A raposa estirou suas pernas após longas horas sentado num estado desconfortável sobre a carroça, mas agora, estava se sentindo mais livre que nunca. Num salto, estava andando sobre a terra fofa que circundava o acampamento mercante em frente ao grande arco de rocha, que abria uma passagem imponente no meio da muralha de árvores antigas que era a entrada da floresta Mahatma.
Ele observava os seus arredores com encanto. O som dos passos diversos de pessoas trajadas humildemente em turbantes e capas, até homens gordos e calvos caminhando por aí de nariz empinado cercado de guardas pessoais. O acampamento era vivo, onde animais andavam ao lado de seus mestres e uma diversidade de pessoas em inúmeros trabalhos desde segurança a guia, mantinham o ambiente do acampamento com aquele ar de importância que Culleir tinha no seu distrito comercial.
As manhãs eram geralmente os picos de ascensão do comércio, o horário mais apropriado para começar o êxodo de comboios que entrariam na estrada que cruzava Mahatma, até a capital mais rica do continente.
- Parece que chegamos a tempo. – Jhon comentou, caminhando logo atrás da raposa e Nattan, que ficava ao seu lado, já não se preocupando em manter sua espada oculta exposta na faixa segurando sua cintura.
- É bem mais vivo do que eu tinha achado. E caramba, aquele arco é bem grande. – O garoto comenta, observando um grupo pequeno de pessoas chutando lama por onde suas botas pisavam.
- Tá quente. – Nattan reclama - E que lugar barulhento, tá me dando dor de cabeça.
- Isso é a ressaca de encher a cara por dois dias de viagem. Cacete, ver que o seu pagamento vai acabar todo em álcool me dá um pouco de desgosto. – O garoto aponta friamente.
- Hahaha. – Riu Jhon.
- Então... você vai nos pagar também dessa vez, Kristano? – de repente, atrás do grupo, Hory apontou, indiferente – você sabe como funcionam as coisas por aqui, certo?
O grupo caminhava lenta e vertiginosamente na direção do arco, enquanto atravessava o acampamento movimentado, e em instantes, o jovem acuado quebra o silêncio curioso que havia desperto suas memórias de que não necessariamente ele fazia parte do grupo.
- Verdade, não é? – ele diz, entredentes – o pagamento do pedágio pra entrar na estrada já é por cabeça, e conseguir a carona de alguém que já está pra entrar lá hoje... eu...
- Relaxa, Jhon. – De repente, Fyrr o fitou em seu caminho, com confiança sórdida no olhar – Não vou deixar o cara mais legal daqui ter de perder todo o seu dinheiro por causa de um monte de estranhos. Eu te devo essa por estar me ensinando magia, afinal de contas.
- Fyrr, não quero que você envolva o dinheiro de Culleir nisso!
- Eu sei, eu sei...
- Então no que está pensando? Por que esse sorrisinho convencido na cara? Acha que vai conseguir levar a guarda de Krista na língua? Esses caras nem se comparam a guarda da cidade, só pra você ficar esperto. – Nattan aponta, levantando o desagrado que tinha com a forma de agir do seu contratante, ainda mais pelo sorriso confiante que ele mostrava quando já concluía o seu modo de agir.
- Não, não, não vamos precisar envolver dinheiro nisso.
- Então você tem algum contato que previamente te deu permissão de passar? – Hory pergunta, incerto.
- Se ele fosse um nobre ou coisa do tipo, seria possível, mas não conheço nenhuma família de Krista que tenha envolvimento com seres semi-espirituais... – Jhon comenta, olhando com curiosidade na direção da longa fila de pessoas em frente a maior das tendas, de cor branca, e já amarelando nas bases devido ao contato com a terra e a poeira depois de tanto tempo em ativa.
- Fala logo o que você vai fazer, zé ruela. – Nattan pressiona.
- Não é óbvio? Simplesmente vamos atravessar a floresta sem a estrada.
- O que? – Hory exclama, surpreso e desgostoso.
- Fyrr... – Jhon tenta convencê-lo, se agachando, apontava tremulamente para o garoto – você ouviu alguma coisa que eu disse antes sobre hordas de serpentes gigantes ilimitadas a noite e Ciranos assassinos ao dia?
- Sim, eu ouvi, refleti sobre o assunto, e decidi que não seria um problema para nós.
- O que te faz ter tanta certeza? – Exclama Hory mais uma vez, impaciente.
Nattan apenas o observa de esguelha, sem diminuir o passo para acompanhar o garoto que seguia, andando para o leste do acampamento. Atento a cada sílaba que seu contratante dizia.
- Há noite, tenho certeza de que se procurarmos por um abrigo subterrâneo ou acima do nível das árvores, até podemos evitar contato com as serpentes, alguém aí sabe dormir em cima de árvores? Eu posso ensinar, se quiserem. – Ele diz, dando uma olhadela desdenhosa para o mago atrás de si. – De qualquer forma, meu objetivo nunca esteve em atravessar a floresta, ele está dentro dela, e eu não sei o quão fundo exatamente, já que esse mapa não se especializa muito nela, então vou precisar de informações que só vou conseguir lá dentro. Como você mesmo disse, os Ciranos odeiam kristanos, então não devo ter problemas em negociar com eles.
- Na verdade você está sendo ingênuo, Fyrr, os Ciranos aprenderam a odiar basicamente todo mundo que não nasceu em Mahatma, o que inclui os curdos sob o regime kristano também, só você de nós quatro realmente tem uma mínima chance de negociar por ser semi-espiritual, mas nada nos garante isso...
- Hmmm... – o garoto refletiu, colando seu cabelo por baixo do véu que usava para cobri-lo, voltando sua atenção para o seu guarda-costas ao lado – Nattan, o quão forte você acha que é?
- Hmm... – hesitando um pouco, seus olhos verdes vibrantes passaram pelos azuis do kristano e sua atenção apontou um pouco para Hory, quem ainda não havia sequer tentado conquistar sua confiança, e que misteriosamente seguia respeitando um contrato feito às pressas e a força por seu “mestre”. Julgando ser sensato, voltou seu olhar para onde Fyrr seguia, o leste do acampamento, onde a muralha viva ficava cada vez mais próxima, e sua visão era mais aterradora do que esperava – Forte o bastante pra vaporizar todo mundo neste acampamento se eu quiser, incluindo a guarda do pedágio. – Ele disse, sem hesitar.
- E vocês? Se garantem como ele? – Fyrr implica.
- Eu... não tão destrutivo, mas posso lidar com certa facilidade com todos aqui... eu acho. – Jhon responde, engolindo em seco.
- Certo, eu já vi um pouco do que o Hory pode fazer em Culleir, então acho que estamos pelo menos um pouco garantidos caso os nativos sejam um tanto quanto agressivos, e o importante é eu conseguir informações úteis, de qualquer forma, eles queiram cooperar ou não.
- Ainda acho que você deveria ter mais cuidado, Fyrr, eu não sou um especialista em Mahatma, mas li que quanto mais se aprofunda nela, mais ela vai se tornando perigosa, ao ponto de que mesmo seres espirituais vão sendo cautelosos com ela. – O kristano tenta pela última vez afagar a pressa do garoto, sem resultados.
- Você fala com uma preocupação tão doce, Jhon. Por acaso está pensando em vir com a gente?
- Hã, ah... eu... também pretendia entrar na floresta desde o começo...
- Sério? Essa coincidência está indo bem longe pro meu gosto.
- Eu disse que estou em busca do grande artesão, que estava em algum lugar de Mahatma, não disse?
- Disse? - o garoto comenta, apontando o dedo no lábio, fingiu esquecimento enquanto colocava desdém no seu tom – é mesmo, devo ter me esquecido. Bem, se você quiser vir com a gente pra aumentar suas chances, eu não me importo, mas então, tenha cuidado pra não me atrapalhar, certo?
Engolindo em seco, ele se pôs entre o garoto kitsune e o guarda-costas inquieto na retaguarda, temendo levemente pelo rumo que havia escolhido pra tomar dali pra frente.
Em poucos minutos, atraindo olhares desconfiados e incertos de algumas pessoas que os observavam partir do acampamento, apenas ficaram com os seus suspiros de incerteza e pena, como um amuleto de boa sorte para o que quer que eles estivessem prontos a fazer a seguir, seja por qual motivos fosse. Como marujos andando numa prancha, eles atravessaram o território do acampamento e chegaram no gramado aberto por onde as colinas se estendiam até sumir no horizonte, e ao seu lado, se estendia a entrada da segunda maior floresta do continente, e terceira maior do mundo, e como se orgulhosa de seu título, Mahatma não deixava a desejar por sua reputação.
Os troncos das primeiras árvores eram imensos, retorcidos e antigos, o fato da linha fronteiriça entre a floresta e o prado ser tão certa, é devido a este ter sido o limite do desmatamento que os kristanos conseguiram promover no período mais sangrento das guerras contra os ciranos no passado, e a floresta com o tempo se provou ser um inimigo a áltura do maior império do mundo, impossíveis de cortar e absolutamente implicantes com o seu avanço, se mantendo firmes e impenetráveis como uma verdadeira muralha. Os galhos se espalhavam em ramificações que pareciam uma tentativa de agarrar o ar ao seu alcance e mantê-lo perto de si, com folhagens tão verdes e densas que pareciam quase couro, uma verdadeira obra prima da natureza, que conseguia ser tão bela quanto assustadora.
- Caramba, acho que subiu um arrepio aqui. – Fyrr comenta, parando em frente a escuridão além das árvores, a brisa que percorria sussurrava palavras ofensivas, e uma ordem de afastamento que ele ignorou.
- Ainda dá tempo de se arrepender. – Nattan provocou, fitando a selva como se fosse um inimigo.
- Huh, vamos lá. Façam jus aos seus pagamentos, magos mortais.
Foi o que disse, dando mais um passo para entrar na selva que venceu um império.
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