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Entre Dunas

A Lua Brilha Melhor na Crista

A Lua Brilha Melhor na Crista

Dec 14, 2023

 Consegui me localizar apenas algumas voltas depois.
               Era noite, e por causa do incêndio na prisão, as ruas estavam agitadas com curiosos e extremistas passando apressados entre pequenas multidões com o máximo de água que conseguiam carregar. A maioria estava bêbada demais para sequer entender o que estava acontecendo, o restante, com mais prejuízo ouso dizer, era em sua maioria do tipo que saiu do bordel ou dos buracos mais imundos da cidade com seus credores atrás.
               Me diverti sozinha enquanto lavava o rosto num tanque quase vazio de hidratar cavalos, escondido num beco de lixo bem distante da confusão que era a Zona de Justiça àquela altura.  Juntei o que pude de água entre as mãos e esfreguei os olhos e pescoço, infelizmente, estava imunda demais para mim beber, mas meus lábios agradeceram o frescor apesar de ter ardido um pouco também.
             Não importa. Estou livre.
             Escapei de mais essa.
             Uivos de uma matilha distante de coiotes me trouxeram de volta, então suspirei e encarei meu reflexo borrado: horripilante, mas sorridente.
            Enxuguei as mãos nos cabelos e os pulsos na camisa comprida que vestia e foi quando lembrei de meus companheiros.
            Consegui me livrar deles, certamente nossa aliança havia acabado no momento em que o homem machucado encontrou a liberdade, então fiz o que era mais seguro para mim. Só espero que de algum jeito tenham conseguido escapar também.
           — Qafnar — o idioma antigo, predominante do deserto.
           Um arrepio percorreu meu corpo quando aquela palavra foi pronunciada por uma voz rouca acompanhada por respirações pesadas e aceleradas. Prendi o ar no peito e forcei meus ombros a permaneceram no lugar enquanto lentamente me virava em direção...em direção a dupla decrépita que meus companheiros de cela formavam.
        Como me encontraram?!
        Grillo era o ofegante. Ele se apoiava na parede com uma das mãos e me encarava com um inocente alívio nos olhos. O homem ferido estava preso às costas de Grilo, com o olhar totalmente oposto ao do parceiro e um tanto mais exausto.
         A faixa de tecido que mandei guardar, manchada de cinzas e cincino, enrolada no pescoço, balançando com o vento noturno pútrido da Fossa. Os dois pareciam, na verdade, piores do que eu. Tinham alguns resquícios da explosão espalhados pelo corpo, manchas de fuligem e mais sangue. Os martelos não estavam visíveis, então pode existir a chance de que não tentassem me matar, mas percebi que aquela avaliação de perigo só estava sendo feita de minha parte.
        Os olhos deles estavam fixos no tanque atrás de mim.
        — Não, nem pensa nisso — quase não reconheci minha voz. Estava rouca demais e minha garganta pinicava a cada palavra. Pus a mão no pescoço e tentei engolir em seco, pigarreando em seguida, mas só senti um amargor na boca. — Vai acabar morrendo! — avisei Grillo, que começava a se arrastar pelas paredes em direção a água suja. Ele não me deu ouvidos.
        Entendo ele, de verdade, só quem vive uma estiagem severa sabe o gosto amargo da sede e da fome. Passamos a ser consumidos por essas duas únicas necessidades e nos cegamos para qualquer outro estímulo seja ele de preservação ou não.
        — É suja, tá cheia de lodo! — usei meu corpo como barreira para os dois e fiquei impressionada por obter sucesso em pará-los. O que não era um bom sinal, indicava que estavam (principalmente Grillo) à beira de um colapso. — Eu tenho água limpa, tenho um lugar seguro. Comida.
        — Nos alimente. — O homem ferido se forçou a falar, me prometendo aquilo com suas últimas energias — Será recompensada.
         Gostei da garantia. A palavra "recompensa" sempre é bem-vinda principalmente quando não há ameaças envolvidas. Só que se eu for levar aqueles dois estranhos para dentro da minha casa, seriam nos meus termos.
         — Com o quê?
         — O que quiser. — Ele garantiu, me encarando profundamente.
         Não encontrei mentira ou segundas intenções no olhar dele, apenas necessidade e desejo insano de sobrevivência.
        — Devem jurar que não vão me entregar, ou me roubar. — Assumi a negociação demonstrando domínio sobre os termos deste nosso novo acordo de não-agressão.
       — Tem minha palavra. — Ele afirmou com a voz rouca. Grillo colocou a mão no peito e fez uma reverência curta: concordando e agradecendo.
      Posso estar cometendo uma das maiores besteiras da minha vida abrigando aqueles dois estrangeiros dentro da minha zona de segurança, levando potenciais inimigos para debaixo do meu teto...é quase uma grande certeza de que vai dar merda para mim. Porém, a dor de alguns ossos quebrados não seria maior do que o peso que ficaria na consciência por abandonar eles feridos e sozinhos nas ruas imundas da Fossa. Eu, que sou crescida aqui, temo certos lugares, imagino como eles acabariam morrendo por alguma doença ou devorando um ao outro nas rinhas que abasteciam o submundo.
       Sou uma bandida, sim. Uma trapaceira egoísta também, quando quero. Só me recuso a ser desumana.
       Já existem monstros demais no mundo.
       — Consegue carregar ele mais um pouco? — perguntei para Grillo — Estamos perto, mas são muitos degraus.
        Grillo assentiu enquanto eu falava como se a mera e implícita citação de largar o amigo ferido naquele beco fosse absurda o suficiente até para ser dita. A determinação de Grillo em proteger aquele homem amargo talvez fosse o principal motivo para me convencer a ajudá-los; esse tipo de vínculo é raro no mundo obscuro em que vivo e tão precioso quanto. Tenho certeza que são estrangeiros.
       — Você — falei com o ferido — trata de ficar acordado, precisamos de olhos atentos. — Era perceptível a diferença em meu tom de voz usado com um e outro, com o homem ferido eu era bem mais dura do que com Grillo.
       — Estarei, Qafnar.  — Novamente aquela palavra no idioma antigo.
        Não deixei que ele percebesse que aquilo me distraia, mesmo que minimamente, então, passando por eles beco afora, resmunguei sem olhar para trás:
       — Se eu descobrir que isso é um xingamento faço de você comida de coiotes.
       Acho que minha ameaça não foi levada muito a sério porque algumas risadinhas cansadas me acompanharam pelas sombras até a calmaria da cidade nos forçar a ficar no mais absoluto silêncio. Essa paz inconstante me permitiu refletir um pouco sobre uma questão que tinha passado despercebida sem querer até momentos atrás: como eles conseguiram me achar? No meio da fumaça nos separamos, eu dei a volta na prisão e me escondi entre os prédios da cidade tal qual um lagarto  na areia, ou seja, deveria ter sido impossível me encontrar ou, se possível, não com meia hora de diferença.
         Não tenho certeza, pensei batendo as mãos uma na outra para tirar o excesso de pó depois de ter pulado um muro e abrir uma portinha escondida para a dupla passar sem muito trabalho, mas essas desventuras certamente tem algo a ver com o fato de estarem presos também.
         Depois de esconder a portinhola atrás de algumas trepadeiras, indiquei o morro que subiremos com o queixo, permitindo alguns segundos para Grillo apreciar a vista. E encoraja-lo. Fossa era um tipo de cidade escavada primeiramente povoada próximo às minas que ficavam entre dois vales fundos, como tudo começou por lá, era a parte mais organizada e relativamente segura, com os pequenos centros comerciais e alguns conjuntos onde viviam as famílias com condições de ter água potável, e a Zona de Segurança que servia como muralha entre o povo e as planícies. Todo esse centro chamamos de Base da Fossa. As periferias, onde ficavam os bairros mais pobres e perigosos da cidade, se ramificam vale acima, em todas as direções possíveis, como uma planta rasteira. Era lá que vivia esmagadora parte da população de Fossa, entre a pobreza, tortura e violência ficavam situados bordeis e tavernas da pior qualidade (alguns ao ar livre), de bloco em bloco os templos que abrigavam os orfãos, e de esquina em esquina, algumas cabeças decepadas presas em estacas como um aviso de que os Extremistas tinham controle de todos os lugares. Inclusive ali. E essa parte da cidade, é chamada de Crista da Fossa.
        Não seria de surpreender que eu morasse ali, levando em consideração minha renda quase nula de bens, porém, o que realmente pode surpreender aqueles dois, acredito eu, seria a vista que meu barraco tinha.
       — Não consigo entender o que faz as pessoas aceitarem viver aqui desse jeito. — Reclamou o febril homem nas costas de Grillo enquanto nos esgueirava entre duas paredes estreitas e irregulares para continuar subindo as escadas.
      — Temos um ditado aqui para isso — como já estava acostumada, pouco ofegava ao falar e subir ao mesmo tempo, então prossegui: — "a lua brilha melhor na Crista".
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