venham comigo, jovens — solicitou o oficial designado a conduzi-los.
Uma cena triste e assustadora parecia os aguardar no grande salão. O desespero parecia preencher aquele amplo espaço.
Pessoas choravam de um canto a outro, algumas apenas encaravam os arredores estáticas e com profundo temor nos olhos, outras estavam tão assustadas que nem sequer esboçavam reação em seus rostos. Guardas e professores tentavam acalmar centenas de alunos e moradores, o que estava sendo uma tarefa complicada.
Pelos arredores, os alunos mais jovens choravam e os mais velhos tentavam os consolar. Os veteranos pareciam estar acostumados com aquilo.
Artur puxou o irmão para longe da região mais tumultuada do salão e encostou-se no meio de uma parede lateral. Seus amigos os seguiram.
Mesmo com os gritos e o falatório desgovernado, ele ainda conseguia escutar as portas, as janelas e os alçapões se fechando por todo o castelo em diferentes direções. Os professores traziam cada vez mais remessas de pessoas para o cômodo, o deixando cada vez mais intransitável. Nunca vira aquele lugar tão cheio, tão alvoroçado. Era de dar pânico a qualquer ser humano.
De repente, Robert Winston entrou no salão, como sempre, cercado por seus guardas. Ele subiu em algo que parecia um palanque improvisado, pegou no bolso da veste o seu anel encantado e falou com sua voz amplificada:
— Acalmem-se, por favor! — Ele deu uma pausa. — Estão mais calmos? — O silêncio foi tomando lugar, e o portão do grande salão foi lacrado. — Muito bem, então. Estamos sendo atacados essa noite.
Rapidamente as vozes foram poluindo o silêncio, alunos falando com outros assustados, o caos estava se instalando novamente.
— SILÊNCIO! — gritou Robert com extrema rispidez.
Com aquele anel, sua voz soou dolorosa nos ouvidos de Artur. Como um toque de mágica, o caos cessou instantaneamente. Diante do novo cenário, com um pouco mais de paciência, o diretor retomou a fala:
— Seguiremos o protocolo para a segurança de todos. Os novos alunos ainda não passaram por isso, mas é melhor já irem se acostumando.
— Se acostumando? — mussitou Kelly ao lado.
Dava para sentir de longe a inconformidade expressa em seu tom.
— Já é de conhecimento geral… que somos constantemente atacados por um inimigo em comum. Hoje estamos passando por um ataque periódico vindo deste ser, alguns chamam isto de ‘noite de tormenta’ e outros de ‘o nevoeiro’. Geralmente conseguimos calcular o momento de sua chegada, já que ele tende a aparecer uma vez a cada seis meses. Entretanto, não conseguimos prever agora, já que este veio bem mais cedo do que o esperado.
“O fato, é que não podemos, em hipótese alguma, sair durante noites como essas, pois o nevoeiro carrega qualquer pessoa que o toca e esta não retorna nunca mais. Ele é uma entidade do caos, uma força bruta e indomável que obedece somente a ele, o demônio.”
Murmúrios de pânico ecoaram por todo o salão.
— Pedimos a todos, em noites como essas, para dormirem aqui no salão ou no refeitório. Ambos são redutos extensamente fortificados e enfeitiçados para nos proteger e nos isolar dos perigos externos.
— E… quando esse ataque acaba? — perguntou Kelly com força na voz. — Quer dizer… quando esse nevoeiro vai embora?
— Ele se dissipa ao longo da noite. Provavelmente já de manhã abriremos os portões. Até lá, quero que fiquem aqui em segurança. Guardas patrulharão o átrio do castelo e o portão do grande salão para que ninguém saia.
“Vocês receberão cobertores e travesseiros para que possam dormir essa noite. As atividades de amanhã estão todas suspensas até segunda ordem.”
Ele retirou o anel encantado, o guardou em seu bolso, desceu do palanque e saiu pelos portões do salão com seus guardas rumo ao refeitório para passar a mesma mensagem aos lá confinados.
Aquela noite que começara tão serena, estava se tornando um grande pesadelo de uma hora para outra.
— ATENÇÃO! — gritou Eva Ruth, batendo palmas. — Quero que abram espaço no meio para facilitar o fluxo! Vocês receberão, dentro de instantes, insumos para dormir. Não quero um pio durante a madrugada!
— Isso é loucura! — exclamou Kelly aos amigos.
— Isso é Rostwood — respondeu Scott, encarando o tremular dos lustres enquanto segurava seu colar luminoso com firmeza.
O pingente do artefato estava apagado.
Ainda chocado, Artur observava os alunos ao redor se acomodarem.
— Como pode isso ser considerado algo normal? — murmurou.
Vários veteranos se acomodavam entre os lençóis com naturalidade, como se aquilo não passasse de mera rotina na vida deles. Como diabos alguém conseguiria dormir em uma noite como aquela?
Após receber um travesseiro e um fino cobertor, o menino encostou-se na parede e abraçou o irmão, o qual escondia o rosto em seu colo. Deveria estar com medo de toda a situação.
— E… — murmurou Harry —, e se ele entrar aqui?
— Isso não vai acontecer — respondeu o irmão. — Estamos seguros!
— Mas… mas ele… tá por toda parte! Tá no castelo! — exclamou o irmão, derramando lágrimas de pânico em suas vestes.
Artur o abraçou com mais força e alisou seus cabelos despenteados. Não era aquilo que o menino Allen queria que ele visse ali, o que ele sentisse. Por que tinha que ser assim?
— Vai ficar tudo bem. Eu vou te proteger! Eu prometo! — sussurrou ele, fechando seus olhos enquanto o aquecia. — Te-tenta dormir, tá bom?
— T-tá!
O salão, então, escureceu. Após um grande período de murmúrios veio a calmaria. Os roncos e os passos dos guardas eram as únicas coisas que cortavam os ruídos agourentos do nevoeiro do lado de fora, o qual emitia sons tenebrosos parecidos com resvalos nos vitrais e sussurros distantes.
Pessoas dormiam no chão e nas mesas, alguns deitados e outros sentados, assim como Artur estava posicionado.
Ele não conseguia dormir mediante aquela situação tenebrosa e sentia que outras pessoas próximas a ele também passavam pela mesma situação, dentre elas, alguns dos seus amigos.
Artur acariciou os cabelos castanhos do irmão e, por um momento, se culpou por ele ter que passar por aquilo. Que situação era aquela em que o colocara? Se ao menos tivesse vindo sozinho, estaria mais tranquilo.
Enquanto ouvia atentamente o nevoeiro batendo nos vitrais do teto do salão, o menino se perguntava se aquela coisa sabia que eles estavam ali.
Havia vários alunos indefesos aglomerados naquele lugar, aqueles vitrais tinham que aguentar. Era possível ver inúmeras mãos tocando o outro lado da vidraça. Ele parecia tentar entrar de algum jeito, seria um prato cheio de vítimas.
Era possível escutar murmúrios de preces pelo ambiente e o soluçar de choros. Era possível escutar os gritos distantes dos guardas lutando para manter isolada a ala em todos estavam refugiados.
— O castelo tem várias proteções, nada vai entrar aqui — sussurrou Kelly.
Artur não sabia se ela falava com ele ou se falava sozinha. Nem conseguia vê-la naquela escuridão. Arriscou não responder.
Azaroth é mesmo muito poderoso, pensou ele, retirando algo do bolso. Mas não é invencível, concluiu enquanto estudava, durante um bom tempo, a adaga prateada e adornada que seu pai o dera. Aquela magnífica arma era uma insígnia de ousadia que marcara o dia que dera adeus a Calvária.
Ele apertou aquele cabo, como se assim pudesse extrair do objeto aquele sentimento.
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