Era alto, com quase dois metros de altura, torso quase nu, com uma faixa de pele cinzenta o cruzando, vestia um saiote de palha trançada que terminava nos joelhos, e abaixo dele estava um segundo saiote de panos claros, com bordados em padrões de uma faixa de losangos com círculos azuis dentro de cada polígono, o mesmo que o das tatuagens que cada cirano que viram até agora tinham, tatuagem que o nativo carregava na face esquerda, cruzando seu rosto da testa ao queixo e indo pelo lado do pescoço.
O homem forte, mas esguio, tinha a cara bastante parecida com a de Kaiera, com exceção de seu queixo mais quadrado, mas a franja partida e os cabelos presos numa trança longa eram idênticos.
Seu olhar era tão firme quanto o do garoto, e fixou-o nos quatro firmemente enquanto se aproximava deles a passos pesados, tensos, ignorando os guardiões completamente.
Fyrr segurou a intenção pesada do cirano até ele parar em frente, olhando cada um dos magos de cima a baixo, analisando cautelosamente cada detalhe em suas roupas e rostos, parando por alguns segundos significativos em Jhon, que começava a se preocupar de verdade, e depois, fitou Fyrr de baixo pra cima, com um quê de expectativa e um toque leve de desdém.
-Hmm… ser semi-espiritual… - ele sussurrou calmamente.
Aproveitando a deixa, o garoto decide arriscar, enfrentando o líder cirano cautelosamente.
-Posso dar as honras?
-..., não pense que o fato de não ser um kristano vai ajudá-lo aqui. - O nativo diz, curto e grosso.
Engolindo em seco, a raposa continua, preocupado em estender aquela situação desfavorável demais.
-Eu sou um agente de investigação de krista, como já deve ter ouvido. E estes três são meus subordinados.
-Sua posição também não vai significar nada aqui. - Ele continua retrucando, com a voz grossa retumbando dentro da sala espaçosa entre os portões, o que mais impressionada a principalmente Jhon, era sua pronúncia quase perfeita da língua de Krista, assim como a de Minaa e de Kaiera.
- Não precisa te importar, senhor Pkiya. Eu não vim aqui me gabar de ter um posto importante no exército de Krista.
-..., É muito cedo pra essa petulância, certo? Ou deveria dizer… muito tarde? - o nativo provoca, casualmente.
A falta de ameaça em seu Tom relaxou um pouco a atmosfera, mas sabendo que estava andando numa corda bamba, ser direto ao ponto poderia ser arriscado atualmente.
-Não quis ser petulante, apenas quero cooperar da forma mais justa possível. Meu serviço aqui não é denegrir ou ferir o seu povo, é trabalhar com ele para resolver um problema. Eu não estou os culpando de nada do que vem acontecendo nesses cantos de Mahatma, apenas… estou pedindo a sua ajuda para resolver isso. Seja você ou o ancião, não me importa, eu apenas quero alguém com quem possa trocar informações e opiniões, será que isso é motivo o suficiente para apenas me ouvir?
-..., Eu… - seguiu dizendo o cirano, após segundos significativos de silêncio, perscrutando a mente da raposa com o olhar, ou apenas tentando atravessar a barreira que aqueles olhos violentas tinham, mas sem grande sucesso - em todos os anos da minha vida, nunca ouvi falar de um enviado de Krista até aqui para negociar… quando precisam de algo, mandam seus soldados de branco virem pegar, quando tem um problema conosco, mandam seus elefantes de guerra nos pisotear ou seus incendiários nos queimarem vivos… espírito, porque confiar em você?
- Seu amigo não explicou? Estou disposto a me fazer de cativo se precisar, podem até nos amarrar, ou talvez arrancar meus membros também… se bem que eles vão crescer de novo, de qualquer jeito. - A raposa diz, casualmente, abrindo um leve sorriso confiante.
O nativo volta a se aquietar, observando o garoto atentamente mais uma vez… até de repente soltar um suspiro cansado.
Minaa, quem suava frio durante toda a conversa, observando o garoto com um olhar mórbido, suspirou em alívio também.
O Pkiya lhes deu as costas e caminhou alguns passos na direção da entrada, olhando para trás, na direção do grupo, no meio do caminho.
- Vocês só têm duas coisas que precisam saber. Primeiro: meu filho não os trouxe aqui por ser idiota ou por se intimidar com o distintivo na sua bolsa, todos aqui já sabíamos que alguma coisa seria feita hora ou outra por vocês, ignorá-los, atacá-los ou acatá-los são escolhas que pouco importam pra nós, e ele apenas escolheu acatar. Segundo: não precisam se preocupar com ganhar nossa confiança sacrificando um braço ou perna, ou sua própria segurança, - ele parou ao chegar perto da entrada, se cobrindo quase inteiramente pela claridade branca que adentrava a câmara, apoiando outra vez seu braço na parede e mostrando aos estranhos perto de suas poderosas costas, afiou seu olhar na direção da raposa outra vez. - Podemos nos livrar de vocês no exato segundo em que quisermos, kristanos.
Jhon engole em seco mais uma vez, duvidando gravemente de suas escolhas naquele momento, enquanto Nattan e Hory apenas suspiram de exaustão mais uma vez, conformados.
Atendendo ao sinal do Pkiya, Minaa acena para Fyrr, que acena de volta, e a segue, quando ela os guia para acompanhar agora, o líder dos guerreiros de uma tribo inteira.
(...)
Quando atravessaram a entrada, que ganhava um tom mais místico pela claridade cegante vinda dela, e se deixaram ser engolidos por ela, seus olhos aos poucos se acostumaram à claridade do ambiente externo, e a mudança foi brusca, como do vinho pra água.
Nattan, ao lado de Fyrr, agora que o ambiente e a situação pareciam mais favoráveis, estava com o braço criando sombra na frente do rosto, e viu a sua visão ofuscada pela luz começar a enxergar rapidamente um céu resplandecente e enorme sobre eles, um céu não viam há mais de 24 horas, algo que não havia experimentado há anos.
E a sua volta, o cenário sombrio, fantástico e cruel de uma selva impermeável deu lugar à visão de uma magnífica cidade-arvoredo.
Jhon, apesar de já ter lido vagamente sobre o assunto, também não segurou o ar nos pulmões quando viu o ambiente à sua volta. O portão atrás deles estava ligado numa muralha tão alta quanto da base, mas discrepantemente mais larga, sumindo em todas as direções nas esquinas das construções que se espalhavam pela área.
As ruas da tribo eram espaçadas por estradas do mesmo piso de cascalhos de antes, bem polido e cuidado, com linhas de árvores plantadas artificialmente através da silvicultura em fileiras que entravam e alimentavam os habitantes com pequenos frutos escuros. As casas eram geométricas, feitas de madeira trançada e cordas, com sombreiros nas entradas e janelas, tapeçarias de peles e palha trançada as enfeitavam, com faixas que exibiram hieróglifos rústicos e o padrão igual à da tatuagem que todo o cirano carregava em alguma parte do corpo à mostra, e eles estavam por toda a parte. Até o momento, os quatro apenas assistiram de relance a presença imprevisível dos ciranos aqui e ali, alimentados pelo seu imaginário como parte da topografia fabulosa da grande Mahatma, mas agora, eles quem eram os elementos estranhos num mundo de ciranos.
Mulheres carregando cerâmicas pesadas cheias de água, caçadores com seus porcos selvagens recém escalpelados amarrados em varas sendo levados ao forno comunitário, crianças aqui e ali, ao lado de seus irmãos, avós e mães, todos indo e vindo nas ruas simétricas e arborizadas daquela pequena cidade natural, que parecia estar em comunhão completa com a natureza em volta. Não à toa que pequenos animais como aves urbanas aqui e ali apareciam, recolhendo algo deixado de lado pelos moradores no chão e sumindo nos orifícios e cavidades que se espalhavam pelo lugar, por todo lado.
Claro, não demorou muito para que o grupo inusitado acompanhado pelo chefe dos guerreiros começasse a atrair a atenção do povo daquela terra.
O Pkiya guiava-os por uma avenida aberta arborizada por duas filas de Palmeiras, por onde o tráfego humano era significativamente maior, o que atraiu os olhares curiosos se todos que passavam. Crianças principalmente, puxando a barra dos saiotes de duas mães e avós enquanto apontam insistentemente para os estrangeiros, homens adultos de meia idade que lançavam olhares tortos e incrédulos para eles, mas que não passavam disso quando chegavam a esbarrar no olhar imponente do Pkiya, que seguia seu dever ignorando toda a atenção do povo que protegia.
Jhon se encolhia levemente nele mesmo enquanto atiravam os olhares desconfortáveis em sua direção, e Fyrr durante todo o tempo, apenas balançava sua cauda alegremente pra lá e pra cá, admirando e absorvendo aquela cena ambiente com avidez.
Em pouco tempo, quando a população começava a se concentrar em volta da avenida, pulverizando sons de fofocas na língua nativa dele aqui e ali, chegando nos ouvidos da raposa, eles terminaram a estrada aberta que cortava a cidade-arvoredo numa linha reta, chegando no centro.
Um círculo de monólitos apareceu, quando não havia mais árvores à frente. Rochas bem esculpidas em peças únicas se agrupavam num enorme círculo de intervalos de três metros. Padrões semelhantes ao das tatuagens e desenhos de todo tipo de animal estavam cavados nas peças, que eram coloridos em tons azuis, pretos, verdes e brancos.
O círculo de pedras deveria ter uns 40 metros de diâmetro, e no centro dele, um outro círculo, de grama, cobria o solo ao invés de pedra. E no centro do círculo, estava a maior construção que os quatro viram até então. Um retângulo de 20 metros de comprimento, de um andar, com teto de palha e paredes de madeira e taipa, cobertas por palha colorida em preto e azul trançadas em padrões poligonais. E cada padrão possui no centro, um círculo azul. Era uma construção bonita, com um sombreiro de palha na frente da entrada.
-Lá, - dizia o Pkiya, acelerado o seu passo, mas sem olhar na direção dos quatro - é onde vive o ancião-sacerdote que governa essa tribo. Não seja desrespeitoso, não tente se segurar em sua patente, e principalmente, seja honesto. Ele é um homem paciente e sabe ouvir as pessoas, mas também sabe ser duro com quem merece.
-Eu entendo… muito obrigado pela cooperação. - Fyrr responde, segurando o seu ânimo.
-Não, não entende não, espírito. E não me agradeça ainda. - Ele retruca, grosseiro, parando finalmente em frente a fachada, no chão gramado.
O Pkiya atira na direção da raposa um último olhar significativo, e toma a frente, entrando na grande casa primeiro.
Fyrr se volta para seus companheiros atrás dele e troca olhares de confirmação com eles, também, trocando olhares com Minaa, que assentiu, deixando transparecer seu nervosismo com a presença do seu líder, mas resoluta. Após Nattan e Hory assentirem, o garoto aponta para Jhon, que engolia em seco.
-Você vem comigo. - Ele bruscamente ordena.
-Ha? Por quê? Isso não seria ruim?
-Claro que não, é uma autoafirmação. Não se preocupe, já chegamos longe demais pra nos arrependermos, kristano.
-Eu sei, Fyrr, é o que venho pensando desde que atravessamos essa floresta. - Ele diz, rispidamente, mas sem opções, acompanha o garoto para dentro da tenda.
A primeira impressão que tiveram foi através do cheiro. O odor de incensos aromáticos estava infestando um ambiente fechado. Uma sombra acolhedora os cobriu depois de estar nos últimos minutos sob o sol, agora, eles andavam por um carpete de peles e palhas trançadas, com padrões elípticos, olhando em volta, decorando o ambiente com avidez, sendo a primeira vez que a raposa via algo tão exótico. Era empolgante.
As paredes tinham a estrutura básica de madeira a mostra, por cima de vários carpetes coloridos de padrões losangulares, preto, azul e branco, pandeiros e luminárias de madeira estava penduradas poucos metros acima, em cordas, quase contrastando com o teto triangular escuro e sua estrutura de madeira cruzada, sustentando o teto de palha e taipa. Peles e tapetes estavam pendurados pelas paredes também, com grandes apanhadores de sonhos emplumados de várias cores presos nas extremidades da estrutura, balançando com a leve lufada de ar que saía e entrava pela única saída do lugar. As extremidades da grande sala fechada estavam cheias de vasos de cerâmicas grandes e médios, fechados com tampas de madeira, e sobre eles, vasos menores de onde os incensos se prendiam liberaram a fumaça que perfumava o ambiente, e dava a ele uma impressão mística, outras duas portas paralelas de sentido norte e sul, obscurecidas pela sombra do interior da cabana, pressionavam os dois estrangeiros, que agora caminhavam pelas peles deixando seus guias pra trás.
Fyrr olhou de relance para o Pkiya, e o viu se afastar e se juntar a outro nativo, que guardava a entrada do salão pelo lado de dentro, quando ele percebeu que se tratava de Kaiera, deixou os ciranos de lado e preocupou-se em atender o melhor que pudesse para a figura central de agora.
No final da sala, contra a parede norte, onde máscaras de madeira coloridas com faixas em padrões simétricos em placas de madeira se afixaram dois metros acima, em volta de peles de golas emplumadas, e logo abaixo, no piso, havia uma pequena elevação artificial feita de madeira, coberta de tapeçarias e couro curtido, surrado e descolorido, diferente de toda a peça em volta, mas ele não era importante, mas sim, o velho que sentava sobre o pequeno altar, um pseudo trono onde sentava a figura definitiva de liderança para a cidade-arvoredo da tribo, o sacerdote ancião.
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