A água chama pelo o meu nome, me convida a entrar, mas eu sei que se eu atender ao chamado, será a última coisa que eu vou fazer. – AMIRA YASIMA
O Palácio de Mármore era a maior construção em todo o Continente.
O prédio era esculpido com os mais exóticos detalhes, com grandes janelas e entradas e uma posição que favorecia o seu brilho quando o sol nascia e os raios refletiam nas paredes de pedras preciosas.
Aquele lugar era digno de um Rei. E era a morada de um Rei. Contudo, nas últimas semanas deixou de ser.
Não havia mais Rei, tinha rainha, tinha princesa e príncipe, mas não Rei. O que deixou o lugar que era normalmente brilhante e maravilhoso, abandonado e sombrio.
E isso deixava o lugar solitário, pelo menos para Amira Yasima, o luto fez com que os sons cessassem, e o silêncio trazia para ela outros tipos de monstros.
Ela estava em seu quarto, em uma das torres do Castelo, na sua varanda, olhando para além das muralhas e imaginando como poderia passar por todos aqueles obstáculos.
No meio de sua introspecção, ela escutou uma voz baixa e irritante no seu ouvido.
-Essa é uma péssima ideia. – A voz disse. – Da última vez que você fez isso, sua mãe descobriu. E seu castigo foi maior que a recompensa por ter saído das muralhas.
Amira se forçava a ignorar a voz, não deixando ela se infiltrar na sua mente. Também não olhava para o autor daquele som, com seus olhos fixados em um ponto.
A voz, porém, continuava.
-Eu não sei porque você nunca me escuta, estou sempre certo.
A voz já sabia que Amira fugiria, Amira já sabia o que ela faria. Agora só faltava a coragem o suficiente para realizar seu plano nefasto.
Amira fechou seus olhos e respirou fundo.
Quando abriu de novo, seu corpo já estava fora da cadeira recrutando todos os objetos necessários.
- Que tolinha. – A voz disse com desaprovação. – Tudo isso só causará um grande risco para você. Estou ficando cansado de protegê-la, você sabe.
A resposta ficou na ponta da língua, pronta para ser dita, para responder afiada, porém, Amira se controlou, era sempre assim, ela o ignorava, não reconhecia sua existência, e a voz a irritava, a provocava tanto que ela não conseguia se controlar.
Amira percebeu que aquela voz, necessitava tanto quanto ela de atenção, odiava ser ignorado. Porém, para Amira ignorar sua existência era uma questão de sobrevivência, ninguém jamais poderia saber.
Amira iria se aventurar por além dos portões. Essa aventura, contanto precisava de alguns equipamentos.
Amira começou a procurar pelo quarto pelas coisas que precisava, ela parou em frente a sua estante e pegou um livro, um livro que guardava entre as páginas, o papel que precisava, que continha as informações do próximo lugar que tentaria encontrar resposta.
- Ah. – A voz disse. – E ela vai fazer isso mesmo.
Com o papel, Amira trocou de roupa para um vestido mais simples. Pegou uma faca, uma arma para momentos de necessidade, e isso era tudo o que precisava, a próxima coisa que sabia era que ela estava abrindo a conveniente porta- secreta em seu quarto que dava para túneis que atravessava o Palácio de Mármore.
-Eu nunca deveria ter dito sobre essa passagem. – A voz falou. – Isso me pouparia de muito estresse.
Amira não respondeu, ela passou pelo batente da porta e entrou para o túnel escuro.
¨¨¨¨¨¨¨¨¨Amira podia ter sido muito protegida durante sua infância, contudo, quando amadureceu ela descobriu artifícios necessários para sair de toda aquela proteção.
Dito isso, ela conhecia a Capital mais do que poderia admitir para sua família. Já foi nas ruas principais, conheceu as maiores lojas, e aproveitou tudo isso, sozinha. Bem, não totalmente sozinha, além daquela irritante e incansável voz que a perseguia, Amira também levava sua melhor amiga Freya, mas, naqueles últimos tempos, Amira estava pouco sociável, colocando uma distância entre sua amizade.
Se Freya descobrisse que Amira tinha saído sozinha, ela enlouqueceria, sua amiga não tinha o senso de aventura que Amira.
Amira conferiu mais uma vez o endereço de seu objetivo, ela andou pelas vielas e teve a horrível percepção que estava escurecendo.
Ela percebeu isso, e sentiu um temor muito grande, ficar sozinha além dos horários do sol? Aquilo seria um problema.
-Eu falei para você não fazer isso. – A voz disse baixa, até mesmo um pouco preocupada, perceber isso deixou Amira ainda mais aflita. – Mas, você não me escuta, escuta?
Amira engoliu seco. Ela parou em frente ao prédio que queria ir desde do começo do mês.
Abriu a porta e entrou.
A primeira coisa que percebeu foi o cheiro de incenso, fumaça e de mofo pelo lugar estar fechado. Amira andou devagar enquanto seus olhos analisavam o lugar, as paredes eram decoradas com quadros e desenhos de pessoas.
Existia sofás e cadeiras, e tudo estava vazio. O lugar era sem cor, com pouca luz, dizer que Amira estava desconfortável era o mínimo.
Não muito tempo depois, Amira escutou passos, uma mulher saiu do corredor, uma senhora nos seus quarenta anos, com roupas bufantes e muitas peças em cima das outras.
O olhar da mulher para Amira fez a menina tremer, Amira engoliu seco, não querendo estar só querendo sair dali, mas, ela tinha que cumprir seu objetivo, ir até o último lugar que precisava.
-Vamos, Amira. – A voz disse. – Vamos sair daqui. Você sente que tem algo de errado. Você está sozinha. Por favor.
Amira não escutou a voz. Ela continuou olhando para a mulher loira, que sorriu para ela
-Boa noite, senhorita. – A mulher disse depois de olha-la. – Você não quer entrar? Poderei atender melhor lá dentro.
A mulher apontou para dentro do corredor.
Amira olhou para o lugar escuro e todos seus instintos diziam para não entrar, ela sabia que era suspeito, sabia que podia ser muito perigoso e também sabia que sua vida era preciosa demais para ser colocado em risco dessa maneira. Se sua mãe soubesse das péssimas decisões que Amira estava fazendo....
Amira deu um passo para frente.
-Não, Amira. – A voz gritou. – Você está cometendo um erro. Volte. Volte.
Amira não deu atenção. A voz suspirou alto.
-Você vai se matar. – Ele disse, Amira tremeu.
Mas seguiu a mulher do mesmo jeito.
¨¨¨¨¨¨¨¨
-Então, o que eu posso fazer por você? – A mulher perguntou. Amira olhava desconfiada para mulher, ela estava sentada na cadeira, e no extremo da mesa a fonte de toda sua desconfiança.
Amira pigarreou, a voz tinha sumido. E algo de errado ainda afligia Amira, ela falaria o que queria e sairia logo daquele lugar.
-Eu já fui em praticamente todos os curandeiros, pajens, médicos, e até.... – Amira começou. – Conhecedores das artes ocultas. Mas, até agora eu não tenho resposta para minhas perguntas. E nem o nome da minha doença.
A mulher levantou os olhos, meio surpresa com o pedido, meio desconfiada da situação.
-Não posso dizer que resolverei seus problemas, mas, posso te garantir que tentarei.
-Péssima ideia. Você poderia voltar para sua caminha confortável, querida. – A voz falou. – Essa mulher não tem respostas. Ninguém tem. A não ser é claro por mim.
-Você sofre por alguma enfermidade, então. - Mulher se aproximou, colocando um pouco do corpo em cima da mesa olhando para Amira.
Amira estava cansada daquilo, ela não tinha mentido, passou por tantas pessoas, querendo descobrir o que tinha de errado com ela, e acima de tudo, como cura-la, porém, tudo era em vão, e dava nenhum resultado.
Amira olhou para o corpo da voz, aquele homem, aquele ser que tem a perseguido mais anos que ela consegue contar, desde que ela se lembra.
-Ah, sim. Eu tenho sofrido muito. – A voz virou um pouco a cabeça. – Tenho sofrido bastante, durante muitos anos.
-Um pouco ofensivo, não acha? – A voz disse. – Eu tenho sido seu companheiro constante.
- E quais são seus sintomas? Assim poderei eliminar as opções. - A mulher analisou seu corpo. – Superficialmente, não vejo nada de errado.
Aquela mulher não era médica, depois de tantas pesquisas, Amira percebeu que seu problema talvez não seja na área da medicina, talvez seja magia, talvez Amira tinha sido amaldiçoada, talvez tivesse sido possuída, as opções eram imensas, e aquilo criou esperança no coração de Amira uma vez que tinha perdido todas na área da ciência. Nem os melhores médicos, curandeiros, cientistas, conseguiram explicar com seu objeto de estudo.
Amira tinha fé na magia. Quer dizer, ela tinha fé, pelo menos no agora. Era cansativo, no entanto, sempre chegar na expectativa, e ser incansavelmente desapontada.
-O meu problema não é físico. – Amira disse. – Minha doença não está no corpo. Está na minha mente. Tem algo de errado com minha cabeça.
A mulher arregalou os olhos.
-Eu não entendo, menina. O que te leva a achar, que uma simples bruxa conseguiria resolver um problema na mente, o lugar que é mais complexo para resolver.
Amira engoliu seco.
- Eu tenho fortes suspeitas que o problema não seja uma doença no conceito mais simples da palavra. Meu problema pode ter origens, e ser resolvido por magia.
- Entendo. – A mulher falou. – Poderia me dizer os sintomas?
Amira olhou para a voz. A voz a observava com as sobrancelhas arqueadas.
-Alucinações, na maior parte. – Amira disse. – Eu vejo coisas que ninguém mais vê. Coisas que na maior parte não existe. Tenho apagões, às vezes minha mente desliga.
Amira não parava de olhar a voz.
-Eu tenho isso desde criança. Mas, recentemente, os episódios tem sido mais recentes, mais fortes, mais difíceis de distinguir a realidade para o que está só na minha mente. Isso tem que mudar, principalmente agora.
-Por que agora? – A mulher perguntou. A voz ficou tenso, ele balançou a cabeça.
-Não, Amira. Não, responda o porquê. – A voz falou.
-Por motivos pessoais. – Amira disse.
A mulher concordou com a cabeça. Se levantou da cadeira e começou a mexer nas prateleiras e gavetas dos armários.
Ela tirou de lá uma lâmina, Amira e a voz tensionaram, ela arregalou os olhos.
-Amira, ela tem uma faca. Uma faca, Amira. Você está em perigo.
-O que vai fazer com essa faca? – Amira perguntou com a voz baixa.
A mulher pegou uma tigela, sacolas e até um livro.
-Os seus sintomas não são o suficiente para me mostrar a causa, porém, eu posso fazer um feitiço simples para tentar descobrir se você foi, enfeitiçada, amaldiçoada e até envenenada.
-Não me respondeu para que precisa da faca. – A mulher deu de ombros.
-Preciso do seu sangue. É necessário para o feitiço.
Amira olhou para as coisas que a mulher arrumava. Perguntando para si mesmo se valia a pena ficar por mais alguns momentos, ela já estava ali, se voltasse ao Palácio demoraria semanas até outra oportunidade como essa. Mas, Amira não era burra, ela sabia que não valia a pena a arriscar a própria segurança. Então, ela não tinha noção sobre a palavra própria para descrevê-la, uma vez que arriscaria mesmo assim.
A mulher se sentou na cadeira de novo, a faca na mão, uma tigela em cima da mesa, a mulher estendeu a mão, pedindo pela a de Amira.
Amira olhou para a palma da mulher, e olhou para a voz.
Não devia ter feito isso, Amira sabia qual era a opinião da voz desde que saíra do Palácio, que aquilo era estupido, perigoso, idiota. A voz a olhava com desaprovação, e balançou a cabeça negativamente.
-Não faça isso. – A voz falou baixo, pedindo. O olhar de Amira voltou para a mulher.
Ela entregou a própria mão.
A mulher olhou para as mãos de Amira, franziu as sobrancelhas e depois olhou para ela de novo, cruzaram um olhar, porém, em um segundo o momento passou.
A mulher pegou uma faca.
A voz fechou os olhos fortemente, a mulher passou a faca na palma de Amira, ela arregalou os olhos e soltou um silvo de dor, o sangue vermelho límpido escorreu pela palma e no momento em que encostou na tigela o sangue queimou e tudo o que saiu foi fumaça, não uma fumaça de cor normal, mas preta, tão escura quanto carvão.
A mulher ergueu as sobrancelhas soltando a mão de Amira, ela parecia surpresa.
-Que interessante. – A mulher disse. – Fumaça preta, faz tempo que não vejo dessa cor.
-E o que isso significa? – Amira perguntou sem poder conter a ansiedade.
-No momento, só que você é especialmente adepta para magia. Existem pessoas que fazem esse ritual, mas em que o sangue á fraco, não reage, e se isso acontece não tem como eu encontrar respostas. – A mulher olhou para Amira e deu de ombros. – Com você não teremos esse problema.
A mulher começou a jogar coisas na tigela e a cada elemento que caia, um barulho de soava, como se água fosse jogado em uma chama ardente. A mulher pegou uma pequena vareta e começou a mexer no que estava dentro da tigela.
Depois que ela termina, deixa a tigela de lado, tira as coisas que estavam em cima da mesa e volta com quatro objetos.
-O que vamos fazer é simples. – Ela diz. – Vou colocar esses quatro objetos oposto um aos outros.
Ela pegou emblemas, Amira percebeu, quatro emblemas conhecidos por ela, insígnias que eram famosas por seu significado, o símbolo de alguns dos principais deuses.
Um círculo preto, com o desenho de uma espada com sangue escorrendo para o Deus da Guerra e do Ódio, um círculo dourado com um sol brilhante e seus raios espelhados que faziam menção ao Deus do Sol e da Luz, um círculo colorido, azul claro e escuro com uma grande borboleta que tomava todo o espaço para representar a Deusa da Vida e do Espírito, e por fim, um círculo vermelho, com o desenho anatômico de um coração, para o Deus das Emoções.
Amira os sabia de cor.
-Cada um deles significa uma coisa. – A mulher continuou, - Vou colocar seu sangue no centro da cruz, e o líquido vai ser atraído pelo o que tiver sido contaminado. Ser for para o preto, naturalmente significa maldição, para o dourado benção, para o azul significa feitiço e o vermelho quer dizer que não houve nenhuma magia, e que tudo está na sua cabeça.
Amira olhou para os símbolos e engoliu seco.
-Não vai funcionar. – A voz disse. – Como sempre acontece.
Amira se inclinou para frente e colocou as mãos em cima da mesa.
Os objetos já estavam espalhados e a mulher com a tigela na mão deixou escorrer todo o sangue para a mesa.
Amira notou que o sangue estava preto. No primeiro instante o sangue se concentrou no centro. Amira esperou pela resposta, para que o sangue se dirigisse a algum lugar.
Então, ele se moveu. Minimamente, um filete do liquido começou a sair do conjunto, o fileto tomou a direção da insígnia dourada.
Amira sorriu, um pouco aliviada.
Benção. Era a primeira informação que Amira tinha em muito tempo de busca.
-Bom, parece que já temos nossa resposta... – A mulher começou.
-Espere um pouco. – A voz falou para Amira. – Veja agora.
Então, ela viu o feitiço a enganar mais uma vez.
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