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Entre Dunas

Caráter Duvidoso

Caráter Duvidoso

Dec 14, 2023

      "...não me faça perder a confiança em você." Entendo que nossa situação não é das mais favoráveis, muito menos das melhores, mas Norrah não tem o direito de pensar isso de mim! Certo que..foi um pequeno vacilo eu ter me embriagado (ainda acredito ter sido envenenada) quando o certo seria estar pensando em uma forma de tirá-lo da mira de Amastor.
       Aquele maldito anel.
       Como fui me esquecer de algo tão importante?! Se tivesse me lembrado dessa porcaria a tempo, tenho certeza que recuperaria de Sinamon e agora estaria com Norrah ao meu lado, caminhando rumo a saída do complexo.
       Uma onda de arrependimento e raiva me esfriou o corpo.
      Engoli essa sensação ruim e a tranquei num lugar esquecido. Não. Vou provar a Norrah que ele está completamente errado sobre mim e vou enfiar goela abaixo, dele e de Amastor, a recompensa que vou ganhar dos dois estrangeiros que escondo dentro de casa.
      — Desculpa, desculpa, mocinha! — uma lavadeira de cabelos grisalhos bagunçados escapando do laço colorido que lhe cobria a cabeça, carregando três cestos de roupa dos mineradores se desequilibrou com o peso e me esbarrou, quase derrubando.
     Não tinha me dado conta que estava tão longe até aquele momento.
     — Não precisa se desculpar. — Meu tom de voz estava neutro o bastante para até eu mesma me impressionar com a apatia, então forcei um sorriso — se quiser posso ajudar.
     A senhora me estudou e deve ter visto somente uma jovem pobre e magrela visitando o pai ou marido nas minas, ou algo tão decrépito quanto, pois sem cerimônia decidiu entregar o cesto que levava acima da cabeça. Estava relativamente pesado, sacudi para ter certeza que só tinham roupas.
        — Obrigada — ela disse —eles estão impacientes hoje — comentou, se espremendo entre mim e um vendedor a frente — quase não me deixaram entrar mais cedo, tive que esperar na fila até o sol começar a queimar os ombros. — Ela riu.
       Acho que meu silêncio iria parecer suspeito então comentei:
       — Acredito que vamos ter que contar com o humor deles por enquanto.
       A fila acomodava cada vez mais pessoas, já estava ficando abafado de novo, e parecia não se mexer de jeito nenhum. Fiquei na pontinha dos pés para tentar enxergar o portão e o motivo de toda a demora. Mas só estavam revistando cada um, como de costume.
       — E esse humor não vai ser dos melhores até encontrarem os responsáveis pelo incêndio.
       — Quem são? — não consegui esconder o interesse na voz, ela inclusive me olhou com certa desconfiança, então lhe ofereci meu lugar na fila, ciente de que o cesto que ela carregava nas costas como uma bolsa nos separaria alguns centímetros preciosos.
        — Obrigada — ela disse — Ninguém sabe, parece que são mercenários ou algo do tipo. — Ela fez um sinal qualquer com a mão.
        — Essa cidade já foi mais bem frequentada — era o comentário padrão para qualquer má notícia relacionada aos mercenários, que de vez em quando invadiam a cidade.
        — Digo isso o tempo todo, menina!
        Nossa vez na vistoria estava próxima, então me apressei em perguntar:
        — O que mais estão comentando sobre esses mercenários?
        — Tem muita fofoca no mercado sobre eles hoje, mas sei o que quer dizer mocinha, e sim, tenho pra mim que são perigosos. Quem consegue fugir daquele lugar?! Tem gente comentando que que mexem até com magia. Eu não duvido.
Felizmente a revista impediu aquela senhora de continuar falando baboseiras. O guarda não perdeu muito tempo com ela e focou um pouco mais do que eu queria em mim, ignorando a bolsa e o cesto de roupa para vasculhar meu corpo. Depois de apalpar o que sentisse vontade, o guarda me empurrou para frente, quase escorreguei na trilha, mas a multidão estava tão comprimida que as costas de alguém me apoiou. Esse pequeno contratempo adiantou a lavadeira alguns passos e, antes que notasse minha falta, desapareci na multidão entre os ferreiros e o pó laranja sufocante de cincino.
Precisei me livrar do cesto assim que deixei a Viela dos Ferreiros aos arredores do complexo. Vasculhei de ponta cabeça e recolhi os pares de roupa menos sujos que encontrei, embolando tudo dentro da bolsa. O restante deixaria por ali mesmo, seria desnecessário sair carregando tanta coisa assim, ainda mais agora que estou me dirigindo para o centro nervoso da Base: o comércio.
A lavadeira foi precisa quando disse que as fofocas estavam soltas por lá e eu nem precisei sair perguntando para conseguir as primeiras doses de notícias, apenas me aproximei de uma barraca de frutas secas fingindo olhar os produtos, enquanto ouvia os comentários.
        "bandidos da pior raça", "selvagens do deserto", "mataram 10 guardas na fuga usando somente os dentes!", diziam um para o outro, convictos de verdades que só ficavam mais absurdas. Ali eu não conseguiria mais do que aquilo, então aproveitei que estavam distraídos e coloquei na bolsa um punhado daquelas frutinhas.
As próximas barracas não foram muito diferentes. Os relatos eram parecidos e aos poucos iam ficando mais fantasiosos. Na barraca em que roubei uma garrafa de azeite estavam discutindo se eles cuspiram o fogo; Na qual roubei um peso de farinha e sementes comentavam que não seriam encontrados porque eram espíritos vingativos e, depois que vingaram os enforcados, teriam desaparecido nas cinzas. Finalmente, chegando a barraca dos restos (a mais lotada inclusive, pois, era ali que pessoas que não conseguiam pagar os cortes do açougue davam o jeito de pôr carne nos pratos. Ou o mais perto disso) consegui o mais próximo de informações úteis.
"...pelo que parece morreram alguns extremistas no incêndio que os mercenários provocaram." disse um homem que carregava uma galinha embaixo de cada braço. "Eles não provocaram, escutem o que eu digo, foi acidental! Mas estão espalhando isso porque os dois fugiram e não querem culpar a própria bebedeira.". Alguns concordaram em uníssono, outros, mais alienados com o poder dos Extremistas, jamais aceitariam que os seus opressores falharam dessa forma.
         O burburinho da conversa, e demais ruídos ao redor da feira, foi se dissipando, percebi, quando trotes sincronizados de uma unidade de Extremistas a cavalo passou, atraindo os olhares para si durante todo o trajeto da rua até o centro da praça. Sempre que apareciam assim era ou para cobrar impostos ou para fazer anúncios que sempre favoreciam a eles, nenhuma novidade levando em consideração o tipo de coisa que já fazem contra o povo.
         Aproveitei que o grupo todo tinha se distraído e fui pegando das bolsas alheias tudo o que conseguia enquanto me espremia pela multidão até a beirada da rua em que os cavalos tinham deixado suas pegadas. Furtiva e descaradamente, enchi a bolsa com o que consegui levar nesse breve arraste, se tiver sorte, pode ser que hoje tenha um ensopado de pés de galinha.
          Me desculpei com a última pessoa que esbarrei, lhe tomando das compras um ramo de ervas e escondendo na manga enquanto assumia a posição   de mais uma curiosa à espreita de novidades.
         Não demorou e, como imaginei, lá estava, com o mais velho dos extremistas, no centro da unidade em posição ovalada, um pergaminho amarelado e recém usado, aparentemente, ainda manchado com tinta preta. Mas não foi a extensão do papel que chamou minha atenção...
         Eu o reconheci antes de começar a falar.
         Não o pergaminho, mas o ditador dele. Um homem alto, careca, de bigodes grossos e curvos. Usava um tapa-olho e tinha dentes amarelados. Era difícil esquecer a cicatriz que o tapa-olho tentava esconder, principalmente quando se olhava de tão perto quanto eu olhei apenas uma noite atrás enquanto tentava, a todo custo, lhe tomar o anel dourado.
          — Ontem, a Ordem e a Justiça sofreram um atentado...
          A voz dele clareava lembranças que estavam adormecidas pelo álcool na minha cabeça. Obviamente estava bem diferente dos grunhidos abafados que ele soltava enquanto estava caindo de bêbado sobre uma mesa de cartas. Tudo nele era deplorável dentro daquela taverna, mas o anel brilhava nos dedos engordurados como o sol brilhava sobre nossas cabeças agora.
        Enquanto lia a descrição dos acontecimentos da noite passada apertei ainda mais o véu sobre meu rosto, com esperança de que naquela distância não me reconhecesse como eu o fiz.
        Acho que não estava sozinho, fico me recordando, posso estar enganada, mas um homem com aquela autoridade não costuma sair sozinho nem para se coçar muito menos para uma noite de jogos quando álcool e luxúria deturpam os sentidos de qualquer um então faz sentido ter dois ou três sentinelas nas costas.
        Tentando comprovar minha teoria, estreitei os olhos para definir melhor os rostos dos acompanhantes do Capitão, mas foi uma grande perda de tempo já que minhas lembranças não eram confiáveis e alguns deles usava uma bandana.
       — ...os dois terroristas — ele continuou, engrossou a voz, e dividiu o olhar entre o texto e a população que se aglomeravam ainda mais, percebi a falta do luxuoso anel. Estranho. Pode ser que eu ainda tenha uma chance se estiver com o imbecil do Sinamon — ...invadiram nosso Território, vandalizaram nossas leis, e causaram a morte de quatro servos fiéis aos deuses e à causa. — Uma agitação causada pelo temor aumentou murmúrios e reclamações a ponto de alguns das sentinelas atirarem pólvora para cima acalmando imediatamente a multidão — Estão condenados à morte na fogueira como pagamento as perdas que causaram ilegalmente — consegui ouvir algumas orações baixinho e, um pouco atrás de mim, uma risadinha de escárnio. Quase imitei o gesto. —, assim como aqueles que, mesmo por suposição, sejam cúmplices desses ratos do deserto! — Não. Não... — E que o primeiro deles seja entregue à justiça dos deuses! — o capitão fez um sinal com a mão, desprovida do acessório que lhe garantia poder, e um assobio ressoou entre a praça silenciosa.
         Acompanhei a multidão com olhares, procurando algum sinal de perigo ao redor. Nós todos temos consciência de que os extremistas eram imprevisíveis, poderiam muito bem começar a incendiar todas aquelas pessoas ali só para servir de exemplo aos demais da cidade. Felizmente, para mim, não planejaram nenhuma carnificina, infelizmente, para um homem encapuzado sendo puxado por uma corda no pescoço presa na cela de um cavalo, usando trapos para cobrir a nudez, o espetáculo seria público.
            Ele estava descalço, percebi, pois o sangue manchava a areia por todo trajeto que ele cumpriu até seu triste fim. O sol estava alto no céu quando ele foi forçado a se ajoelhar sobre os pedregulhos da praça de frente para todo mundo. Muito hipocritamente, o capitão fazia uma prece em alto e bom som, para que os deuses recebessem aquele sacrifício como garantia que a justiça seria cumprida. O condenado negava com a cabeça e balançava os ombros inquietamente, como se estivesse soluçando, talvez realmente estivesse.
          Foi reparando nesse desespero dele que notei que um dos ombros dele estava torto, inclinado para frente e sem simetria com o outro.
         Senti um frio na barriga.
        Eu fiz aquilo.
        Não me mexi quando o capuz foi retirado e o rosto espancado de Sinamon surgiu.
        Os bigodes que ele tinha tanto orgulho tinham perdido a forma para a tortura e o sorriso nojento foi substituído por hematomas recentes, o semblante era a representação de medo puro.
      Não pisquei quando o capitão terminou a prece e levantou a mão direita.
      De algum lugar surgiu um guarda com bandana no rosto, que segurou o queixo de Sinamon sem que o mesmo tivesse sequer tempo de reagir, e lhe rasgou a garganta de orelha a orelha.
     Por alguns segundos só o engasgo de Sinamon foi audível, pouco tempo depois nem isso.
     Encarei o corpo sem vida daquele homem que eu tinha condenado. O olhar vazio registrou para sempre o terror.
     Uma parte minha estava aliviada que não precisaria mais se preocupar com ele, que ele provavelmente teve o que merecia, mas outra parte ainda mais intensa estava em pânico.
     Essa parte repetia incansavelmente que eu era culpada pela morte dele, pela morte dos outros extremistas, e no futuro, de inocentes que nunca sequer tiveram contato com Grillo e Povan.
      Essa parte me chama de assassina.
      Afundei as unhas contra as palmas das mãos até minha mente se calar por completo e me concentrei no ardor que minha pele ferida espalhava até as pontas dos dedos. Foi nesse momento que me reconectei ao mundo, recobrando os sentidos ainda um pouco deturpados, mas funcionando o suficiente para me tirar dali.
        Senti as pessoas passarem por mim, tentando voltar à normalidade da vida e me obriguei a imitá-las. Passo após passo.
      Sou uma ladra. Me lembrei.
     Sou egoísta. Repeti em silêncio.
     Sou perigosa. Foi o sussurro que recebi em resposta.
      Percebi que estava tremendo.
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