O solavanco da carruagem ora incomodava ao ponto de deixar sua bunda dormente, ora era tão suave que pareciam estar numa viagem de luxo.
Isso acontecia porque o caminho que percorriam era tão longo, que precisavam passar por diversos tipos de estradas. Estradas retilíneas e lisas nas estepes, estradas rochosas e rugosas em ravinas e pés de montanhas e partes dos ermos mais áridos, onde o chão estava bem mais desgastado que o resto. Tudo isso, apenas dentro da zona por onde o grande rio Iugara percorria. A região até o Oeste era vasta e cheia de diferentes superfícies para percorrer, o que também os permitiam observar vários tipos de cenários, como atualmente.
Era início da manhã, o céu estava leitoso, e o sol estava só começando a dar vestígios de que estava para nascer. Uma névoa tímida roçava em cima da grama e entre as carroças estacionadas do comboio. Eram mais de quinze carroças, parada em fila indiana, os elefantes anões de grande porte dormiam tranquilamente próximos a elas, as tapeçarias que cobriam suas cabeças acumulavam gotículas de água acumuladas do toque da névoa. Aos poucos, sinais de vida começaram a sair do comboio, as portinholas altas das traseiras das carroças começaram a abrir timidamente, permitindo os pequenos comerciantes experimentarem o ar úmido e frio da manhã. Vestindo pesadas capas e longos turbantes em volta da cabeça e pescoços, eles esmagaram a grama molhada em seu caminho com sandálias de couro até os animais e carga.
Com gentileza, deslizaram as mãos ásperas na cabeça dos elefantes com gentileza, ganhando um olhar sereno dos animais que acabaram de despertar, e então ajeitaram as tapeçarias caídas de lado em seu rosto, muitos começaram a pegar as caixas de madeira e os sacos de grãos, com rações especiais para alimentá-los. Enquanto os homens reuniam os animais numa fileira para distribuir rapidamente os alimentos, os outro preparavam as cordas de condução e correias de couro escuras, para quando chegar a hora de se moverem. E também, ao mesmo tempo, os outros interinos nas carroças iniciaram os preparativos para o desjejum rápido antes de mais várias e várias horas de viagem pelos ermos.
Olhando para o horizonte onde colinas verdes ocultavam o que havia além, os carroceiros admiraram mais uma vez o milagre de outro nascimento do sol, aquela esfera vermelha de brilho intenso, o seu deus mais querido e precioso.
Então, elefantes foram alimentados, acariciados, e presos nas correias com as cordas de condução já ligadas às braçadeiras, e todos os comerciantes e viajantes pegando carona no comboio já terminavam seu desjejum. O som dos sopros das trombas e da madeira estalando com a subida de temperatura agradável devido ao sol nascente subiam, a viagem estava prestes a recomeçar.
Pelo segundo dia, o comboio seguia até o oeste da região áurea do Império de Krista, quanto mais ao oeste você ia, tudo ficava mais caro, era o senso comum entre aqueles que não tinham muito contato com as proximidades da capital, e apesar de ter um fundo verdadeiro, não era bem assim, pois na verdade, apenas aquela região se concentrava a riqueza, era onde quase todas as estradas comerciais se convergiam, por isso, tanto era fácil perder dinheiro quanto ganhar, eles estavam ficando cada vez mais distantes da tranquilidade e simplicidade calma do leste para um agitado caldeirão de burocracia e sonhos de glória que residiam em volta da maior cidade do mundo.
Mas dentro de uma das carroças traseiras, no meio do chacoalhar de madeira passando por uma estrada terrosa, os quatro não se importavam sobre nada disso, focados apenas em seu pequeno núcleo e objetivos um tanto quanto claros, e por isso, sua preocupação atualmente era apreciar a vista do horizonte naquela manhã gloriosa. Uma fileira de montanhas ao norte se acinzentava, parecendo tão distantes que lembravam uma ilusão, mas aquela muralha gigantesca existia, e em algum lugar por lá, o maior de todos os dragões estava se espreguiçando dentro de uma gruta cheia de ouro. O pensamento disso fazia a cabeça da raposa coçar, mas a vista das colinas, o mar de verde, e arvoredos que ocasionalmente passavam e ainda serviam para distraí-lo, apesar de que não faziam mais tanto efeito quanto antes.
E por causa disso, o tédio foi lhe empurrando cada vez mais para o desejo de querer conversar, o que era um pouco difícil, já que com ele, naquela traseira de carroça semicheia de caixotes e sacos, seus três companheiros de viagens eram complicados de puxar assunto; um espadachim mal vestido e mal cheiroso que bebia direto da garrafa meio litro de rum sozinho, de costas para uma pilha de caixas, de algum jeito se sentindo confortável com os solavancos casuais, o outro estava sentado na beira da traseira contra o parapeito de madeira, admirando a paisagem, mais aprofundado nela, e ele não era nem um pouco a favor de conversa, aparentemente, talvez por seu mal humor rotineiro ocasionado por um fato curioso, ele não queria estar ali. Por fim, o quarto... ele não era exatamente alguém difícil, apenas, era aconselhado a não puxar assunto com ele, pois o garoto kristano poderia tirar dele mais informações do que a criança gostaria de dar, porém, quanto mais o tempo passava, o tédio corroía aquele senso de autopreservação de informações, apesar de que todos ali sabiam que conversar com alguém que já havia prometido tomar de volta seu dinheiro, não era uma das melhores ideias.
A atmosfera era desconfortável para o próprio Jhon, que desde o dia anterior, tentava inutilmente, pelo menos, quebrar aquele ar de tensão que haviam criado apenas por ainda não confiarem totalmente uns nos outros.
Olhando com certa timidez na direção do seu companheiro de viagem em pé, sentiu-se pressionado a ignorar a sensação de desconfiança voltado a si, mesmo que acabasse sendo contraproducente.
- Não é meio cedo pra beber tudo isso de rum? - Jhon comenta.
Tomando mais um gole na garrafa, apenas um leve olhar significativo foi voltado na direção do kristano, que assentiu sem graça, forçando um sorriso cordial sem efeito.
E voltando a ignorá-lo, o silencio continuou. Até que a raposa se esparrama no chão, abrindo seus braços.
- Aaaaahhhh! Gente grande é tudo desesperançoso e chatos assim? – ele exclama, se virando e apoiando a cabeça sobre um dos braços. Recebendo nada além de olhares desdenhosos e um sorriso sem graça, ele retirou de dentro do kimono um pequeno pedaço de papel dobrado, que desdobrou até estar segurando com as mãos o pequeno mapa que conseguiu na alfandega de Culleir. Um pequeno mapa de toda a zona áurea, sem muitos detalhes, que usava para se acentuar na geografia do lugar pela primeira vez, o lugar onde nasceu há vários anos e só agora teve a chance de conhecer melhor. – Mais três dias além desse entalado numa caixa de madeira andando no meio do nada com um bêbado, um lacaio de um tiozão e um kristano estúpido. Que maravilha.
- Estamos ouvindo. – Nattan apontou.
- Ainda bem. – O garoto retruca, guardando o mapa dentro da roupa outra vez.
- Bem... achei que você estaria focado demais na viagem pra querer conversar. – Comenta Jhon.
- Eu achei que seria uma viagem superdivertida, com monstros aparecendo toda hora, passando por um monte de cidades incríveis e um monte de bandidos fazendo merda pra gente vencer.
- Se uma mera viagem de negócios para o oeste fosse assim, não daria pra existir civilização em Krista. Seria um caos. – Jhon aponta.
- Esse lugar já é um caos.
- Um caos organizado.
- Pft...
- A realidade sempre tende a ser decepcionante, Fyrr. Não gosta da paisagem? – o kristano comenta, perdendo seu olhar na cena além da traseira descoberta da carroça.
Sem graça, a raposa coça o nariz com o mindinho, apoiando a cabeça com um dos braços enquanto deitado de lado.
- Só tem colinas, pinheiros e um monte de grama, vez ou outra um dos afluentes do rio aparecem, não tem nenhuma grande coisa pra olhar além disso. No começo foi legal, mas já encheu o saco. – Ele seguiu dizendo, ignorando os olhares cautelosos que os seus dois guarda-costas enviavam a ele durante a longa troca de palavras com o kristano.
- Se você está indo pra floresta Mahatma, realmente não tem nada interessante no caminho, afinal de contas, só tem prado ao redor dela, também, no geral, não existem muitas cidades no nordeste e norte, já que são regiões entre as montanhas e a floresta, um tanto quanto distantes do rio também, e as grandes criaturas que vagam por aqui, assim como seus predadores, dependem das proximidades de rios e lagos para sobreviver. Talvez, se tivermos sorte, possamos conseguir ver um bando de wyverns ou aves do paraíso passando, eles costumam sair da cordilheira Muhali nesta época do ano, pro sul, onde é mais quente.
- Nossa, que didático. – Fyrr comenta, tendo sua atenção tomada por novas informações curiosas – Bem esperado de um kristano, um monte de conhecimento sobre tudo, um tanto quanto inútil, mas interessante.
- Não é bem assim... eu só gosto de ler sobre. Não sei exatamente o que você está procurando, mas se é aventura que você quer, acho que a floresta Mahatma foi uma boa escolha então.
- Sério? Agora que parei pra lembrar, não senti boas coisas quando mencionai ela. Aliás, puta floresta, no mapa, ela é quase um quinto do tamanho da zona áurea.
- Hahahaha, sim. – Seguia dizendo o kristano, tentado a falar pela sede de curiosidade que a raposa demonstrava - A floresta Mahatma é classificada como super floresta. Existem bem poucas delas, e duas dessas estão aqui no continente Hindu. Mahatma é a segunda menor daqui, mas também, é a mais significativa. Ela é habitada há milênios pelo povo cirano, que dominaram ela completamente. Mas também, as super florestas são um ninho de biodiversidade intenso. Existem um número gigante de criaturas fantásticas e perigosas por lá, além de diversas áreas habitadas por criaturas mágicas e espirituais, com sua própria cultura e relações interpessoais, como se fosse um caldeirão de fabulas concentradas num lugar só.
- Agora estou gostando disso, caramba.
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