Andar nunca foi uma tarefa tão estressante.
O garoto já havia experimentado uma caminhada de longa duração dentro de um lugar hostil e desconhecido como uma floresta antes, quando foi largado pela sua tribo por ter desonrado contra o templo onde estudava, mas Mahatma se provou estar num outro nível. Antes que serpentes gigantes, nativos agressivos ou qualquer outra coisa arruinasse seus planos de adentrar a floresta, o fim das solas de suas sandálias de couro faria isso. Não só elas como cada fibra muscular em seu corpo.
- Droga de floresta!
Eles já estavam caminhando pelo que pareciam ser horas, mas também não era possível dizer ao certo, já que dentro da floresta, medir o tempo era confuso, não era possível dizer se o sol já estava no pico ou prestes a se por, por causa da densa folhagem dela, e isso era perigoso.
Cada um carregando uma bolsa com pães velhos e carne seca, mais uma cântara de água, dividiam o temor de não conseguir chegar a lugar nenhum antes que sua comida acabasse, um medo comum que lugares desérticos traziam, e por mais contraintuitivo que fosse, as super-florestas se assemelhavam bastante a um.
As árvores grossas eram majoritariamente, gimnospermas, espécies agressivamente competitivas que praticamente governam a selva, impossibilitando todos os que se aventuravam nela de encontrarem frutos ou animais que vagavam por ela em busca destes frutos, diminuindo significativamente suas chances também de encontrarem pequenas presas em busca de carne.
Com as copas grossas e escuras das árvores bloqueando boa parte do sol, não havia muitas plantas rasteiras além de pteridófitas e musgo para obstruir seu caminho, mas isso em si não significava nada.
- Você não disse que tinha experiencia com florestas uma hora atrás? – Nattan o cutucou, seguindo caminho lentamente ao seu lado. Assim como os outros, apresentava uma aparência cansada e arfante, a pele brilhava de suor e seus cabelos escuros grudavam em volta do rosto como uma mortalha, mas não tirava do seu sorriso o desdém que sempre que podia jogava em cima de seu contratante.
- Vai a merda, cacete... isso não é uma floresta, florestas não são essa abominação! – o garoto retrucou, cabisbaixo, olhando em volta para os troncos grossos e enormes se torcendo enquanto estiravam os galhos o mais alto que podiam em busca de qualquer resquício de luz solar. A cobertura de folhas somadas a alta umidade faziam o lugar quase que uma sauna mortal, além de os desidratar, também não havia como saber se encontrariam um córrego ou poça para reabastecer suas cântaras.
Além do calor sugar suas forças, também havia o terreno.
Jhon andava cabisbaixo e cauteloso como os outros, olhando mais uma vez para a boca de sua cântara, como se contasse as gotas que faltavam para elas acabarem. Com sua mana, poderia aguentar pelo menos dois ou três dias sem comer ou beber, mas nem mesmo o plano de backup envolvendo gastar sua própria mana interna para sobreviver lhe garantiria que desse tempo de encontrar ajuda, e não havia como se guiar no lugar.
Finalmente atento aos arredores, ele avistou com curiosidade o caminho a frente, terminando numa estranha rocha inclinada de um modo que deveria estar enterrada sob a terra, mas a vegetação não dava sinais disso, crescendo por debaixo dela, e logo, percebeu a pequena armadilha da terra a sua frente.
- Fyrr! – notando que o garoto avançava de forma lenta, mas despreocupada, chamou sua atenção, conseguindo fazê-lo parar e o olhar como se estivesse alucinando.
- O que é?
- Não tem chão a frente.
Concluindo sua ideia, o garoto olhou torto para o kristano, até que o viu se aproximar dele e então apontar para o caminho há frente, há vinte passos de distância para onde estava indo. E se aproximando também, a raposa pôde notar com espanto que de repente, o caminho quase liso entre as imensas raízes das árvores terminavam num barranco.
A área provavelmente seria uma colina que sofreu erosão das raízes e acabou num deslizamento, criando o barranco.
- Esse lugar está tentando nos matar, né? – o garoto comentou, entre sorrisos.
- Isso é só o de menos, o chão quase todo é coberto por raízes, e têm pedras pontudas por toda parte. – Hory diz de repente, olhando desinteressado para uma pedra cinzenta que pegou do chão, e a atirando pra longe na selva. – Uma quedinha de nada e você pode terminar com um traumatismo craniano ou pior...
- Sem falar nos insetos, - comentou Nattan, fitando uma centopeia com mais de um metro e meio rastejando por um tronco e entrando por um buraco estreito nele, o som de seus passos era sutil, mas audível, no silencio mórbido da selva – todo animal que não se preocupa em se esconder provavelmente é venenoso, serem insetos é um agravamento dessa possibilidade, cuidado “no que” pisam também.
- Estamos mesmo indo ao Oeste? Não dá pra saber a direção sem o sol. – comentou Hory.
- Tudo bem, eu tenho uma bússola. – Jhon avisou, retirando de seu medalhão o pequeno objeto que mostrou a todos.
- E você só nos diz agora? – Nattan exclama.
- Achei que estavam seguindo o Fyrr.
- Eu ainda lembro onde fica o Oeste, tenho um senso natural pra isso. – Ele comentou com certo orgulho, que sob os olhares desconfiados dos seus companheiros, cedeu um pouco a incerteza – mas tudo bem dar uma olhada na bússola de vez em quando...
- Bem, realmente o Oeste fica nessa direção. – Jhon confirma, erguendo o rosto, observa a cena em volta, que de repente se torna mais ampla acima do barranco, onde a floresta se abre exibindo a vista de uma grandiosa selva cheia de samambaias ocultando as raízes como coroas verdes, raízes de árvores milenares imponentes, ao ponto de engolirem o próprio sol e se dar ao luxo de deixarem algumas faixas de luz escaparem por entre as copas para demonstrar a grandeza que era o interior da gigantesca floresta.
Mas apesar disso, o fim dela ainda era bastante incerto. O mar de árvores não parecia que podia acabar, e quanto mais avançavam, mais o tempo parecia alerdar, e seus passos começavam a pesar como se estivessem andando numa piscina de lama. Quando chegasse a hora que seriam obrigados a usar mana pra continuar, as coisas teriam alcançado um estágio perigoso.
- Fyrr, você não precisa comer ou beber, certo?
O garoto o fitou com certa truculência, mas compreensão. Havia retirado os véus que usava para ocultar sua identidade, já que não havia mais pessoas que poderiam vê-lo e só serviam para acumular calor ali dentro.
- Não são vitais pra mim, mas me ajudam a ficar 100% ativo. Bem, não deve ser um problema.
- Divida sua parte dos suprimentos com a gente e vamos seguir até ficar escuro. – Nattan ordena.
- Eu posso lidar com a nossa cobertura à noite, então não se preocupem na hora de descansar. – Jhon conta, com confiança na voz.
- Certo. Vamos continuar por mais umas horas e...
O silêncio pesou como um caixão de chumbo naquele mesmo segundo em que Nattan encerrou seu pensamento.
Fyrr foi o segundo a notar a presença e se virar atordoado na direção oeste abaixo do barranco.
- O que... ah... – Jhon percebeu assim que as orelhas de Fyrr pararam naquela direção a turbulência na mana exterior densa do ar da floresta.
- O que é isso? – Hory comentou, confuso quanto ao comportamento de seus companheiros.
- Tem algo vindo, é grande, está sob... duas patas? Não, quatro, tem mais de um... – Fyrr revelou, agachado e tão estoico quanto nunca.
- Você consegue vê-los? – Nattan o questionou, de mão na empunhadura da espada.
- Posso ouvi-los daqui, estão há pelo menos uns duzentos metros, mas chegando muito rápido, não vamos conseguir fugir deles mesmo com mana.
- Porra. O que são? Quantos?
- Quatro... não, cinco, e pelos passos rápidos, mas amortecidos... caralho, eu nunca ouvi lobos tão grandes como esses na minha vida. – O garoto comentou, sorrindo num misto de medo e emoção.
Naquele segundo, os sons de uivos tímidos e da folhagem rasteira sendo amassada pode ser ouvido também pelos magos.
Os quatro seguiram Fyrr, se afastando da borda do barranco para descer a colina pelo Leste, saltando agilmente das raízes que desciam o chão inteiro o cobrindo como escadas, tentando não serem atingidos pelos galhos, mas sem expectativa de escaparem a este ponto dos seus perseguidores.
Olhando de esguelha para a direção oeste onde a mata estava começando a ficar mais barulhenta do que nunca, os seus olhos apurados avistaram os perseguidores, e realmente, não havia muitas chances de eles escaparem tão facilmente.
Saltando do interior da floresta, as patas gigantes e pesadas das criaturas lançaram pedaços das plantas que destroçavam em seus passos enquanto revelavam sua forma.
- Mas o que? – o garoto se pergunta em meio a fuga.
Seus companheiros olharam de esguelha para trás de suas costas enquanto terminavam de descer o barranco, se surpreendendo momentaneamente.
O que saltou do interior da floresta eram lobos, cinzentos, com mais de dois metros de altura, pelagem grossa e curta, com listras esverdeadas nas traseiras, eram cinco, e corriam com uma agilidade surpreendente enquanto desviavam dos troncos e rochas largadas pela terra, bem ao lado do barranco, eles corriam com pressa, mas o mais importante de sua característica, era que não estavam sozinhos. Correias de couro se prendiam em volta de sua barriga, e nas costas, grandes partes de pelos em camadas serviam de selas para os homens que montavam as criaturas.
Era estranho pensar que os lobos de olhos amarelados ferozes e presas longas como facas estavam domados pelos terríveis aborígenes que reinavam Mahatma, fazendo jus a descrição que o kristano lhes impôs. Eram homens altos e parrudos, vestindo saiotes de pele e capim, barbantes em volta das coxas e bíceps com penas esvoaçantes presas a elas, e uma faixa em volta da testa com adornos de ossos balançando violentamente. E em sua pele, estava pintado nos lados opostos e no torso um padrão de losangos ligados ao vértice vertical formando uma linha simétrica, com um círculo cinzento no centro de cada quadrado.
Seus olhos escuros e tão ferozes quanto os dos lobos não necessariamente estavam focados nos quatro. Mas no instante em que a matilha alcançava o barranco, já tinham em vista o grupo que se destacava facilmente da paisagem da selva.
Os magos de imediato colocaram sua armadura de mana e avançavam na direção oposta do bando, acelerando o mais rápido que podiam sem tirar os olhos dos perseguidores, que os alcançavam numa velocidade surpreendente. Os lobos não viam os troncos caídos ou rochas no caminho como obstáculos, facilmente saltando por eles com seu tamanho desproporcional, e os ciranos sobre eles erguiam suas lanças em posição de ataque, prestando mais atenção nos magos que corriam deles a par da velocidade dos lobos, sentindo a ameaça vinda deles.
Estavam todos confusos e assustados, o instinto era o que comandava a sequência de eventos rápidos que foram obrigados a seguir.
Vendo que não havia como escapar dos ciranos montados nos lobos, Nattan rangeu os dentes e se virou na direção contrária, com o vento balançando seus cabelos úmidos de suor. Encarando de frente a matilha chegando perigosamente perto, sacou sua espada oculta e a segurou com as duas mãos.
- Nattan! – gritou Fyrr, na retaguarda do grupo, para a ação estupida de imediato do guarda-costas.
- Vou ganhar tempo! – ele gritou por cima do barulho da matilha se aproximando e do vento correndo próximo de seus ouvidos.
Cobrindo a lâmina com sua mana, ele a inflou e queimou, numa combustão instantânea a transformando em fogo e o controlando, moldando em quatro esferas de chamas vermelhas, tingindo tudo ao redor com seu brilho intenso.
- Bola de fogo!
As chamas incandescentes dispararam na direção dos lobos, os animais desaceleraram significativamente, soltando grunhidos de temor enquanto viam o fogo chegar perto o bastante. Os nativos acuados lançaram um ataque contra as bolas de fogo usando suas lanças, mas o impacto do ataque fora o bastante para forçá-los a parar naquele momento. Outros desviaram habilmente, mantendo o sangue frio durante a corrida, mas diminuindo o passo agora que perceberam o perigo dos magos que perseguiam.
Hory e Jhon pararam a fuga também, entre um vale formado por duas árvores elevadas, fitando o seu companheiro ficar pra trás com muitas ressalvas. Quando Fyrr os alcançou, encerrou sua corrida para tentar processar a sucessão de eventos, mas eles estavam para mudar drasticamente outra vez.
Nattan se afastou da matilha, que já tinha se tocado do perigo imprevisto e cercavam-no com cautela, procurando um caminho para se afastar e voltar a correr, seus olhos deixavam claro que os magos não eram suas presas. Nattan pode sentir isso, mas mais ainda, ele viu nos olhos dos nativos uma insegurança e senso de urgência bastante irregular naquela situação. Imbuindo mana em seu corpo, voltou a correr na direção do seu grupo maior se afastando dos lobos e dos nativos apontando suas lanças na direção dele, e então...
Bang!
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