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Garoto Branco

Existência vazia

Existência vazia

Apr 04, 2024

08/08/2021


A existência dele é branca. Vicente pensou, sem nenhum raciocínio lógico para explicar o significado do pensamento, mas fez sentido por um momento em sua cabeça. Uma risada estranha saiu de sua garganta. Olhando para o horizonte repleto de prédios sendo consumidos pela chuva bruta que passava por eles, ele não sentiu nada mais do que vazio.

— Se Vico seguir adiante, ele encontrará seu fim — uma voz surgiu por trás dele, usando seu apelido antigo e invocando a estranha mania de falar em terceira pessoa. Vicente não precisou se virar para reconhecer o dono da voz; ele podia sentir o olhar despreocupado do pequeno ser branco.

— Que observação perspicaz, Garoto Branco — Vicente optou por não deixar aquela conversa séria, afinal, não era significativa. Ele tinha retirado a rede de proteção de sua varanda e estava sentado acima da cerca dela.

— O Vico que conheço pensa bem nas consequências das coisas. — Ele continuou, inabalável.

— Quando Vico for, ele não vai mais poder conversar comigo, qual é o benefício disso?

— Você não existe, nunca conversamos — retrucou rudemente, deslizando os dedos por entre os cabelos molhados.

— Vico é a própria prova de minha existência. Não seja tão estúpido, pelo menos desta vez — o Garoto Branco manteve seu olhar imperturbável.

Vicente ainda sorria enigmaticamente, observando atentamente como a chuva não atingia seu pequeno companheiro, que havia se aproximado simplesmente. Considerando o que Garoto branco disse há pouco, sobre ele nunca mais poder conversar consigo, ele voltou um pouco atrás, no dia que tinha visto o pequeno borrão branco pela primeira vez, de maneira tão inusitada.

Havia sido um dia insignificante, Vicente estava se unificando com o ar pacífico da Biblioteca de sua faculdade, fazendo parte dele. Era um contraste e tanto, sendo Vicente um ser de natureza impetuosa, mas sempre com um olhar infeliz, naquele dia em específico, ele estava cansado de todos. A dor nas suas costas parecia ter aumentado mais ainda. Em seus ouvidos tinham fones que soltavam uma melodia aconchegante e suave. O clima monótono o atingiu, ele fechou os olhos e pediu silenciosamente para alguma “força maior” o levar desse mundo. Vicente levantou e olhou o relógio que estava acima de uma grande estante, os ponteiros indicavam que eram sete horas da tarde, significando que faltava pouco para ele voltar para sua casa. O loiro andou lentamente para a porta de saída, sem pressa.
Até que houve aquilo, um choque branco passou por seus olhos, e por um momento, Vicente achou que iria desmaiar. 

Ele rapidamente virou o olhar para onde o borrão branco estava, aparentemente em meio à área de leitura no meio da imensa biblioteca. Estava lotada, cheia de pessoa com suas preocupações individuais, algumas apenas observando os livros, algumas sentadas nas mesas com mais livros, e totalmente envolvidas com tal conteúdo dentro deles, gastando o tempo de suas adoráveis vidinhas, entretanto, o que deixou Vicente perplexo, foi o fato de ter um pequeno ser entre eles, sentado de forma peculiar acima de uma mesa cheia de pessoa, porém, nenhuma mostrou indignação com o ato inconveniente do garoto, que era totalmente branco, cabelos brancos, vestimentas brancas, e até a sua pele era alva. Quando ele desceu da mesa, passou a andar calmamente pelas estantes, sem olhar para livros, só estava andando sem rumo algum, e Vicente estava logo atrás, meio pasmado com o que estava vendo.

— Você me vê? — De repente, a voz calma daquele garoto branco o surpreendeu, os olhos de cor azul claro e que sequer pareciam ter a capacidade de retroceder a luz do dia encararam Vicente intensamente, deixando-o sem reação.

— ... Sim? — Após ter engolido em seco por um momento, ele respondeu, olhando diretamente para os olhos dele. Para deixar Vicente ainda mais confuso, o garoto mais baixo deu um pequeno sorriso, que desapareceu antes que Vicente pudesse o registrar.

— ...Tchau — De repente, o garoto soltou com o tom totalmente imperturbável, virando as costas para Vicente, logo saindo andando casualmente pelos corredores, deixando o outro jovem confuso e sem reação para trás.

Quando o garoto branco sumiu de vista, Vicente teve um vislumbre do absurdo que aconteceu, impulsionado por um impulso inexplicável, Vicente correu atrás dele, encontrando-o em uma área mais tranquila nos recônditos da biblioteca.

— Espera! — Vicente falhou em tentar deixar sua voz baixa. — Qual é o seu nome? — indagou Vicente, lutando contra a confusão que turvava sua mente.

— Não faço ideia. E você? — respondeu simples, deixando-o sem palavras novamente.

O encontro casual com o Garoto Branco marcou o início de uma estranha rotina para Vicente. Fazia um bom tempo que o garoto branco estava o perseguindo a todo custo, e por todos os lugares, mesmo com o outro implorando por distância, e com isso, Vicente rapidamente cogitou a ideia de que estava totalmente louco, com algum tipo de doença mental grave, pois essa era a única explicação verossímil para explicar o fato de ter um ser branco e essencialmente despreocupado consigo, e também pelo fato dele, “aparentemente”, não existir. Vicente começou a observar ele, que quando não estava o enchendo de perguntas e respostas sarcásticas, estava conversando com outras pessoas aleatórias dentro da faculdade dele, e sendo prontamente ignorado por elas. Fantasmas não existem na mente de Vicente, ou melhor dizendo, Vico — um apelido dado por seus antigos amigos, uma brincadeira com seu nome. Ele até apreciava, mas quando todos seus “amigos” o deixaram, ele passou a odiá-lo do fundo do coração —. Certa vez, já tinha tentado uma sessão de interrogatório com o garoto:
— Você existe? — Perguntou, com serenidade em sua face.

— O que você acha? — Vicente suspirou, ele já esperava uma resposta assim.

— Aparentemente, não. — O garoto branco deu um sorriso, se aproximando dele.

— Não tenha tanta certeza, talvez seja ser apenas a solidão de Vico. Uma hora eu apareço socialmente novamente. — Vicente se calou por um momento, e de repente o garoto aproximou as mãos pálidas para o rosto dele, que rapidamente sentiu que algo estava absurdamente errado, mesmo que o outro garoto já tenha feito isso inúmeras vezes, ele sentia um frio onde ele tocava, mas ainda assim, era muito irreal.

— O que isso significa? — Vicente sussurrou, curiosamente, sentindo o próprio olhar pesar.

— ... Não sei. Talvez Vico apenas não deva ficar questionando a existência alheia, é falta de educação – Respondeu ele, Vicente não conseguiu identificar algo real na resposta, apenas o sarcasmo e a ambiguidade que o garoto sempre tinha. Tirando as mãos do rosto de Vicente, ele se estirou na cama. Vicente sentou em sua escrivaninha, e suspirou pesado, observando o rosto de sua companhia, sempre tão rigorosamente sério. Após uns momentos em um silêncio desconfortável, o garoto soltou:

— Vamos sair, tenho que mostrar um lugar para Vico. — Ele se levantou rapidamente, indo até a porta, apenas para encarar Vicente.

Após nenhuma resposta física de Vicente, o garoto arqueia uma sobrancelha: — Vico está à espera de um convite formal? — O loiro silenciosamente desviou o olhar dele, pensativo sobre o que deveria fazer, e bufou de forma audível quando pegou seu casaco e se dirigiu para fora de seu dormitório, em rumo ao estacionamento.

— ...Onde? — Vicente perguntou, dando partida em seu carro alugado.

— Pode seguir seu coração. — Ele respondeu em seco, embora tivesse um pouco de divertimento em sua voz.

Vicente seguiu o caminho que estava tentando evitar faz um bom tempo, mas como sempre, era como ele tivesse uma ligação direta com sua ‘‘assombração’’. Ele entendeu o que ele quis dizer com o “segue seu coração”, ele sempre entedia.

Vicente cresceu em um orfanato comum. Foi bem pequeno e sempre foi totalmente ciente disso, porém Vicente nunca pareceu se contentar com o sentimento arrebatador de abandono, de se sentir indesejado. Mas, para sua sorte, ele fez amigos. Eles sempre foram gentis com ele, e por acaso, lhe deram o apelido de Vico, e o ele se lembra disso como uma memória significativa, o quanto ficou feliz de ter ganhado um apelido, ter conhecido amigos, ter sido acolhido.


Acolhimento esse, que durou até seu aniversário de dez anos. Era sua data preferida, pouco antes de tudo desmoronar. Foi uma boa notícia para eles, de que um casal os adotaria, e os levaria para morar em algum lugar, algum lugar longe dali. Isso acabou com Vicente, mesmo com a notícia feliz para os seus amigos, ele não conseguiu ficar feliz por eles, o que piorou tudo, pois Vicente se sentiu egoísta, um amigo fajuto por não pensar neles. Como consolo, ambos prometeram que sempre iriam ligar e mandar cartas, até eles poderem se reencontrar novamente, o que deixou Vicente esperançoso.

Depois daquele dia, Vicente nunca mais ouviu falar sobre os dois. Foi um final bem trágico.

Chegando lá, Vicente ficou com sua mente terrivelmente fechada, e com seu estômago abafado, como se ele tivesse comido algo muito errôneo no café da manhã. Do lado de fora, o seu antigo lar, que costumava ser acolhedor, parecia uma mansão abandonada e amaldiçoada, a madeira desgastada, o portão de ferro enferrujado e entreaberto, dava a ele uma sensação estranha. Ele estacionou o carro do outro lado da rua, saindo sem rodeios.
Vicente se sentou na calçada de concreto em frente de seu antigo lar, e apenas observou em silêncio o que era seu lar; ele não sabia o porquê, mas ele se sentiu mal do estômago novamente. Suspirou novamente, sentindo sua coluna dolorida.

— Vico se sente nostálgico em locais como esse? — Uma voz brotou atrás dele. E ele lembrava de ter o trancado dentro do carro.

— Infelizmente

— Aqui parece acabado

— Eu sei

— Vico parece cansado de tudo

— Eu sei...

— Pelo menos tem a mim

— Porque isso seria bom?

— Vico ficaria sozinho se não fosse por mim, e eu nunca vou abandonar Vico — Vicente se calou depois disso, pensativo. Vicente guardou as palavras do garoto branco em sua mente, mesmo que, seguindo a lógica racional, esse momento sequer deveria ter algo profundo.

Uma sensação de paz começou a se insinuar em sua alma atormentada.

Vicente ignorou o sentimento. — Talvez eu esteja enlouquecendo afinal... — pensou, mórbido. Eles voltaram em para o dormitório de Vicente em silêncio naquele dia.

— Você não veio de repente, não sou uma evidência... — Ainda sentindo a adrenalina do momento, Vicente continuava com aquele sorriso, apesar da sensação apavorante que estava sentindo dentro de si. A chuva que parecia estar castigando o horizonte parecia ter aumentado — Eu só precisava de apoio...

— Eu sou seu apoio, meu querido Vico, por livre e espontânea vontade, o que seu “apoio pessoal” precisa fazer para provar a sua existência e pensamentos individuais? — Ele fez uma cara pensativa, uma das poucas expressões que fazia, meio que aliviando a adrenalina que passava por Vicente por ele estar em uma posição perigosa.

— Você é inexistente, garoto... Você é só... Algo branco, algo vazio...

— Certeza?

— Absoluta.

— Nem você acredita em si mesmo, idiota, ou só não quer acreditar e lidar com a sua realidade, que é cruel. Puxa, que vergonhoso.— Vicente não estava acostumado com o garoto falando com pronome de tratamento, e muito menos falando verdades irrefutáveis.

— … Posso taxar você de “amigo imaginário”. — Vicente brincou depois de um tempo em silêncio, sentindo uma lágrima se misturar com a chuva. Ele nem percebeu que estava chorando. Ele odiava chorar.

— ‘‘Amigo’’ já é o bastante, é um bom avanço, significa que vou existir com você. Um mero passo de igualdade. — O garoto sorriu, o mesmo sorriso estranho de sempre, o exato sorriso que Vicente negava a todo custo gostar, apenas por medo de perdê-lo de vista, assim como tudo que ele já admitiu gostar.

Vicente deu um longo suspiro, sentindo uma estranha paz ultrapassando seu corpo, mesmo com sua infernal dor de coluna, ele saiu de sua varanda, e olhou para seu quarto desarrumado.

Totalmente vazio.

Vicente não ficou surpreendido e nem triste. É claro, ele sabia que o quarto sempre esteve vazio. Sempre.
corongavairus230708
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#drama #fiction #mystery #Drama_Psychological

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