3, maio de 2024
9: “Que belo dia para morrer”
Há dias em que pensamos que será o momento perfeito para x, y, ou z, ou até mesmo o alfabeto todo. Talvez, num dia ensolarado, pensemos em sair com amigos para um café; num dia chuvoso, ver um filme de terror com pipoca quentinha – se não precisarmos trabalhar, sejamos sinceros, mas Enzo tinha de trabalhar quando pensou que seria um belo dia para morrer.
Ei, espere aí, não é isso que você está pensando. Enzo não era suicida (um pouquinho), ao menos, não por conta própria: seu próprio trabalho era um rolar de dados do universo para decidir se ele morreria ou não. Ser exorcista não é tão divertido quanto a mídia faz parecer, e muito menos tão… caricato. Eles não vomitam, não giram cabeças, não gritam – só às vezes –, mas se escondem nas sombras, sussurram e riem, e a possessão é muito mais difícil de identificar do que parece. Além do mais, se o demônio for de um escalão alto, a possessão pode matar em poucos minutos.
Enzo não pensou nas consequências quando berrou aquele nome, quando viu os olhos loucos rodopiar até dentro de seu corpo e lutar pelo espaço que sua própria alma ocupava.
Certo, talvez eu tenha mentido um pouquinho. Ele não acordou e pensou uhul, hoje eu posso morrer, hein! Não, foi um dia normal, até que o Solas teve um exorcista morto e o culpado era nada mais, nada menos que, uh…
…eu não quero me arriscar a dizer. Deixa para lá.
Era o de sempre: demônios invadindo procurando o príncipe do Inferno. Não costumavam passar das barreiras iniciais, a não ser quando suas classes subiam – E, D, C e, mesmo assim, eram controlados sem muito problema. Quando adentravam tão profundamente, eram casos de possessão, e olhe, ainda que um tal fantasma tenha dito que qualquer espírito pode possuir alguém com até menos que uma lição mequetrefe, não é bem assim: demônios até da classe F em diante não têm essa habilidade. Não que você saiba o que isso significa, claro –, e a classe daquele demônio era a classe B.
O exorcista morreu porque o corpo estava em frangalhos.
O demônio estava lá, escondendo-se, pulando de corpo em corpo como um vírus, e Enzo decidiu ali que seria o dia de morrer. Um belo dia? Hm, bom, estava sol. Era definitivamente um dia. Talvez bom o suficiente. Enzo viveu bem seus 25 anos e até então tinha feito o trabalho de guardião do príncipe com excelência. Tinha amizades, teve amores, viu os pais morrerem, então, ora, o seu tempo podia acabar de uma vez.
Foi quando berrou aquele nome, quando sentiu-se quebrar por dentro, quando ouvia tão, tão distante as vozes dos amigos discutindo com o demônio, e o demônio falava com a sua voz, e Enzo decidiu que era suficiente.
Foi difícil puxar a arma; aquele monstro era forte, muito forte, e não importava o quanto Enzo quisesse, querer não o levaria a lugar algum. O demônio continuava a rir e controlar o braço que buscava a pistola.
Quem viu primeiro o que acontecia foi Ariel. Enzo pediu desculpas lá dentro de si, lá no fundo, para o seu melhor amigo, porque faria algo terrível – ou honroso. Depende do ponto de vista. Ariel fingiu-se seduzido pelas ideias, falas tão docemente horríveis do demônio, a fim d’ele desprender-se de Enzo, e foi quando a mão agarrou a pistola gelada.
Que belo dia para morrer, pensou.
Sem hesitar, atirou na própria cabeça.
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