Em minha vida anterior não comemorei aniversários, eu nasci e morei grande parte dentro de um hospital e fui perdendo quem amava ao longo dos anos, até que me restou passar meus dias de comemoração de nascimento sozinha. É estranho agora eu estar sentada em uma poltrona acolchoada verde musgo, agradeço mentalmente a babá por ter escolhido um vestido simples e fresco para usar dentro de um salão sem um ar condicionado. Talvez quando eu me tornar mais velha, posso inventar um jeito de ter ar condicionado e não precisar mais passar calor com as roupas dessa era. Os convidados estão brilhando com suas jóias e roupas com glitter, ou pelo menos eu acho que é glitter. Parando para pensar, o verde da poltrona me dá medo, se tiver arsênico nos verdes da poltrona e vestidos me atrevo a dizer que o tempo de vida desta reencarnação será curto.
Olho para Trun que fica afastado alguns centímetros de mim, ele parece incomodado com algo da festa.
— Tem algo estranho em meu rosto? — ele pergunta mantendo a distância —
Nego com a cabeça, por ser uma bebê com a mente de uma mulher não pude suportar ter um desenvolvimento lento, comecei a andar com oito meses e ao mesmo tempo fazia gestos para demonstrar que entendia boa parte das coisas, negar ou mostrar o que quero se tornou normal. Aceno para Trun se aproximar, por não ter pediatras a restrição alimentar para os bebês não existe, ou seja, posso comer bolo de chocolate com um ano.
— Não vou me aproximar de você, essa coisa tem cara de ser venenoso e se você cair morta por envenenamento não vou querer ser a próxima vítima.
Pelas falas de Trun desde que o conheci percebi que ele também é um reencarnado, o que não tira a possibilidade de ter mais pessoas como nós pelo mundo. Não sei ao certo sobre as pessoas reencarnadas, se eles forem leitores vão saber o curso da história e como nasci, terei eles como inimigos, se eles forem apenas cores que ganharam uma nova oportunidade sem saber do curso da história, sobreviverei sem ter tentativas de assassinato.
Aceno novamente para Trun o fazendo revirar seus olhos tediosos e se aproximar de mim.
— Garota, espero que você não vomite sangue em cima de mim, ou terei que te jogar de uma janela — gentil como sempre — o que você quer?
Aponto para o enorme bolo de chocolate de três andares decorado com borboletas de suspiro, minha boca saliva por aquele bolo.
— Você é um bebê, acabou de fazer um ano — ele toca a poltrona verificando se iria morrer cedo — te dar açúcar precocemente vai afetar seu desenvolvimento, não quero ser o culpado — ele funga a poltrona — quer saber o lado positivo? A poltrona é feita de um verde não mortável, parabéns! Você vai poder passar mais um dia sem morrer e quem sabe chegar aos quatro anos de idade.
— Bu ba du — cinco anos de idade e continua sendo um idiota —
— Pra você também.
Decido por mim mesma descer da poltrona e ir andando para ter enfim meu bolo, se eu me jogar em cima dele me lambuzando não será uma ação vista como ruim, afinal eu sou uma criança ainda, mesmo que seja somente em corpo. Para chegar ao bolo tenho dois problemas, a pequena escada que divide o salão da minha poltrona e o maior problema de todos é não ser pisada por um monte de adultos até finalmente conseguir me jogar no paraíso doce. Dou meu primeiro passo para descer a escada e esqueço que as pernas de um bebê são curtas, o tempo ao meu redor desacelera e vejo em câmera lenta meu corpo caindo em direção aos degraus restantes, ele irá rodar e girar e quando chegar ao chão estarei completamente machucada. A única coisa que consigo pensar é fechar os olhos e implorar para desmaiar, assim não sentirei tanta dor dos impactos. Fecho meus olhos violentamente, meus punhos agora estão agarrados na barra do vestido, tudo volta a ser rápido quando um par de mãos me seguram pela cintura e me levantam para embaixo de um suvaco.
— Você realmente não me escuta — Trun fala friamente enquanto me carrega novamente para a poltrona — eu sei muito bem que consegue compreender o que falo, então trate de me escutar! Você é um bebê, não consegue fazer a mesma movimentação da sua vida passada. Não sei quando morreu e nem sua idade de antes, mas nesta vida você precisa aprender que tudo tem um tempo certo, está tudo bem depender das pessoas e — ele suspira — tente ao menos não arriscar tanto a sua existência — ele se levanta se pondo em minha frente — se quer tanto a droga do bolo, eu vou pegar e você tem que ficar quieta sentada nessa poltrona suspeita, se tentar descer aquelas escadas eu juro que dessa vez vou te chutar para descer elas mais rápido possível de dando uma viagem direta para o mundo colorido.
Então o impacto veio, Trun sabia do mundo colorido e ele sabia que eu tinha memórias da vida passada. Não sei ao certo o que pensar, devo me assustar ou deixar o rio fluir? Não é como se todos que reencarnam são leitores de novelas digitais ou histórias mirabolantes, tem uma pequena chance de Trun não saber que sou a vilã ou que este mundo não passa de um enredo contado para favorecer os protagonistas, afinal de contas um vilão será sempre um vilão quando lido do ponto de vista do herói.
Recebo um prato com um imenso pedaço de bolo.
— Você tem seu bolo, trate de ficar quieta no seu canto — ele retira um pano de seu bolso — coloca embaixo para não sujar seu vestido caso derrube.
Tento utilizar minha coordenação motora e falho.
— Merda, esqueci disso — ele pega o prato com sua mão direita enquanto coloca o pano em meu colo pondo o prato em cima — você vai precisar de uma colher — ele fica pensativo — garota, você sabe ao menos segurar uma colher?
Segurar uma colher é fácil, o difícil é conseguir pegar comida com ela e levar até a boca com uma coordenação motora de um bebê sem derrubar tudo.
— Pensando bem, não quero seus pais brigando comigo depois por deixar a filha deles suja de bolo.
Trun rapidamente pega uma colher, ele corta um pequeno pedaço da fatia de bolo e come. Eu definitivamente odeio esse garoto.
— Melhor eu comer esse bolo, faz mal para um bebê — ele retira o prato do meu colo, se agacha para ficar próximo — diga AH — me sobe a raiva intensa pela garganta, mas devo agradecer por pelo menos comer o meu sonhado bolo.
No decorrer da festa meu cérebro implorou para que tudo acabasse.
— Minha filha é linda — meu pai me levanta para o alto em cima de uma mesa mostrando para todos a linda bebê que sou, deus sou eu, por favor me deixe reencarnar novamente agora.
— Querido desça dessa mesa — ele desce e mamãe me pega no colo — minha filha perfeita — ela sobe na mesa — olhem a perfeição da minha criança — alguém por favor me mata.
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