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Entre Dunas

Encontro de Infância

Encontro de Infância

Dec 14, 2023

 Permaneci algemada quando saímos do beco.
        Minhas mangas disfarçam bem as fitas de couro e isso não diminuiu a tensão que dois hipotéticos guardas causavam ao escoltar apenas uma magrela de um lado para o outro.
       Isso chamou atenção, obviamente.
       Para o primeiro extremista que reclamou, o homem disse eu era cega. Para o segundo, que eu tinha dívidas a pagar com ele. Para o terceiro, já distante do poço comunitário, Najarah apertou um de meus seios sem aviso. Minha reação pareceu satisfazer o extremista, que riu, bateu no ombro de Najarah e desejou um "bom trabalho".
         Não tenho certeza, mas pela forma que Najarah encarou a nuca daquele homem com o olhar afiado, ela estava pensando em como uma de suas flechas atravessaria tão bem do couro cabeludo até o bigode curvado do maldito. Eu cogitei exatamente a mesma coisa.
        Depois que a fila do poço ficou distante, fui escoltada em direção a uma das ruas que servia de saída do comércio, mas uma carroça de carregamento, geralmente usada para transportar cincino, atravessou as filas e seguiu até a praça atraindo nossa atenção.
       Da carroceria consegui identificar uma mão pálida pendendo para fora.
       Mais corpos.
       Milhares de pares de olhos se voltaram naquela direção enquanto cada um dos corpos era atirado à pilha, espalhando odor de morte e centenas de moscas.
       Foram cinco no total. E um a mais que estavam recolhendo.
       Contei três mulheres, sendo uma mais velha e duas com idade próxima a minha. Então dois homens. Um mais velho e outro com idade próxima a de Norrah. O último corpo era diminuto, fino de tão magro, e desaparecia num amontoado de lã muito maior do que ele.
        Um grito ficou preso na minha garganta.
        O homem atrás de mim ficou inquieto e Najarah deixou escapar baixinho uma palavra em outro idioma, que não entendi.
         Foi necessário apenas um extremista para jogar o corpo daquela criança na pilha em cima do que ,provavelmente, foi sua família, morta injustamente por sua causa.
        E por causa de Grillo. E de Povan.
        E de mim.
        Pois a criança estava vestida com o manto que eles trocaram por água.
        Aquela família foi minha vizinha.
        — Tarek. — Najarah tinha revolta na voz, talvez com um pouco de mágoa. Ela estava implorando por algo.
       — Vamos sair daqui. — Tarek só disse aquilo e foi suficiente para convencer uma Najarah furiosa e uma Eudora culpada.
       A princípio achei que estávamos andando sem rumo. A cada rota que eles faziam, e que eu achava querer chegar a algum lugar, na verdade só se embolava com outra ainda mais sem sentido.
        Depois que deixamos a carnificina do comércio e as ruas de paralelepípedos da Base, Tarek e Najarah caminharam incessantemente pro Norte até me encontrar com os portões da muralha que circundava Fossa. Mais meia hora a pé à esquerda eu estaria na Viela dos Ferreiros. Ambos os lugares, de qualquer forma, tinham a companhia do deserto.
         Mas os dois estrangeiros não estavam se dirigindo aos portões. Najarah me segurou pelas algemas e puxou por uma rua larga acima sem cuidado algum.
         Eu conhecia aquela parte da cidade só não a visitava há um bom tempo...as ruínas geralmente só atraem as lavadeiras e os criadores de camelos e cavalos. Como fomos em direção oposta aos tanques de tingir, só sobra a segunda opção.
         O fedor de esterco e leite azedo nos deu as boas-vindas apenas dez minutos de caminhada depois.
        — Fica calada. — Ela ordenou, sem me olhar, quando me puxou para dentro de um estábulo decrépito de madeira velha.
        Uma parede não existia mais, as baias estavam praticamente todas vazias, a não ser por uma em especial que estava, na verdade, ocupada por um humano.
       A claridade e o calor ali eram intensos.
       — Najarah — o velho, aparentemente, cego, saudou, fazendo um gesto triangular com a mão em frente ao corpo — Veio fazer sua oferenda?
      — Apenas negócios, Kutinekt. — Ela comentou, prendendo a besta nas costas por duas alças.
       O velho estendeu o braço e indicou a baixa como se falasse "é todo de vocês", mas não tinha nada lá dentro. Só um velho cego e folhas secas.
       Najarah me puxou para dentro e foi varrendo o chão com os pés até topar em algo que fez um "click" metálico maravilhoso de se ouvir. Os integrantes desse bando são especialistas nisso, pelo visto.
        A porta de um alçapão surgiu dentre as folhas secas, o escuro lá dentro não era muito convidativo e mesmo assim Najarah me empurrou para dentro como se eu fosse um pacote de nada.
        Atingi a madeira e o feno fino amorteceu minha queda, e ainda assim, meus ossos reclamaram com o impacto.
        — Delicada como um elefante. — Sibilei, apoiando os joelhos e um dos ombros no chão para levantar.
       — Disse para ficar calada. — Najarah resmungou.
        Dois pousos elegantes chegaram em seguida, o mais pesado veio próximo demais de mim. O alçapão se fechou acima de nós e a escuridão nos engoliu. Meio segundo depois uma tocha iluminou o rosto de Tarek.
        — Primeiramente você não manda em mim. Segundo a próxima vez que me empurrar, vai ser a última que vai ter mãos, entendeu, Najarah?
       — Está me ameaçando — ela me olhou de cima a baixo —, rata?
       — Não. — As sombras da chama dançaram sob o rosto dela — Estou prometendo.
       — Não temos tempo e nem espaço para isso agora. — Tarek prendeu a tocha sobre um apoio numa das paredes entre nós duas.
       Najarah bufou e, a contragosto, atravessou para o lado oposto, me esbarrando sem cuidado com o ombro. Passei a língua pelos dentes e respirei bem fundo para não pular em cima dela e moer os ossos daquele ombro.
        Mas estava sendo vigiada.
        Tarek estava com os braços cruzados me encarando, como se estivesse se divertindo com a tensão entre mim e ela.
        — Perdeu alguma coisa?
        — Você perdeu? — ele perguntou com naturalidade.
       Não consegui responder. Perdi tanto em tão pouco tempo que não fazia sentido enumerar para um estranho. Então apenas desviei o olhar, apoiando as costas contra a parede mais próxima.
       — Reconheceram o menino, não foi?
       Ele deu de ombros, ficando de costas para mexer em algumas bolsas de pano no canto da câmara, numa delas tinha um manto parecido com o que Grillo me deu.
       — Eles sabiam que isso poderia acontecer, mas precisamos nos encontrar de alguma forma.
       — "Eles"...? Está querendo dizer que...estavam se comunicando?! — as informações se entrelaçavam na minha mente como uma teia— Desde quando?! — Povan me transformou num ganha tempo...Grillo me usou como distração.
        — Você é meio apressada, por quê? — A pergunta de Tarek era genuína e extremamente irritante de tão sincera.
       — Vai fugir das minhas perguntas? É assim que quer manter nossa aliança?
       Ele permaneceu em silêncio, esperando as respostas para suas próprias perguntas ou novamente me analisando.
       — Qual é o seu problema? — não consegui evitar a pergunta.
       — Nenhum, eu acho. — Tarek juntou as mãos em frente ao corpo e inclinou um sorrisinho travesso nos lábios.
        Revirei os olhos, batendo com a cabeça contra a parede. Será que é tarde demais para me arrepender?
       — Achei. — Najarah anunciou, trazendo consigo um pedaço envelhecido de papel em mãos — Está um pouco apagado, mas pode ser útil com a ajuda dela. — Tarek concordou com a cabeça e os dois se aproximaram da tocha para ver melhor o papel.
       Um mapa.
       — Ajuda? Minha "ajuda" vai acabar como a daquela criança, ou do velho cego, depois que não servir mais para vocês?
       A omissão deles entregava suas respostas.
       —   Será que realmente me acham tola o suficiente para acreditar que aquele velho vai sair vivo no final dessa história? Ninguém é inocente assim. —   talvez nem mesmo o próprio Kutnekt.
        Recebi o silêncio novamente. Não como deboche da parte de Tarek. Havia a impaciência de Najarah obviamente, mas o semblante de Tarek expressava surpresa.
          — A criança não estava nos planos. — Najarah comentou — O risco existia, sim, mas foi a forma mais inteligente que eles encontraram de chamar nossa atenção.
       "Vai dar tempo de secar." Foi o que Povan falou quando entreguei as roupas roubadas. Ele sabia que os outros companheiros iriam chegar e estavam esperando, faz sentido, inclusive o fato de Grillo não querer sair da janela...pretendia ficar visível o máximo de tempo possível.
        Quem era o vigarista ardiloso agora...
        — Custou uma família inteira.
        — Não fomos rápidos o suficiente. — Tarek assumiu — Seguimos o garoto o morro inteiro, mas quando os localizamos já tinham fugido e você desapareceu na noite.
      — E como sabiam que era eu? No bazar?
      — Não sabíamos. — responderam juntos.
       — Você nem deveria estar aqui, mas Tarek insistiu então imitei a ideia dos dois.
       — Péssima decisão. — Murmurei.
       — Eu sei. E cada segundo perdido com os dois desaparecidos confirma que eu estava certa.
        — Podemos encontrar eles dois sem você, sim, e isso já foi provado, mas com o seu auxílio temos chances de sair daqui todos com vida, sina. — Acho que aquela foi uma indireta íntima exclusiva para Najarah porque ela olhou para Tarek com uma incredulidade e surpresa dolorosas de se assistir.
       — Do que me chamou? — como ele sabia daquilo?
       — É uma palavra para...para...desconhecido, tributo, coisas assim. — Najarah respondeu.
        Estrangeira também.
      — Eudora, só Eudora. — Pararia para pensar naquela palavra depois.
       — Consegui convencer você, Eudora?
       — Deixa eu ver isso. — Estendi a mão em direção ao papel, ignorando totalmente a pergunta de Tarek. Mesmo assim, na minha visão periférica notei o sorriso de satisfação no rosto dele.
       — Onde conseguiu? — era um mapa da cidade, como eu imaginei, mas bem antigo e bastante apagado. Tinham dois riscos nas extremidades que localizei serem em algum lugar da Base e outro onde estamos agora próximos à muralha.
       — Não importa. Consegue se achar por ele? — Najarah perguntou, cruzando os braços.
       — óbvio, mas está desatualizado. O que significa esse outro risco?
       — Foi onde nos separamos. — Tarek respondeu.
       — Hm...estavam na Base, antigamente chamavam de Baixada — indiquei a palavra quase toda apagada no canto do papel. — Agora estamos...hm..tem algo para riscar?
       Os dois trocaram olhares.  Acho que não.
       Bom aquilo já era um possível indício de que eles só tinham dois objetivos quando chegaram na cidade: fazer o que quer que tinham que fazer na Base e depois se esconder até a poeira baixar e poder ir embora, provavelmente pelo deserto.
       — Grillo e Povan sabem dessa câmara?
       — Não. A gente iria se encontrar no primeiro ponto e seguir juntos até aqui,se fossem pegos, não poderiam ter nossa localização.  — Tarek explicou.
       — Estavam fazendo o quê enquanto os dois foram presos?
       — Guarda deles, se desse errado iríamos nos reagrupar. Era para ter dado certo, tínhamos garantias.
       — Extremistas? — a forma com que ele comentava sobre aquele planejamento denunciava que havia calculado boa parte de seus movimentos e confiado o restante a uma sorte que não existia.
       — Não, alguém se apressou antes que pudéssemos prever. — Najarah comentou insatisfeita.
       — Então Grillo e Povan só conhecem três lugares na cidade.
       — Não seriam dois? O lugar marcado e sua casa? — Najarah me encarou, confusa.
       — A prisão. — Tarek completou, nem precisei falar.
       — Exato. — umideci a ponta do indicador com a língua e deslizei sobre meu colo para acumular o máximo de pó de cincino que conseguisse. Apoiei o papel na parede e, com a lama resultante, marquei mais dois pontos: um na Base (a prisão) e um na Crista (minha casa). — Pode ser que tenham voltado para o morro e estejam esperando vocês por lá, considerando o plano homicida do manto de lã.
       Tarek não tirou os olhos do mapa quando falou:
       — É impossível. A casa não existe mais.
       Engoli em seco, mordendo a bochecha.
       — Talvez estejam aos arredores de lá. — Najarah apontou o ponto de encontro deles no mapa.
       A forma descarada com que ela tentava omitir informações de mim já estava ficando tediosa. Se não fosse pelo sotaque e traços completamente exclusivos eu poderia afirmar que era parente de Povan.
       — Existe a possibilidade. Podemos começar procurando por lá. Consegue ver alguma coisa?
       Najarah negou com a cabeça.
       — É lógico procurar por lá, seja onde for. — me intrometi entre eles — Se os dois souberem o caminho da Crista até essa rua, porque daqui é só mais uma rua para mim.  — Dei de ombros, não queria saber mesmo — Mas se eu fosse eles, me esconderia aqui. — Apontei um lugar peculiar no mapa.
       — Você é louca. — Najarah riu com desdém — Só na cabeça de um perturbado que um fugitivo se esconderia na prisão.
       — Eu incendei o lugar inteiro quando fugimos e os extremistas não estão mais se concentrando lá. Fora que o lugar é visível da Crista e um ponto de referência perfeito.
       — Não. Não, isso é suicídio. — Ela estava irredutível.
       — Faz sentido, Najarah. — Tarek dividiu o olhar entre o mapa e sua companheira — Você conhece Povan, sabe que ele seria capaz de fazer isso.
       E de novo eu e Povan somos parecidos. Ele se remoeria se soubesse disso. Evitei sorrir com a ideia.
       — Não, Tarek, ele está ferido. Seria correr de volta para os braços da morte.
       — Eudora fez com que ele, mesmo ferido, saísse pulando de janelas no meio da noite.
       — Não é motivo para voltar paras atrás das grades. Ainda mais sendo quem são e vivendo o que viveram.
       Então eles têm um certo histórico de prisões? Faz sentido Grillo souber como abrir as celas agora.
       — Foi só uma sugestão, não precisa ir lá se não quiser. — comentei, dobrando o mapa entre as mãos.
      — É uma sugestão válida. — Tarek ressaltou. Najarah bufou, se afastando pelos únicos sete passos que aquela câmara minúscula permitia.
       — Como ficam todos na base são relativamente próximos. Não precisaremos nos separar nem nada do tipo. — Entreguei o papel para Tarek e fingi evitar perceber que nossos dedos se tocaram. Ele não se deu o trabalho já que ficou me seguindo com o olhar todo o curto caminho de volta a minha parede.
       — Vamos esperar escurecer então, é mais seguro ficar de espreita nos telhados, não concorda? — ele me perguntou, pouco tempo depois, passando o cabelo para trás.
       Assenti, para a total infelicidade de Najarah.
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