A selva continuou a se estender por todo o caminho, se tornando mais obscura e obtusa de se mover, enquanto o solo se acomodava em terra mais firme e livre das raízes gigantes das árvores mais antigas, entrando num caminho de sequoias mais novas. E o silêncio mórbido de antes, só quebrado pelos passos do grupo, agora estava cheio com a troca de palavras totalmente anticlimáticas.
-... Gigantes, tão grandes quanto as árvores antigas que têm por aqui, e são todas brancas como neve. - Dizia Jhon, aos suspiros, enquanto suava horrores com a combinação de calor do início da manhã e umidade da selva fechada.
-Uau! Eu nem consigo imaginar que uma muralha feita de pedras possa ser tão grande assim! Deve ser muito bonita! - a garota comenta.
Ela liderava agora o grupo alinhado numa fila indiana que atravessa a mata. Com Kaiera, abriam um caminho por entre as pteridófitas e outras plantas e arbustos que ficam atrapalhando a visão da frente e o seu andar.
-Você se concentra, Minaa! - Seu companheiro reclama, afastando um galho perdido e acidentalmente o partindo com a força do stress, olhando de esguelha pra trás.
Sua companheira durante todo o caminho não parava de bombardear os estranhos - potencialmente inimigos, com perguntas sobre tudo de fora da floresta.
-Eu, Fyrr, - ela seguiu, ignorando o burro do seu companheiro, provavelmente decidindo desistir - porque um espírito como você decidiu trabalhar com os kristanos? Pensei que espíritos não ligavam pra coisas de mortais.
-Bem, tem alguns benefícios que só os mortais podem oferecer, e aliás, eu sou semi-espirito, então, tem muita coisa que eu consigo interagir que está no seu mundo mortal. - O garoto responde com leveza, se cansando rapidamente daquela caminhada que parecia não terminar nunca, e o calor intenso da área o assombrando com relances aqui e ali.
-Ooooh! Eu já vi uns espíritos antes, eu sempre os achei esquisitos em suas ações. Ei! Fyrr, você caga?
-Não.
-Mas então, o que acontece com as oferendas de comidas que damos pra os espíritos?
-Tudo o que comemos se converte em mana dentro de nós… eu acho…
-Uau!
-Calem as bocas! Chegamos! - Kaiera exclama de repente, virando o rosto para trás.
O grupo enfileirado para a sua caminhada estava levemente arfante e cansado, mas enquanto diminuía o passo, Nattan, de postura estoica, olhava em volta com cautela, apenas vendo mais e mais floresta e escuridão, sem nunca acabar, apenas cortada por algumas iluminações locais e suaves de raios de sol atravessando o teto de folhas várias dezenas de metros acima.
-Chegamos aonde? Não tem nada aqui…
- Isso porque não queremos que vocês vejam nada, kristano. - O rapaz comenta esporadicamente, dando ênfase a situação dos quatro com seu olhar desdenhoso, e então, lhes deu as costas.
Casualmente caminhou alguns metros para a esquerda, onde havia um rochedo coberto de limo e vinhas quase secas, parasitadas por samambaias. Ele com cuidado encostou sua mão num pequeno nicho que parecia ter sido cavado há anos no rochedo, pouco abaixo de seu centro, onde o musgo havia infestado tudo.
Quase naquela mesma hora, houve um som estranho de estalo.
Quase que ao mesmo tempo, os quatro fitaram na direção da floresta onde parecia estar havendo uma dilatação da imagem além, a cena de troncos e mais troncos se afundando num eterno corredor escuro se distorce como uma imagem sob o olhar de lentes de vidro, lentamente, começou a se curvar, dando vertigem e náuseas em Fyrr. Antes que pudesse se acostumar, viu a distorção parar, e a silhueta da floresta profunda, que se distancia como numa superfície de cadeirão refletindo sua imagem, agora, se tornou uma cena completamente diferente. Um lugar diferente.
-Caramba. - Fyrr sussurrou, tirando um sorriso orgulhoso da garota, que andava ao seu lado, na liderança da fila indiana.
O grupo agora estava diante de um imenso corredor natural de árvores antigas, altas e sombreadas. Um corredor menos obscuro que o interior hostil de Mahatma, e com um quê místico inexplicável que deliciava a curiosidade da raposa. E no fim daquele corredor, havia a imagem do que parecia ser um portão de Fortaleza, construído ligando vários troncos de árvores e os amarrando com cordas, ligados com pregos de aço, um portão tão imponente quanto o da base do 47° pelotão.
-Esse foi um truque e tanto! - a kitsune comentou. Extasiado.
-Pena que não é o suficiente pra evitar pragas como vocês. - Kaiera replica rudemente.
-Bem, agora que chegamos aqui, é bom deixar algumas coisas claras. - Dizia Minaa, fitando o garoto com olhos excitados - esse aí, - ela aponta pra seu parceiro, trocando um olhar indiferente com ela - é Kaiera, o filho do atual Pkiya da tribo. Algo como o filho do chefe, e a única pessoa aqui que tem alguma chance de fazer vocês entrarem vivos na nossa tribo.
-Poderia ter dito antes, sabe? - Fyrr reclama.
- Foi mal, bem, apesar disso, o máximo que nós dois… quer dizer, que ele consegue fazer, é segurar os guardiões do portão até o pai dele chegar, mas o resto é totalmente com vocês, ok?
-Bem, se o pai dele chegar, nosso objetivo vai estar concluído, de qualquer…
-Não, - ela corta o garoto - o chefe da tribo é o ancião sacerdote. Se vocês quiserem chegar até ele, vão ter que sobreviver ao pai do Kaiera, entendeu?
Ela mandou um olhar maroto na direção da raposa impaciente que só o fez perder mais três fios de cabelo com irritação.
-Capitche. - Ele responde secamente.
Então, guiados pelos nativos, agora lado a lado, seguem pelo corredor artificial de árvores frondosas, perfeitamente alinhadas numa fileira, em direção ao grande portão. E quanto mais se aproximavam, mais a tensão daquela visão sobre uma linha invisível sendo atravessada crescia, junto com a tensão sobre o futuro que os aguardava.
O portão ficava mais imponente de perto, como Fyrr via. Fala tomado por grandes troncos bem polidos, não havia nenhum mecanismo aparente que permitia abri-lo, apenas um monte de madeira ligada por cordas e esteiras de metal em sua base, algo como bronze. E o topo do portão sumia entre a folhagem dos galhos superiores das árvores, que deixavam apenas poucos fragmentos de luz solar iluminando vagamente o local.
Kaiera tomou a frente, sem qualquer aviso prévio, assim como abriu o caminho místico para o portão, e encostou sua mão nele, sussurrando algumas palavras para ele.
Tanto a raposa quanto os outros magos puderam sentir a vibração da mana em volta dele quando o portão começou a mostrar sinais de vida. Estalos de madeira timidamente aparecendo como o crepitar de chamas até se transformarem no barulho de madeira sendo torcida. Numa velocidade anormal, as colunas vivas do portão começaram a se contrair e torcer para os lados, se abrindo numa entrada alta em forma de arco, com alguns grãos de serragem e fragmentos de casca de árvores voando com as lufadas de vento que vinham do interior da entrada.
Os nativos entraram, e o grupo os seguiu sem fazer perguntas maiores.
O interior da entrada era um pouco mais escuro que o ambiente externo, logo, os olhos afiados de Fyrr puderam ver com precisão que além do portão, havia uma espécie de sala. Quando atravessou o arco, percebeu que não se tratava de uma sala, mas de um corredor no interior do portão. Aparentemente a grande porta era apenas a entrada para uma muralha muito maior por onde estavam atualmente.
O lugar era aberto e feito de madeira, com piso de alguma espécie de argamassa misturada com cascalhos polida, paredes e tetos construídos de madeira e cordas de palha bem firmes, basicamente uma caixa gigante. No extremo oposto da sala, onde a luz se refletia com mais força, estava um segundo portão imponente, poucos metros menores que o anterior, este que fechava lentamente a sua entrada em arco.
Jhon olha de esguelha para trás, preocupado, mas seus companheiros olharam firmemente pra frente, pois agora, no segundo portão, dois nativos o guardavam.
Eram homens, altos, e sua estética única por aí só passava toda a informação que precisavam saber para não desafiá-los. Vestiam saiotes longos de palha trançada, peles de animais curtidas cobrindo a frente em faixas coloridas com tinta preta e azul num padrão semelhante às das tatuagens dos nativos que os guiavam. E ambos os guardas usavam grandes capacetes de palha em formato triangular que cobriam suas cabeças e parte superior do tórax, com coroas de penas saindo das suas extremidades, e cada um segurava uma grande alabasta com lâminas serrilhadas.
Eram guardiões.
Kaiera se aproximou deles casualmente enquanto Minaa guardava os quatro. Os guardiões do portão não haviam demonstrado qualquer sinal de hostilidade contra os estranhos trazidos pelos residentes que protegiam, e mesmo Fyrr não conseguia tirar nada deles com as suas cabeças cobertas pelas caixas de palha, mas mesmo assim, a cautela tomou conta dos seus instintos.
Parando bem em frente aos guardiões, Kaiera começou a falar com eles em sua língua nativa, num tom baixo, mas apesar da situação inusual, ele falava com firmeza, de postura bastante estável.
Os guardas permaneceram em silêncio por longos segundos, onde a entrada acabava de ser fechada e agora só restava uma fraca luz ambiente para se contentarem. Depois disso, a postura deles ficou levemente mais rígida, e responderam o garoto em sua língua desconhecida outra vez.
Algo no que eles disseram deixaram Kaiera incerto, mas seu olhar mostrava que parecia não ter se conformado ou desistido, e retrucou os guardiões com mais algumas palavras. Depois disso, os guardas voltaram para o silêncio mórbido de novo.
Tanto o rapaz quanto os quatro já estavam suando frio, até que os guardiões repentinamente viram seus corpos a poucos centímetros em direções opostas e afastam suas alabardas dos troncos, quase no mesmo instante, o som de estalos voltou.
O portão começou a vibrar com a mana e a se torcer, abrindo uma nova entrada arqueada nele. E uma luz clara, forte, iluminou o ambiente, deixando os olhares dos quatro um pouco desconfortáveis após a diferença repentina de iluminação.
-Eu vou… chamar o Pkiya. Vocês esperem aqui. Se fizerem qualquer coisa suspeita, vão ser expulsos na hora, entenderam? - Kaiera diz, se virando de repente para os estrangeiros, com seriedade e incerteza nada agradável ocupando seu rosto.
Fyrr assente contra sua vontade e o vê entrar na luz branca intensa além da entrada arqueada de madeira.
E o silêncio voltou outra vez. Estranhamente, a falante cirana estava quieta também, trocando olhares entre o garoto, Nattan, e os guardiões, como alguém pronta para intervir em algum desenvolvimento inesperado de vendas, ou caso um dos “convidados” tentasse fazer algo por capricho. Mas a situação em geral apenas ficou mais estranha.
E minutos se passavam, deixando o desconforto dos magos florescer e se tornar cada vez mais impaciente… até que…
Uma silhueta escura aparece se aproximando da entrada, até surgir completamente escura como uma sombra saindo do inferno. Um braço grande trabalhado foi a primeira coisa a entrar na sala, se apoiando na beira do arco, até que em seguida, um homem entrou.
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