Foco era a chave, e com foco, o garoto seguia de pernas cruzadas, sentindo a mana ao seu redor se agitar quando em contato com a sua.
Era como afastar um cobertor invisível que te cobria, apenas usando sua vontade e mãos imaginárias, surpreendentemente difícil, mas simples de executar. Com algum cuidado, após várias horas de exercício, finalmente, a raposa conseguiu absorver a mana ambiente e tomá-la para si, assim como instruído por Jhon, quem o fitava sentado ao lado, cheio de expectativa.
-Muito bom! Você aprende surpreendentemente rápido comparado a um humano, Fyrr, - o kristano o elogiou - agora, tente a manipulação de mana por-Ai!
Coçando a bochecha após o gemido, o kristano encara a criança que se afastava dele a passos rápidos, rindo consigo mesma loucamente, depois de ter cutucado o rosto do forasteiro com sua vareta.
As outras crianças riam e apontavam para ele, trocando falas indecifráveis entre si.
-Eu dizia… - seguiu, acanhado - teste agora usar sua manipulação de mana como a mana que absorveu…
Fyrr suspirou, de cenho franzido, e lentamente desfez sua aura dourada enquanto abria lentamente seus olhos. As crianças encantadas em volta curiavam o exercício da raposa com olhos brilhantes, experimentando a presença da magia pela primeira vez.
-Nah! Não dá pra se concentrar direito aqui. Ei! Moleque!
As crianças se afastam com o olhar moderador da raposa neles, mas logo se aproximam, e Fyrr pegou de sua roupa um barbante, que começou a casualmente enrolar em seus dedos enquanto balbuciava.
-Já que vocês querem tanto assim brincar, venham ver isso…
Ele prendeu as pontas do barbante em nós nos indicadores e então, começou a dedilhar e enrolar o barbante entre os dedos. As crianças encaram-no com curiosidade e um quê de expectativa que não entendiam direito, até que a raposa, cheia de suspense, revela estirando das mãos uma teia manualmente formada.
-Tarãn!
As crianças suspiram surpresas, se aproximando mais alguns passos dele.
-Uau! Como fez isso? - Minaa pergunta, tão encantada quanto as crianças.
- Se chama cama de gato, e você ainda não viu nada, garota. - Ele comenta, abaixando suas mãos e brincando com o barbante de novo.
Erguendo-as, revela um outro padrão em forma de teia de aranha nas mãos, o que surpreende mais ainda as crianças, e a garota, em volta, e em seguida, mostrou um outro padrão curioso em forma de estrela.
-Certo, não tem graça só ficar mostrando, não é? - ele comenta, sorrindo todo impertinente.
Então, desfazendo a cama de gato, retira outros dois barbantes do quimono e os oferece cuidadosamente a algumas das crianças mais velhas, prendendo as linhas em seus dedos e dando as dicas certas para que eles aprendessem bem o funcionamento da brincadeira.
-Ei! Me ensina também! - Minaa exclama.
-Você é velha demais pra isso.
-Espírito ruim!
As crianças, agora com os barbantes nas mãos, começaram a desajeitadamente brincar, formando camas de gato tortas entre os dedos, enquanto as outras crianças se reuniam em volta do trio, admirando e tentando seus companheiros, sedentos por experimentar o novo brinquedo. Lentamente elas começaram a se afastar do epicentro e sair do quichá, querendo surpreender suas mães mostrando a descoberta delas.
-Até que enfim, crianças irritantes. - Reclama a raposa.
-Você também não é uma criança? - Hory retruca.
-Pré-adolescente! Seu puto!
-Droga… não façam muito barulho… - Nattan reclama, ainda encostado no pilar.
-Já tá de ressaca, é? Seu pinguço! - Fyrr reclama.
-Então, Fyrr, vai continuar os exercícios de manipulação de mana? - Jhon se apronta em cortá-los.
-Nah! Acho que agora já deu. Vou só relaxar um pouquinho.
O garoto se deita na pele abaixo, e apoiando a cabeça com um dos braços, começa a coçar sua orelha.
-Ei! Garota!
Enquanto Kaiera enviava seu olhar de desprezo até o espadachim, Minaa responde ao seu chamado, com um sorriso sem graça.
- Sim?
- Você é mesmo um soldado de Krista? Se soubessem que eles estão tão decadentes hoje em dia, não teríamos tanto medo assim de patrulhar. - Kaiera provoca.
- Preciso de álcool, urgentemente. Tem alguma coisa aqui que sirva?
-Hmmm… nós temos caiuim. Serve?
-Vai me deixar bêbado?
-Provavelmente.
-Então traz! Rápido!
-Cara, por que você tá tão insuportável hoje? - Fyrr reclama, genuinamente incomodado.
-Eu sou muito mais eficiente assim. Desculpe se não leu as linhas pequenas do nosso contrato, senhor agente de investigação. - O espadachim retrucou, com escárnio.
-Tudo bem, eu vou lá buscar… - Minaa se aponta, levantado do seu lugar.
-Não é melhor seu amigo ir com você? Vai que dá algum problema.
Kaiera contraiu o rosto de irritação, chegando no limite da paciência.
-Escuta… arr, esquece. - O rapaz começa a levantar, baixando seu tom, em desistência, e envia um olhar condescendente a sua amiga - Minaa, fica de olho neles e deixa que eu vou.
-Nah! Podem ir! Eu cuido desses caras, sou líder deles, de qualquer jeito. - Fyrr exclama confiante para os dois.
Desconfiado, Kaiera perscruta a face do garoto, mas não vê nada, e sua máquina de processar informações já estava duvidando fortemente da oficialidade que dava aos agentes kristanos.
"Esses são os caras que vem nós encurralando na nossa própria casa todo esse tempo"?, pensou, indiferente.
-Certo vamos lá, Minaa.
-Tem certeza? O sacerdote…
-Eu não vou aguentar ficar mais um minuto com essa gente, de qualquer forma, e é melhor você não ficar também. Não é como se eles fossem fazer qualquer coisa agora. Estão presos aqui. - Ele se apressou em convencê-la.
Colocando toda a sua indiferença e desdém em seu tom, a segurou pelo ombro e acompanhou-a até a saída. E dando uma última olhada para o interior o quichá, fortaleceu seu desdém com imagem dos quatro "agentes" esparramados no chão, como apenas quatro andarilhos sem rumo ou honra.
Assim que o casal sai, a atmosfera do ambiente muda, com a tão agitada oportunidade de conversa interna. Mas que veio com o custo de irritar seus anfitriões.
-Nem imaginava que você podia ser tão inconveniente, Nattan. Meu desgosto foi bem genuíno. - Fyrr apontou para seu companheiro, sem tirar os olhos da entrada por um segundo.
-Dane-se. Eu disse que precisava beber, não foi? Eu sou rabugento quando sóbrio.
-Parece até um velho. Credo, o que diabos aconteceu com você pra ser assim já aos vinte anos?
- A vida. - Ele resmunga, se desmanchando enquanto na base da coluna, abaixando o seu tom ao mesmo tempo - Mas você é a última pessoa que poderia falar isso, não acha? Que tipo de vida você teve pra agir igual um psicopata mentiroso descarado logo criança?
-Gente, por favor, vocês não acham que estão abusando demais da sorte? - Jhon reclama pela primeira vez, também no limite da paciência, e agora que tinha um espaço pessoal com os outros, sentia-se livre para reclamar.
-Eu tive bons tutores, que pelo menos me ensinaram a ter educação. Diferente de você. - Fyrr retruca, ignorando seu companheiro.
- De onde você tirou aquele distintivo? Da bunda?
-Eu roubei do escritório do capitão, estava na escrivaninha dele. Também consegui roubar uns papéis em branco e uns trocados dos bolsos dos soldados que nos escoltaram.
-Caramba, que mãozinha leve. Foda.
-Vocês estão me ouvindo? Fyrr! - exclamou o kristano, se preocupando ainda mais - Não bastava você mentir pra os soldados, mas também nos mete no meio de uma tribo cirana com base em mais um monte de mentiras, e eles sequer precisam saber ou não da verdade pra cercar a gente!
-Não sei por que está se preocupando tanto… a narrativa da mentira foi concisa até o fim, e eles a compraram, no final das contas, com as "evidências" que eu mostrei. Só preciso continuar mantendo minha postura correta e não acho que eles vão nos passar a perna do nada.
-Seu plano ainda consiste muito em sorte! - ele implica - E se esses dois não tivessem confiado na gente? E se eles sequer conseguissem entender nossa língua? E se eles tivessem nos levado pra uma armadilha?
-E do que adianta pensar nisso? Sorte não é uma coisa boa? - o garoto tinha o semblante completamente indiferente enquanto coçava seu nariz por dentro, com o mindinho - realmente, foi bem conveniente eles entenderem kristano e serem moderados nesse conflito. Mas no final das contas, não precisaria que eles fossem pacíficos também. O importante sempre foi se infiltrar num grupo deles e ganhar a confiança, e sempre existe um caminho pra isso, contanto que não sejam absolutamente agressivos.
-Você… é tão exacerbadamente confiante que me preocupa. Sabe que às vezes, tudo pode dar errado num piscar de olhos, não sabe?
Pela primeira vez, Jhon olha para o garoto genuinamente preocupado, e em resposta, a raposa apenas desvia o olhar, ignorando a pontada dada em sua soberba.
-Sim, é claro que eu sei, cacete, fica calmo. Eu também tenho um truque na manga caso as coisas deem muito errado. Não se preocupe. - Resmunga.
-Sério? - Jhon pergunta, quase numa súplica.
-Sério? - Hory reitera. De braços cruzados, também sentado sobre um dos pilares de madeira.
-Sim! Droga! Eu não sou burro ao ponto de entrar na boca do leão sem nenhuma certeza de escapar inteiro.
-Então, o que vamos fazer agora? Tá pretendendo confiar nas escolhas do ancião-sacerdote e das pessoas daqui também? - Nattan pergunta.
-Mais ou menos. - O garoto retruca.
-Hã?
-Ainda preciso saber se eles têm alguma informação que eu estou precisando. Ou qualquer coisa que aponte isso pra mim. Mas acho que pode ser algo meio delicado deles de dizer, por isso, eu queria estabelecer algum laço de confiança antes… ah, Jhon.
- O que?
- Acho que tem mais algumas coisas que deveríamos deixar claras pra mim antes de continuar. Primeiro. Porque os toppos são importantes?
-Hã? Ahh… bem, você sabe o que é a união druida?
-Não, e o que são druidas?
-Resumindo… druidas são como chamamos os magos cianos. Depois de alguns séculos de guerras, os povos ciranos de toda parte decidiram que os kristanos eram um mal maior que tudo o que já viram antes. Sabe, os druidas sempre foram os habitantes mais antigos do norte do continente, mais antigos que nós kristanos, que surgiram dois mil anos atrás, e mais que os curdos e os murdos, que vieram do Sudoeste há três mil e quinhentos anos. Eles já tinham preestabelecido suas culturas e clãs há muito tempo, e desde a antiguidade, eles viveram períodos de guerras tribais e alianças, sempre em comunhão com a floresta Mahatma como seu centro. Mas depois que a expansão de Krista começou, eles largaram as guerras entre os clãs e famílias e decidiram se organizar numa grande unidade só, apenas com a função de proteger Mahatma e combater os invasores quando necessário. Essa união veio dos dez maiores clãs druidas, que fundaram a cidade da união druida, que hoje, são umas das três forças principais que governam a floresta Mahatma, e um desses dez grandes clãs é o clã Toppo.
- Huh. Uma das três? E quais são as outras?
-Bem, eu diria que as serpentes da noite, e também a rainha das fadas? Talvez. Mas como o ancião-sacerdote disse, clãs são formados por várias famílias diferentes, então, se eles são uma família que não foi junto com o clã para a união, então, provavelmente eles não têm uma grande ligação com a união, mas mesmo assim, devem ser fortes o suficiente para se garantir.
-Por isso tanta confiança… - o garoto indagou para si mesmo - Mas isso significa que temos alguma chance de estar perto de informações valiosas. E se eles não estão no epicentro do anti-kristanismo, deve ser possível negociar… é, acho demos sorte mesmo.
-Ou nem tanto. Vai depender de que tipo de problema tem aqui. - Hory comenta, repentinamente ganhando a atenção dos outros - Eu não sei muito sobre a política daqui, mas sei que quando tem um problema dentro de um grupo, quando alguns deles se obrigam a pedir ajuda externa, é porque tem algum problema interno grave no meio.
-Não vejo por que uma família Toppo se obrigaria a pedir ajuda de kristanos, mesmo se a causa dos problemas fossem todas as tribos locais… - questiona o Jhon, engolindo em seco.
-Não, tem uma chance sim disso ser verdade. - Nattan conta, sorrindo com desdém - basta que a possibilidade da causa seja uma bem específica.
-Qual? - indaga a raposa, já prevendo mais ou menos qual seria a resposta de seu companheiro.
-Que a causa do problema seja uma outra família de um dos dez clãs.
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