O silêncio presente no vazio em que Vince se encontrava era sufocante. Ele não conseguia entender o que estava acontecendo. Há poucos segundos ele estava agonizando no chão de seu escritório após ter sido traído por seu irmão de juramento e melhor amigo. E agora, se encontrava perdido em um lugar onde não havia nada, nenhuma coisa, nenhum ser vivo. Apenas ele.
Diversos pensamentos passavam por sua mente. Sua vida não tinha passado de um simples sopro e ele sentia que tudo havia sido um desperdício, pois no fim, ele estava sozinho. Não teria uma única pessoa que choraria em seu velório, ou que sentiria o luto por sua perda.
Enquanto divagava sobre seu passado, Vince acaba tendo sua visão totalmente ofuscada com uma luz crescente que parecia se aproximar cada vez mais. Ele cerrou seus olhos, tentando distinguir o que aquela luz significava.
As retinas de Vince ardiam e pareciam queimar. Era como se ele estivesse de frente para o Sol. A forma luminosa parecia estar ganhando forma, diminuindo de tamanho, mas não de intensidade. Só quando ela estava próxima o suficiente de Vince que ele conseguiu distinguir o emissor daquela intensa luz. Era um...
"Um gato siamês?"
A perplexidade na voz de Vince parecia divertir o gato, que acabou por esboçar um leve sorriso.
"Tecnicamente, eu não sou um gato;" o animal havia começado a falar, deixando Vince ainda mais perplexo. "Escolhi essa forma por ser algo que seria fácil pra você assimilar, minha verdadeira forma é demais para a mente humana aguentar. A última pessoa que viu a verdadeira aparência de um Perpétuo simplesmente entrou em colapso e sua cabeça explodiu." O gato fez um gesto com as patas, como se representasse uma pequena explosão.
"O-O gato falou?!" Depois de alguns instantes perplexo sem conseguir dizer nada, Vince finalmente conseguiu dizer.
O animal dá de ombros, como se já esperasse aquele tipo de reação.
"Mesmo eu tendo dito que não sou um gato, essa é a reação que normalmente as pessoas têm."
Ele se aproxima do gato, abaixando para ficar em uma altura razoável do bicho, e simplesmente começa a cutucar a cabeça do animal, como se quisesse confirmar que ele era real.
"Para de me cutucar e presta atenção em mim, seu maluco;" o gato siamês diz, enquanto afastava o dedo de Vince de perto da sua cabeça. "Nós não temos muito tempo para conversar, e se você ficar me cutucando igual à porcaria de um ursinho de pelúcia, a gente vai ficar sem tempo e a sua alma simplesmente será jogada no limbo."
Vince parou. O gato estava sério demais para ser apenas uma piada. Se é que seres conhecidos como Perpétuos que assumem a forma de gatos siamês fazem piadas.
Ele respirou fundo. Tinha algumas dúvidas sobre o que estava acontecendo, mas tinha certo receio do que iria ouvir.
"Antes de você começar a falar, só me diga uma coisa... Eu realmente morri?" Era perceptível a inquietação e certo receio em sua voz.
"Sim e não." O gato começa a dizer, enquanto andava em volta do homem. "O seu corpo físico está morto. Mas graças a mim, sua alma ainda pode ser salva. Isso é, se você fizer um contrato comigo."
O ser que havia se denominado como Perpétuo havia parado de andar e estava olhando fixamente para Vince, com certo ar de curiosidade.
Morto.
Vince estava realmente morto. Ou talvez, semi morto?
Nada do que aquele gato falava fazia sentido. Se bem que, só o fato de um gato falar já é algo totalmente sem sentido.
O homem suspira, parecia que toda aquela conversa deveria se encaminhar para aquela pergunta.
"Que tipo de acordo você está falando?"
O gato sorri, a conversa estava indo conforme ele queria.
"Basicamente, faremos um vínculo vital. Minha energia vital e a sua alma se fundirão. Dessa forma, você vai ser capaz de 'regressar' para seu corpo, com certos 'upgrades'." O gato falava gesticulando, totalmente eufórico. "Mas, você deverá fazer pequenas duas tarefas para mim. Primeiro: você precisará libertar meu corpo original da prisão das flores rubras. E segundo: impedir o surgimento da torre."
"Como assim 'corpo original' e 'impedir a torre'? Fala tudo de uma forma que eu consiga entender."
Em um sutil movimento, o gato coloca sua pata na testa de Vince. Seus olhos começaram a brilhar, juntamente com o local onde sua pata estava. Foi então que Vince teve uma visão.
Nela, havia uma torre enorme, colossal e sinistra, que se erguia ameaçadoramente, seus dedos grotescamente entrelaçados em uma dança de roxo profundo. Cada bloco que a compunha parecia ser formado por mãos distorcidas e corrompidas, criando uma estrutura que emanava uma aura de malevolência inominável. Inúmeros olhos atentos encaravam de todas as direções, observando com uma intensidade perturbadora. À medida que a torre ascendia, as mãos continuavam a se multiplicar, como se ansiosas para se estenderem além do visível, alcançando uma onipresença angustiante.
O céu, impregnado em tons de roxo profundo, não oferecia conforto. Era como se a própria atmosfera estivesse saturada com a essência da torre, transformando o ambiente em um pesadelo surreal. Descendo dos céus distorcidos, mãos translúcidas e grotescas mergulhavam em direção à terra. Cada toque dessas extremidades resultava em agonia, esmagando e dilacerando aqueles que ousavam ficar em seu caminho. Um espetáculo aterrador de destruição e desespero, onde as mãos se moviam como marionetes de um horror cósmico.
O gato se afastou de Vince, que estava completamente coberto de suor. Ele sabia que acabara de vislumbrar o futuro.
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