- Então, acho que o melhor é começar com os conceitos mais básicos, e já que não temos tempo ou livros, as coisas podem ficar complicadas as vezes, mas não acho que vamos ter muitos problemas.
- Ok, Ok! Vamos logo com isso! Caramba! – o garoto exclama, com a sua longa cauda balançando de excitação.
Sentava em frente ao kristano, que estava ajoelhado a sua frente, encarando com certa hesitação os olhos brilhantes que o garoto lhe mandava.
- A maior parte da teórica é uma explicação meio longa... bem, eu vou tentar ser o mais dinâmico possível, mas talvez isso não de muito certo.
- Não me subestime, jovem girino. Pode ir.
- Certo... mana é basicamente uma das maiores se não a maior forma de força espiritual da natureza. Ela é como se fosse um produto espiritual, que está sendo expelido a todo momento por todas as criaturas vivas, vegetais, animais, criaturas mágicas e humanos, tudo o que tem um espírito é capaz de produzir mana em certa quantidade e durante certo período. Mas essa capacidade que todos naturalmente tem pode ser também treinada e manipulada para poder usar ao seu favor. É isso o que magos fazem.
- Saquei, então eu não vou precisar passar anos da minha vida estudando sem parar pra desenvolver, certo?
- Não é tão simples assim também, vai depender do seu entendimento e principalmente, do seu talento. Manipular a sua magia vai exigir que você a descubra, que ganhe a capacidade de entendê-la e vê-la, é como se você despertasse um novo sentido que te permitisse descobrir, acho que logo você vai entender, afinal, você tem uma vantagem.
- Por ser um semi-espírito?
- Sim. Seres semi-espirituais tem uma afinidade bem grande com a mana naturalmente, já que são tecnicamente feitos delas, eles já nascem sabendo usar sua magia especial instintivamente. Acho que você não sabe usar ainda por ser muito criança, mas ainda assim, é meio estranho...
- Na tribo onde vim, eles sequer tratavam muito no assunto magia, acho que foi de proposito, para nos conter e controlar mais eficientemente. O que faz bastante sentido. – Fyrr comenta, relembrando o foco exacerbado dos anciões ensinando as crianças como ele apenas um seleto currículo de informações acerca de política, psique e exercícios estranhos.
- Bem, não tem problema, quer que eu continue ou...
- Não, vamos para os exercícios!
- Que precoce. – comentou indiscretamente Hory.
- Cala a boca, esquisitão! – Fyrr retruca. – Não se preocupe, sinto que sou um grande gênio da magia aqui.
- Ok, se você acha. – Comenta o kristano, sorrindo de nervoso.
- Não se empolgue achando que está fazendo algum favor pra ele. – Nattan disse de repente, tirando a garrafa da boca.
- Vai a merda você também se não tem competência pra ensinar, cachaceiro!
- Bem, Fyrr, a técnica mais básica que conheço é a da meditação. Vai exigir paciência e concentração de você até conseguir sentir a mana do seu corpo e a mana em volta.
- Tubo bem, o que faço primeiro?
- Você pode sentar e cruzar as pernas, feche seus olhos, se foque completamente no seu interior. Ignore as distrações exteriores como sons e sensações e apenas tente sentir uma leve turbulência dentro de você, entendeu? Vai sentir elas mais ou menos na área onde fica seu coração.
- Acho que peguei a ideia. – Ele comentou, fechando seus olhos e se sentando mais formalmente em cima de suas pernas.
Os solavancos ocasionais e os estalos da madeira não ajudavam muito, mas ainda assim, devido a já estar acostumado, procurou se focar totalmente em seu interior e a sensação interna que procurava. Não era algo necessariamente estranho, mas sua hiperatividade o fazia começar a torcer suas extremidades, que formigavam.
Ficar muito tempo parado no mesmo lugar não era lá uma boa atividade para uma criança curiosa, mas com um objetivo claro em mente, a coisa era mais suportável. Respeitando o momento, todos ali observavam quietos a cena do garoto tentando se focar no interior, a primeira lição que experimentaram há muito tempo atrás, na longínqua e nostálgica (ou nem tanto) época em que estavam aprendendo a controlar sua própria mana.
Se coçando para poder se mover, Fyrr forçou seus instintos mais um pouco a se aquietarem. Apesar de uma criança, ele ainda era também um kitsune, e se havia algo que seu povo era bom, era em controlar. Com certo esforço, seu corpo obedeceu ao desejo de alcançar o objetivo e tudo ficou mais calmo. Naquela visão escura em que nada existia debaixo de suas pálpebras, a única coisa que sentia era um grande nada, ignorando os solavancos, os barulhos calmos e externos e olhando para seu interior.
Era como estar no meio de um mar escuro, mas não demorou muito até a vibração que esperava sentir aparecer. Aconteceu naturalmente, de forma instintiva. Assim como o kristano havia dito, seu corpo e mente sabiam o que fazer naquela hora, a vibração vinda de seu interior foi aumentando conforme sua atenção se voltava cada vez mais para o fundo do seu interior. Cada vez mais aprofundando sua atenção para o peito, a vibração cresceu até se tornar uma turbulência, uma turbulência que ganhou ritmo, o ritmo das batidas de seu coração. A vibração acompanhava o movimento de seus músculos como um movimento a parte e Armonico a ele. Seu coração era a fonte da vibração.
Quando Fyrr abriu seus olhos outra vez, ele podia ver, a mana. Um aglomerado de partículas estava rondando em volta dele, desordenadas e rápidas, a mana ambiente estava reagindo a sua mana interior, e consequentemente ao seu pensamento. Com os olhos brilhando, ele lentamente moveu sua cabeça ao redor, admirando as correntes de partículas brancas e douradas girando em volta, cada vez mais rápidas, formando uma pequena nuvem rasa e luminosa.
- Uau! Isso é mana?
- Sim, e veio de você, está reagindo bem a mana ambiente, e também, - comentava Jhon entre sorrisos – você realmente entendeu rápido como funciona.
- É o que se espera de um gênio, meu amigo. – Estufando o peito, a raposa brinca.
- Bem, agora que alcançou o entendimento da mana, acho que posso explicar outras coisas básicas. – Ele seguiu didaticamente – A mana possui uma forma básica, que nós chamamos de atributos, e é fácil dizer quais eles são ao sentir as diferentes vibrações que cada atributo tem. Sua mana é do atributo principal, que é o mais comum de criaturas semi-espirituais, o que não é nenhuma novidade, já que a maioria dos kristanos também tem. O atributo luz.
- Então minha mana não tem nada de especial?
- Não foi isso que eu quis dizer. A mana do atributo luz é bastante especial, só tem propriedades únicas que são meio difíceis de lidar pra novatos. É deste atributo que todos os outros atributos surgem através de uma ramificação, então a luz é a base da rosa dos elementos. Do lado esquerdo à luz nós temos o atributo Para, é um elemento mais ou menos neutro e bastante maleável, um tanto quanto comum em muitos lugares, do lado direito, a luz se ramifica no atributo raio, que se ramifica em outros três elementos, água, chama e vento. Abaixo da luz, há os atributos sombra, que se ramifica no men (uma espécie de especialização da sombra), e acima da luz, vem o atributo fogo, que se ramifica nos atributos madeira, metal e terra. Basicamente essa é a flor dos atributos, e através dela podemos saber o que trabalhar em sua mana e como você pode definir sua magia.
- O que quis então dizer que luz é difícil pra iniciantes? Eu não posso escolher o atributo que tenho, não é?
- As coisas são até mais simples no seu caso. Criaturas espirituais costumam ter uma grande afinidade com seus atributos e habilidades instintivas naturais deles. Existem casos nos humanos em que eles sequer são compatíveis com seus atributos, mas não vamos nos preocupar com isso. Existe a possibilidade de um mago ter dois ou três, até quatro atributos ao mesmo tempo, mas isso está limitado aos atributos ligados a ele na flor de atributos, como no meu caso, eu tenho os atributos de luz e para.
- Entendi, mas não consigo sentir mana de outro atributo, é sempre a mesma sensação, a mesma vibração... – a raposa comenta, passando a mão pelas correntes de partículas luminosas que se dissipavam no ar.
- Tudo bem, pode ser que não venha naturalmente, só com o tempo, mas isso não importa por agora. Fyrr, agora vamos tentar medir o seu potencial de mana atual, os círculos.
- Hmm?
- Se foque mais ainda que antes no seu interior, tente sentir a vibração como se fosse seus batimentos cardíacos, depois, tente produzir uma imagem mental através do seu sentido de mana nessa região. Quando fizer isso, vai ver uma formação em volta do seu coração, um círculo feito de mana. Entendeu?
- Ok, vamos lá! – ele exclama em excitação. Rapidamente controlando seus sentidos, voltou a se focar em seu interior, recuperando a sensação turbulenta de antes, a sentindo cada vez mais apuradamente, alcançando um ritmo contínuo, e então, assumindo a familiar sensação de um batimento cardíaco.
Em pouco tempo, a sensação mudou para uma vibração rítmica. Seu novo sentido ou algo assim correspondeu ao seu desejo e formou uma imagem mental acerca daquela área, onde estava seu coração, em volta de onde podia sentir o órgão, ele viu que a vibração o cercava num anel de partículas brilhantes, o anel se moldava aos batimentos, contraindo e expandindo, enquanto bombeava a mana para todo o seu corpo, era como se ele fosse um balão de mana, sempre percorrendo todo o seu corpo, mas sem artérias e veias para guia-las, apenas uma grande nebulosa de mana que preenchia seu corpo e circulava num mar de caos por todo ele.
- Estou sentindo, e... – Focando-se mais, sentindo cada vez mais apuradamente a vibração, ficou ainda mais claro que o anel comprido mais se assemelhava a um cilindro, não, não um cilindro, a sensação que parecia única se dividia em outras, que vibravam tão sincronizadas umas com as outras que passaram despercebidas por seus sentidos recém despertos – sim, eu sinto, e são quatro, quatro anéis em volta do meu coração.
- Uau, bem, não é muita surpresa, criaturas espirituais não tem o mesmo desenvolvimento de potencial de mana como os humanos, mas é sempre assustador lembrar em como somos inferiores neste aspecto que os outros...
- Como assim? - o garoto o questiona, abrindo seus olhos e fitando-o curioso.
- Normalmente, um humano começa com um ou no máximo, dois círculos de mana. Os círculos de mana representam o potencial de um mago. Quantidade de mana e os limites de seu uso, quanto mais um mago avança em sua magia, mais círculos ele consegue e mais poderoso vai ficando. Já você, já é um ser semi-espiritual de quarto círculo de nascimento, isso faz de você potencialmente mais poderoso que todo mundo aqui nessa carroça. – Soltou o kristano, pegando o garoto de surpresa.
- Agora você tem a minha atenção, kristano safado! Hmmm, verdade, estou sentindo agora, a mana no ar... e em vocês... – comentou o garoto, fitando agora para o interior dos humanos ao seu redor com sua mais nova percepção de mundo, que o deixou maravilhado. Tudo brilhava e vibrava com vida. – Você tem quatro círculos também. E... – comentou, e virando para Nattan – quatro... não parece ser um nível muito difícil de chegar pelo visto... – deduziu, se decepcionando levemente na montanha russa de emoções que balançavam seu ego.
- Bem, o quarto círculo é como um divisor de águas, aqueles que conseguem chegar nele, ou ficam nele pra sempre ou alcançam um novo nível de poder. Mas ele ainda é grande coisa sim, considerando que chegamos nele nas proximidades dos vinte anos. Tenha em mente que é bastante estranho estar numa mesma carroça com três magos de quarto círculo juntos e alguém que pode já ter superado ele.
- Hmm? Quem?
- Não está vendo o Hory? – apontou Jhon.
Olhando em sua direção, Fyrr pressionou os olhos afiando seu novo sentido natural de mana, e percebendo que não sentia nada vindo do seu guarda-costas.
- Não sinto os círculos dele.
- Significa que ou ele é surpreendentemente bom em esconder sua mana, ou que ele já está num nível maior que o nosso. – Jhon concluiu, olhando de esguelha para o jovem quieto na borda da carroça.
- Você é de quinto círculo, Hory?
- Não é da sua conta. – respondeu com rispidez, sem fitar o garoto.
- Seu mestre teve razão em se livrar de você. Cara mais áspero. – O garoto retrucou de volta.
- Bem, bem. Acho que é melhor nos concentrarmos na próxima parte, já que você parece aprender instintivamente os conceitos de magia. – Amenizou o kristano, sorrindo de nervoso.
- Ok.
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