Amira voltou os olhos para o sangue, o filete que ia para o emblema dourado continuava lá, levando mais sangue e acumulando mais líquido. Porém, outro filete apareceu, e esse ia para o emblema azul, o que significava feitiço.
Amira franziu as sobrancelhas, sentiu algo ruim no peito, e se inclinou para enxergar melhor.
Segundos despois, outro filete se formou, indo para o emblema preto, e por último, uma para vermelho.
O sangue apontava para as quatro direções, diziam que Amira era enfeitiçada, amaldiçoada, abençoada e que o mesmo tempo era tudo da cabeça dela.
-O que... O que isso significa? – Amira perguntou para a mulher, levantou seus olhos para ela, mas o rosto da mulher dizia que estava tão confusa quanto Amira.
-Não dá para saber o que é. – A mulher disse. – Não sei o que aconteceu aqui, nunca ocorreu isso antes.
Amira fez um som de exasperação.
-Você já viu o que queria. Agora, podemos voltar? – A voz perguntou.
-Eu não posso descobrir o que você tem. – A mulher falou. – Eu só poderia ajudar se eu soubesse. E essa era a única forma de descobrir. – Ela apontou para o sangue no centro. – Não tenho como ser útil para você.
Amira afundou na cadeira.
-Tem certeza que não há nenhuma outra forma? – Amira perguntou.
A mulher balançou a cabeça.
-Essa era a única conhecida por mim. Terá que procurar outra pessoa.
Amira franziu as sobrancelhas.
-Você era a última. – Amira falou baixinho. – A última que eu sabia, e que estava na minha lista.
A mulher olhou indiferente.
- Não posso te ajudar mais do que já fiz.
Amira estava triste, como todas as outras vezes em que se encheu de esperança, e como ficou desolada pela realidade. Ela precisava sair dali.
-Não fique tão triste, Amira. – A voz falou. – O lado positivo é que eu ainda não vou te deixar.
Amira o olhou com fúria nos olhos, pegou entre os bolsos da sua capa uma bolsinha de dinheiro. Algumas moedas de prata e de bronze.
Ela pegou duas de bronze e deu a mulher, enquanto ela observava tudo.
-Obrigada pela ajuda mesmo assim. – Amira disse. Ela se levantou da cadeira, enquanto a mulher pegava o dinheiro. A mulher começou a pegar os emblemas e arrumar os elementos que usou.
-Esse anel. – A mulher a interrompeu. – É bem raro.
Amira franziu as sobrancelhas, andando em direção da porta.
-Amira, saia logo. – A voz disse inflexível.
-Bem... – Amira falou, tirando a mão do bolso e querendo saber de qual dos anéis que Amira tinha e de qual a mulher estava falando. – É um anel de família, sabe....
Amira olhou para a própria mão e congelou. Ela tinha sido estúpida, estúpida e idiota, porque quando ela saiu do Palácio esqueceu de tirar o anel de brasão da sua família. Como sempre tinha feito nas outras vezes.
Amira empalideceu. A mulher sabia. Tinha visto o anel de Amira, e percebido quem ela era.
Amira deu uns passos para trás.
-Amira, eu disse para você correr. – A voz a avisou. - Saia agora.
-O brasão real. – A mulher falou calma, de repente parecendo muito mais ameaçadora do que antes. – Você tem noção de como isso é raro? E como é valioso? Por um momento eu até pensei que fosse falso.
Amira não perdeu tempo, ela correu para fora da sala, passando pelo corredor até chegar à porta em que tinha entrado.
Ela puxou a maçaneta da porta, porém, ela não se movia.
-Rápido, Amira. – A voz falou. -Rápido.
Amira sabia que a mulher estava vindo atrás dela, mas percebeu um segundo depois que não importava quanto tentasse, a porta continuaria trancada.
Ela jogou seu corpo para a porta, se machucando no processo de tentativa de arrombar, mas a porta de madeira não cedeu.
Ela começava a ficar desesperada, estava presa ali dentro.
-No começo, eu achei estranho, sua forma de falar, de andar os maneirismos e as manias do seu corpo, tudo isso não era de uma pessoa comum, uma serva. – A mulher falou, a voz dela se aproximando de Amira, enquanto ela procurava por uma chave, e uma arma para se defender. -Mas, você é da realeza.
Ela tirou sua pequena faca, como coração batendo muito forte e a respiração falhando quase não conseguindo levar ar o suficiente para seus pulmões.
A mulher se aproximou mais.
-Mas, quando vi seu anel. Eu tive certeza. – A mulher disse. – O brasão real! De ouro! Só tem uma coisa que vale mais que aquele anel.
A mulher se aproximou de Amira. Mas, ela não deu chance, Amira avançou com sua faca, querendo cortar a adversária, a mulher recuou, meio surpresa pela reação.
Ela parou alguns metros de Amira. Olhou para olhos dela.
-Você vale mais. – A mulher disse. – A única Princesa do Reino. Começariam Guerras para te resgatar. Ou para te vingar. Depende para quem eu vou te vender.
Amira não estava respirando direito, suas orelhas palpitavam, ela estava com medo, e nunca tinha se metido em perigo real tanto quanto esse.
A mulher avançou, e Amira empunhou sua faca, ela passou pelo braço da mulher, e escutou seu silvo de dor, Amira avançava com sua arma, mas ela não sabia lutar, a mulher por outro lado, tinha alguma experiência nisso, e era maior do que Amira.
A mulher avançou de novo, e batendo no rosto de Amira, ela recuou e a mulher aproveitou a chance de colocar suas mãos nos ombros de Amira e empurra-la forte até a porta.
Amira a esfaqueou de lado, a mulher gritou, mas não a soltou, começou a bate o corpo de Amira contra a porta, sua cabeça sendo agredida com força contra a porta.
Amira tentava esfaqueá-la mais, usar sua força para se afastar, mas o peso da mulher não deixava ela se mover. Toda vez que ela avançava a mulher desviava.
Quando Amira conseguiu corta-la de novo, a mulher bateu no rosto de Amira tão forte que ela viu estrelas. E continuava batendo, continuava desestabilizando. A mulher estava terrivelmente na vantagem.
Amira percebeu que não ia conseguir vence-la. Ela começa sentir a parte de trás da sua cabeça molhada.
Molhada de sangue, porque a mulher continuava bate-la contra a porta.
-Vamos, Amira. – A voz disse. – Resista mais forte. Tente mais.
Ela resistiu, jogou seu corpo para frente, e tentava impedi-la de agredi-la mais. Amira grunhiu de dor, a cabeça latejando as mãos da mulher em seus braços fazendo hematomas e impedindo a circulação.
Chegou um momento em que a faca caiu da mão de Amira, ela tinha perdido a única arma que poderia ajudá-la a sair daquilo, ela começava a perder a força e a consciência. Amira soluçou, seus olhos enchendo de lágrimas.
Um último tapa fez Amira sentir gosto de sangue.
Os joelhos dela dobraram, e a mulher parou. Parou de batê-la porque sabia que Amira não podia mais revidar.
Ela soltou a princesa, que caiu de joelhos sem força, a mulher ofegava com o esforço que ela fez, Amira tocou a parte de trás da cabeça olhando para o sangue.
Ela ficou imóvel, tentando respirar fundo, seus pulmões quase não funcionando.
Uma parte da visão ficava escura, ela não conseguia enxergar mais.
A mulher riu, sem graça nenhuma, pigarreou.
-Foi mais difícil do que eu pensava. –
Amira tentou levantar, mas seus joelhos cederam de novo, sem conseguir ficar totalmente de pé.
A mulher se afastou até um armarinho, Amira não conseguia ver o que ela estava fazendo.
A voz tentava falar algo, mas ela não conseguia escutar. A mulher se aproximava de novo. Com uma corda nas mãos. O pânico entrou dentro de Amira.
Numa última tentativa, ela virou para a voz.
A voz que estava no canto da sala, com o olhar preocupado, porque não podia fazer nada para ajudá-la, afinal, ele só estava na cabeça dela. Ele estava a olhando como se tivesse sentido sua dor.
-Me ajude. – Amira sussurrou, a primeira vez em semanas que reconheceu a presença da voz, que falou com ele diretamente. – Por favor.
A mulher olhou para a parede com a sobrancelhas franzida sem ver o que Amira via.
-Com quem você está falando? Não tem ninguém aqui para te ajudar. –
Amira caiu com o resto do corpo no chão. Mas, antes de desmaiar, escutou a voz falar.
-Às suas ordens, Princesa.
.....
Amira estava no chão. O chão estava molhado. Ela abriu os olhos levemente. As lembranças indo ao seu encontro lentamente.
Seu peito se encheu de medo. Aonde ela estaria? O que fariam com ela? Ela queria chorar, queria desaparecer.
Tentou abrir seus olhos com força, focar sua visão, e ver que lugar ela estava. Tudo o que ela via era fragmentos.
Um segundo depois, ela percebeu que continuava no mesmo lugar de antes. Naquela mesma casa, ela tentou levantar, seu corpo estava deitado de barriga para baixo e ela fracassou miseravelmente. A dor enchia todo o seu corpo, tornando incapaz de mover. Mas, a dor, também, a estava fazendo acordar.
Ela escutou vozes. Conseguiu focar os olhos o suficiente para enxergar o que estava acontecendo.
Imóvel, deitada no chão em sua própria poça de sangue, sentindo como se estivesse morrendo e prestes a ser vendida.
Ali, Amira percebeu que era realmente louca.
Porque ela viu a voz. Aquele homem que a perseguia desde que ela era uma criancinha, seu amigo imaginário, que ninguém via e que não existia, se aproximar da mulher que o olhava com olhos arregalados com o rosto pálido.
-Você não devia ter feito isso. – Ele falou. – Mexeu com a garota errada.
A mulher arregalou os olhos o máximo que conseguiu, terror saiu de dentro deles.
-Por favor. Eu não sabia. Me perdoe.
A voz colocou suas mãos em volta do pescoço da mulher que estava imóvel, paralisada, e apertou, com tanta força que os pés da mulher saíram do chão. Ele a sufocou, os olhos da mulher se abriram com o medo estampado claramente dentro deles, ela não reagiu, não tentou sair enquanto seu rosto ficava roxo, não tentou lutar, como se soubesse que não iria adiantar.
Ele apertou suas mãos no pescoço da mulher agoniada até que ela parou de respirar. Então, ele soltou.
O corpo caiu no chão com um baque, como se não tivesse sido uma pessoa minuto antes, como se fosse só um saco de lixo. Caiu no chão e ficou lá.
A voz nem olhou duas vezes para o corpo. Ele foi direto para Amira que estava com os olhos abertos e lágrimas caindo, ela soluçava e seu emocional já fragilizado estava completamente danificado.
Ele se aproximou dela e se ela fosse capaz de se movimentar teria fugido, ele se ajoelhou ao seu lado, a pegou em seus braços enquanto ela chorava.
Não tinha sido a primeira vez que eles se encontravam naquela situação. Com ela, quase morrendo, nos braços dele. Não, aquela não era a primeira vez.
-Você devia me escutar às vezes. – Ele falou delicadamente, enquanto pegava o corpo quebrado dela em seus braços. – Nos pouparia de enormes dores de cabeça.
Ela soluçou mais alto, chorando e chorando.
-Fique tranquila, minha querida – Ele disse. – Ninguém mais vai te machucar. Estou aqui justamente para protege-la. Sempre estive.
¨¨¨¨¨¨
Amira acordou de súbito.
Ela estava ofegante, assustada, desorientada. Ela engoliu seco, olhando ao redor se perguntando aonde estava.
O seu peito se aliviou quando percebeu, ela estava no Palácio, no castelo, na sua cama, a salvo.
Ela respirou fundo controlando a ardência nos olhos. Ela estava em casa.
Não estava sentindo nenhuma dor, olhou para seu corpo e viu nenhum hematoma, tocou sua pele e não sentiu nenhum machucado.
Era como se nunca tivesse acontecido.
Ela começou a respirar forte.
Não sabia como tinha voltado para casa. O quarto dela estava vazio, não tinha nenhuma voz.
E ela não o chamou, não o perguntou.
Tinha medo demais para descobrir o que tinha acontecido. Na cabeça de Amira, tudo tinha sido resolvido, mentiras foram criadas para preservar sua própria lucidez, no fim, para ela, tudo foi um sonho.
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