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Entre Dunas

Aço e Azeite

Aço e Azeite

Dec 14, 2023

 Não foi a ameaça na voz, ou o sotaque ou o tom bronzeado de pele, que me fizeram ter certeza que aquelas pessoas conheciam Povan e Grillo, mas a despreocupação no olhar.
        Infelizmente eu não poderia imprimir a mesma expressão, não com dois extremistas mortos a quatro passos de mim.
         — Como me conhecem? — Já havíamos passado da fase dos disfarces, e mesmo assim, qualquer respiração mais alta era sinônimo de morte.
        — Não é você quem faz as perguntas aqui. — O guarda magro, na verdade, a guarda, tinha um sotaque completamente diferente de qualquer um deles que já conheci. Pode até viver no deserto, mas não é de lá sua origem.
         — Tem uma pilha de gente morta há meio quilômetro daqui, querem mesmo continuar com isso?  — Eu não precisei indicar os corpos, eles me entenderam.
        — Preocupada demais. — Debochou o estrangeiro praticamente no meu ouvido, passando a lâmina diretamente para minha garganta. Ele é bem mais alto do que eu, acho que chego em seu queixo.
        —  Fui pega de surpresa, não me culpe.    — Falei com desdém, enquanto a mulher prendia meus pulsos em fitas largas e grossas de couro.
        — Se fosse você, começaria a calar a boca. — A mulher ameaçou, puxando a bandana de volta para o rosto. De perto, pude ter certeza que ela não era desse lado do deserto, os traços eram completamente diferentes.
        — Estão com a pessoa errada — ignorei completamente a mulher, o que me rendeu uma boa coronhada na têmpora.
        Foi de surpresa, muito parecido com o bote de uma naja, eu não esperava, ela foi imprevisível.Tonta com o baque, cambaleei para trás e dois braços musculosos me mantiveram de pé até meus olhos voltarem a recobrar o foco.
        Um zumbido irritante nos ouvidos substituiu o que parecia ser um bate-boca entre os dois.
       — Me solta...! — balbuciei, me afastando dele com um impulso.
      Minhas mãos atadas aproveitaram a força aplicada para devolver o golpe à mulher como um martelo.  Ela também não esperava, visto que só tentou desviar depois que foi atingida no mesmo lugar que me bateu.
      Pensei que os tinha distraído e tentei correr para fora do beco, mas duas mãos fortes me agarraram pela cintura e me puxaram com facilidade, empurrando contra a parede como se eu fosse de pano.
      As dores que passei a noite tentando adormecer despertaram no mesmo instante, um gemido em reclamação foi inevitável. O homem me prendeu com o peso de seu corpo, pregando meus pulsos presos acima da cabeça de forma desconfortável, minhas omoplatas se tensionam dolorosamente quanto mais para cima ele apertava.
       — Me deixa matar essa vagabunda. — Vociferou a mulher, cuspindo uma bola de sangue em seguida.
        Um de meus olhos parecia querer inchar e mesmo assim sorri para ela, satisfeita com minha obra.
         — Sem mortes desnecessárias. — Ele brandiu para ela logo em seguida direcionando o olhar na minha direção. Era um tom de verde tão bonito, lembrava mármore ou talvez jade. Ou azeite. — Concorda?
        — Não sei se reparou — aproximei meu rosto dolorido ao dele, quase roçando a ponta de nossos narizes — mas sou a única desarmada aqui. E foi legítima defesa, sua companheira é esquentadinha.
        — Qafnar..?! — a forma com que ela falou me fez ter certeza que aquilo era um xingamento.
        — Não temos tempo para isso, Najarah! — a liderança na voz dele era tanta que, mesmo não sendo uma ordem para mim, me calei e desviei o olhar — Estou disposto a manter você viva — era comigo que ele falava agora, mas um tom completamente diferente, cortês, tinha até se afastado — desde que colabore.
       Queria cruzar os braços, mas como era impossível, inclinei uma das sobrancelhas.
       — Sinto muito pelo comportamento de Najarah, não temos a intenção de machucar você. Pode considerar uma retribuição pelo que fez por Povan e Grillo.
       — Não sei onde estão. — Me apressei em dizer com esperança de que me libertasse.
      — Nenhum de nós sabe, mas você conhece a cidade. Quero forjar uma aliança com você para encontrar os dois.
       Franzi levemente o cenho em desconfiança. Aquele homem era incapaz de me permitir tirar os olhos dele.
      — Qual garantia eu tenho? Fiz negócios com os dois e perdi tudo. Se estão vivos me devem muito mais do que prometeram.
      — Em nome do meu bando garanto sua segurança e seu peso em ouro. Nosso acordo vai durar até conseguirmos todos sair da cidade.
      — Tenho outra escolha?
       Como resposta, uma flecha da besta de Najarah disparou e ficou presa no tijolo bem ao lado da minha bochecha.
       Depois do breve susto, e ainda presa pelo olhar penetrante do homem, concordei com cabeça por livre e espontânea pressão.
       — Aceito.
      — Se nos entregar, se cogitar nos trair, vai conhecer um caminho bem pior que o da morte.  — Ele completou, oferecendo uma das mãos para que eu completasse o comprimento.
      Olhei para Najarah e sua besta depois para o cabo da lâmina ainda presa nas costas dele, então de volta para o olhar verde penetrante daquele homem. Diferente de Povan e Grillo, aquele estrangeiro não tinha barba. O rosto era o puro padrão de beleza masculina a oeste do deserto, cabelo escuro e cheio não longo demais e nem curto demais, mas o suficiente para imprimir um mistério na face descontraída dele. O verde era realmente o diferencial. O rosto dele era a equivalência humana de um oásis.
       — Se me trair, se me entregar, se cogitar não cumprir com sua palavra, reviro cada grão desse deserto, perfuro o mármore do inferno, e caço cada um de vocês até não sobrar ninguém.
         Apertei a mão dele da melhor forma que consegui, ainda o encarando. Nosso toque selou promessas e ameaças.
       — Aceito. — Ele falou com o esboço de um sorriso querendo lhe enfeitar os lábios.
       E talvez algo mais.
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Eudora Fazad cresceu em Fossa, uma cidade ressecada pelo deserto Vhail, que a circunda. A opressão que seu povo sofre não a impede de aprontar de vez em quando ,principalmente, se a barriga exigir o alimento que ela só consegue por meio do roubo e de apostas.
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E foi numa dessas que acabou presa e condenada com dois estrangeiros perigosos, sendo perseguida por Extremistas, ameaçada por agiotas e empurrada para a magia esquecida entre dunas.
Sua necessidade por liberdade vai além dos instintos de autopreservação que aprendeu a ouvir durante toda a vida e agora, aos poucos, dá espaço para novas experiências que estão lhe mostrando a diferença entre viver e existir.
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