O grupo agora passava pelos corredores curtos e secos de madeira mal trabalhada do interior da base, passando por portas e portas de dormitórios, até o guarda que os guiava parou em frente a uma das últimas naquela seção.
- Aqui, por favor. Ficarei de guarda do lado de fora, então qualquer necessidade que tenham, podem me pedir diretamente, para não haver transgressões. – Ele falou, disciplinadamente, enquanto abria a porta.
- Muito obrigado pela sua atenção, meu caro. – Fyrr brincou, passando por ele todo animado.
Os outros o seguiram para dentro sem pestanejar, com Nattan passando seus olhos nele por último, e fechando a porta atrás de si.
O quarto era pequeno, com uma pequena gaveteira entre dois beliches de madeira e colchões de penas de cor verde, e um pequeno tapete vermelho enfeitava aquela caixa de madeira que chamavam de quarto.
Sem ter seu ânimo derrubado, a raposa saltou na cama e rolou por ela, afundando o rosto no travesseiro.
- Fyrr! – Jhon exclamou, largando de uma vez toda a tensão que vem segurando – você... você... você simplesmente saiu mentindo a rodo pra soldados! Você tem uma ideia da punição por isso?
Virando-se na cama, deitou-se de costas e se sentou num salto, com o travesseiro nas mãos, encarando o jovem com indiferença.
- E daí?
- Hã?
- Não adianta tentar argumentar com ele. – Nattan falou, sentado na cama de baixo do beliche posto – Esse cara mente tanto e tão descaradamente que me assusta.
- E como você acha que vai sustentar isso? Eles só precisam de uma mensagem pro pedágio pra confirmar o que precisam! – Jhon insiste, entrando em desespero.
- Relaxa. Eu duvido que eles vão fazer qualquer coisa em menos de um dia, mesmo tendo algum tipo de confirmação. – O garoto releva, confiante.
- Como pode ter tanta certeza? – Hory intervém, encostando na parede ao lado da porta. De mão erguida, os outros perceberam que uma onda translúcida de energia cobria sua mão, e que a mesma estava cobrindo a porta inteira, como uma camada protetora. – Até agora você vem confiando bastante na própria lábia, mas não venha me dizer que um dos seus poderes é vidência, senão, você saberia desde o começo que isso iria acontecer.
- Tem razão, meu caro. Estou usando só o meu conhecimento e minha intuição pra dizer que está tudo bem, mas não é como se vocês TIVESSEM MUITA ESCOLHA! A não ser acreditar. Certo, só pra resumir, no momento em que eu contei que você e Nattan são magos de quarto círculo, o capitão hesitou bem rápido na hora de agir, e ele vem sendo um tanto quanto passivo até agora, mas eu olhei no fundo dos olhos daquele merda e sei que não é do tipo que age antes de pensar. Jhon, me confirma uma coisa.
- O que?
- É importante que ele precise manter sua segurança?
- Hãããnn... como cidadão de Krista, é claro.
- Estou falando de você como kristano. – A raposa apontou.
- O que? – ele retrucou, confuso.
- É claro que sim. – Nattan interveio – mesmo capitão de um forte de fronteira, ainda estamos falando de um curdo responsável pela segurança de um kristano, ele não vai querer que nada aconteça com ele por enquanto. Pelo menos se preza a sua posição.
- Era tudo o que eu precisava ouvir. – Fyrr comentou, confiante, se deitando na cama – o capitão é um mago de terceiro círculo, o vice também, não encontrei mais nenhuma presença de magos além deles, e do alto da muralha, calculei pelos soldados à paisana que deve haver algumas centenas deles na base inteira. Eles devem estar receosos ao mesmo tempo por ter um kristano de ligações problemáticas com alguém que vai sentir falta dele aqui, e também por haver dois magos de quarto círculo imprevisíveis que não poderiam lidar casualmente. Pela cara do capitão, eu diria que ele está um tanto confiante que pode segurar as pontas, já que eu ofereci bastante serventia, então, se ele for esperto mesmo, primeiro, vai tentar nos separar de vocês dois, - a raposa conta, apontando para o espadachim e Hory, do outro lado, obstruindo o caminho de suas vozes até a porta – e isolar cada um.
- E como eles vão fazer isso? - Nattan o questiona genuinamente curioso.
- A forma mais fácil seria criando uma emergência fajuta e pedindo que eu estregasse vocês pra cooperar. Ele deve saber um pouco sobre criaturas semi-espirituais ou pelo menos, alguma ideia preconceituosa de que somos poderosos e etéreos, então deve achar que vou concordar sem muitos problemas contanto que fique ao lado de Jhon. Mas ainda não sabemos muitas coisas, como o modus operandi dele, ou como funcionam as coisas por aqui. Eles podem simplesmente tentar nos separar diretamente ou apenas isolar Jhon de nós enquanto verificam a veracidade da minha história. De qualquer jeito, somos areia demais pro caminhãozinho deles, então mesmo que descubram que menti, não vão agir diretamente.
- Você está confiante mesmo nisso. O que te garante que eles não estão escondendo a verdadeira força ou que chamem reforços enquanto estamos aqui de bobeira? – Hory o confronta.
- Por que acha que eu inventei toda aquela história? Pra ficar gastando saliva e bajulando o soldadinho de chumbo? Eles ouviram que eu tenho negócios com alguém que está diretamente ligado ao pedágio. O pedágio não fica muito longe daqui, e se alguém de lá sentisse nossa falta, e tivesse homens habilidosos em disposição, provavelmente já teriam os mandado nos encontrar numa busca larga e silenciosa. A primeira coisa que o capitão vai fazer é ter certeza de que algum comerciante kristano puto da vida não vai virar uma pedra no sapato dele, a maior pedra no sapato que ele poderia ter, eu acho, só depois de verificar isso é que ele vai agir contra nós diretamente. Então temos só até ele saber disso como tempo seguro.
- Que não vai ser muito. Uma carta não deve levar menos que poucas horas de ida e volta daqui até lá. – Nattan comenta. – O que está planejando?
- Primeiro, relaxar um pouco, cruzes! Eu não toco em uma cama de verdade há dias...
- Fyrr! – Jhon exclama – não é hora pra rolar e relaxar! Estamos no meio de uma base militar que pode se voltar contra nós a qualquer momento na floresta mais perigosa do continente!
- Argh! Você está tão chato agora, Jhon, era mais legal quando estávamos na carroça.
- Você realmente não tem senso de perigo, não é?
- Claro que tenho, mas não se preocupe, vai dar tudo certo.
- Fyrr... você não está passando muita confiança.
- Eu te disse, - Nattan exclama – ele já era arrogante e cheio do ego antes, agora deve estar se achando onipotente depois que aprendeu uns truquezinhos, e acho que isso só vai piorar.
- Em que merda eu fui me meter... – Hory se lamuria.
- Bem, bem. Antes de deixar claro o nosso próximo plano de ação super genial e cheio de camadas que eu criei, Jhon, tenho muitas perguntas importantes pra fazer!
- Sobre o que?
- Mahatma. Acho que negligenciei alguns dos detalhes sobre ela que podem ou não ser úteis pra mim. – A raposa se sentou na cama outra vez, fitando o companheiro com intensidade e curiosidade – principalmente sobre os Ciranos. Acho que eles vão ser importantes na minha jornada daqui pra frente. Agora, me conte tudo o que sabe sobre eles, desde organização social até cultura e distribuição.
- ... esse vai ser um assunto um tanto quanto extenso, e eu não li muito sobre isso.
- Melhor que nada, duvido que eu vá poder perguntar a alguém daqui, e procurar sozinho por informações vai ser um saco, não tenho tempo.
- Bem... os Ciranos na verdade são um povo super extenso que está todo espalhado pela floresta Mahatma em todos os níveis, mas eles têm vários pontos em comum, a língua deles é basicamente a mesma, mas com dialetos diferentes, cada tribo possui um deus objetivo quem cultuam, também existem alguns deles que convivem com criaturas semi-espirituais, mas não posso dizer exatamente e quais.
- Ho, então eu não devo encontrar muitos problemas com eles, como ter lobos gigantes atrás do meu rabo?
- Não sei é assim fácil. A maioria deles cultuam a floresta como se fosse mais que um lar, como parte deles, e de certa forma, eles realmente não podem viver sem ela, Mahatma é um lugar extremamente difícil de invadir ou destruir, ao ponto de nem Krista conseguir pôr as mãos nela completamente, o lugar é tão perigoso que poucos sabem como é que os ciranos conseguiram por tantos milênios habitar lá e se manter tão prósperos, se tornou basicamente a fortaleza deles. E seguindo esta lógica, eles se encaminharam para uma união permanente em prol de transformar Mahatma num lugar independente e inalcançável.
- Então eles são unidos?
- Sim, há mais ou menos vinte anos atrás, dez dos maiores clãs deles se uniram numa liga especial e criaram a cidade sagrada da união druida, basicamente uma república independente com cunho militar, juntando todo o poder de luta dos maiores clãs, eles fortificaram ainda mais as defesas da floresta e se tornaram uma das três grandes forças que comandam Mahatma.
- Hmmm... qual a chance de nos esbarrarmos com eles?
- Impossível, eles são a maior potência regional daqui, só o lugar é supersecreto, com certeza se aproximar é impossível.
- Droga! Bem, então vamos ter de nos virar com o mais próximo deles que conseguirmos, não quero gastar muito tempo nessa viagem toda também. E aliás, acho que sua presença vai ser bem problemática.
- Hã? Ah... é... pode ser... – Jhon murmura, pensativo.
- É, esse é um detalhe que não devia esquecer, muito provavelmente, na hora em que eles olharem pra sua cara igual à dos porcos brancos que massacraram o povo deles por séculos, não vamos ter nem chances de dar um oi. – Nattan aponta impiedosamente, deitado de costas em seu beliche.
- Também não é como se alguém aqui falasse cirano. Melhor esquecer essa história, Fyrr. – Hory somou ao peso.
- Mas entrar assim... ainda seria difícil buscar o que estou procurando sem eles... – a raposa julga, pensando e pesando suas informações mais uma vez, e de novo chegando na conclusão de que não havia mais espaço de manobra, até que ele lembra do toque gelado de sua arma escondida na roupa, e sua intuição assertivamente lhe apontou uma incerta, mas única saída. Abrindo um sorriso confiante, voltou a ser o ponto de observação dos seus companheiros, que já estavam maquinando em suas mentes a previsão de tempos caóticos. – Não, eu acho que tem um jeito...
- Qual? - Nattan se apressou em questionar, para parar a tempestade o mais rápido possível, mas as nuvens já estavam juntas numa mortalha escura sobre eles.
- Por enquanto, vocês não precisam saber, agora, cheguem mais perto. Vamos deixar claro nossas ações se as coisas seguirem pelo caminho que eu acho que vão.
Engolindo em seco, Jhon se questionou pela primeira vez se confiar na criatura semi-espiritual realmente foi uma boa ideia.
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