4, maio de 2024
6: “O vazio grita de volta”
Quando me diziam que gritar para o vazio era pedir que ele gritasse de volta, eu acreditava ser uma metáfora. Ah, você grita para dentro de si, e o seu vazio grita em resposta, porque toda a sua dor e sofrimento vai sair uma hora, coisas do gênero. Eu não imaginava que o vazio pudesse gritar de verdade.
Já viu aquele experimento de que partículas se comportam diferente quando são observadas? E que as partículas na verdade são ondas e não pontos? E, por isso, se você acreditar que algo está lá, vai estar? É, é bem louco, não acha?
Não sou Percy Jackson, salvador de mundos – apesar de meu nome ser Perseu –, sou apenas um cara de 19 anos bastante perdido na vida e que descobriu que a teoria de física quântica que tudo está em todo lugar ao mesmo tempo é verdade, e que se você acreditar forte o bastante que um portal do Inferno vai abrir no final da rua da sua casa, no interior de São Paulo, ele vai estar lá às 23h47 da noite quando teu melhor amigo disse que ele é um anjo e almas estão fugindo do submundo e ele precisa de ajuda para parar o caos.
É, galera, ele é o personagem principal, não eu.
O portal do Inferno não é tão bizarro quanto você imagina. É só um buraco no chão, escuro e que solta fumaça com cheiro de enxofre.
― Você tá zoando comigo. ― Falei.
― Você quem ficou de graça dizendo que o portal ia abrir! ― Gabriel respondeu. Ele não é o arcanjo, pelo menos, eu acho que não. Puta merda, será que é? ― Você falou sério!
― Eu não acreditei que fosse abrir!
― Eu acreditei!
Pisquei algumas vezes. E agora? A gente pulava lá dentro? Rezava um Pai Nosso?
Eu me ajoelhei com cuidado e olhei para o abismo. Parecia olhar para a vastidão infinita do universo, uma coisa escura, sem fim, sem ar, sem vida – supostamente.
― Que treco assustador.
― Ei!
Virei para Gabriel. Ele deu de ombros.
― Ei o quê? ― Perguntei.
― Eu não disse nada. ― Gabriel apontou para o buraco. ― Foi ele.
― Ha-há, o abismo fala, que engraçado.
― Vazios são criaturas vivas!
Não era Gabriel falando.
Voltei a atenção para o abismo, para o vazio, a fumaça fedorenta e a escuridão que doía meus olhos continuava tão igual quanto há 10 segundos. Eu estava maluco?
― Não é possível que você fale.
― Pois eu falo! ― O Vazio resmungou. Ele tinha uma voz bastante melodiosa, apesar de aguda e com certeza irritante. ― E bastante bem, viu?
― Só bastante, mesmo.
O abismo, quer dizer, o Vazio, soltou o que pareceu um balão vazando, mas assumi ser um gritinho.
― Você é muito mal educado!
― Não precisa gritar comigo!
― Você quem está gritando!
Olhei para Gabriel por cima do ombro.
― Nós precisamos entrar nisso?
Gabriel sorriu torto.
― Vazios são só uma passagem, não vamos entrar no corpo dele, tecnicamente.
― Ele tem um corpo?
― Mas você é burro? ― O Vazio disse, indignado.
― Meu amigo ― Bufei. ―, até ontem eu nem sabia que você existia.
― Agora, sabe. Olha, vamos ter uma conversa quando chegarem aqui!
― Vazios são demônios?
― Percy ― Gabriel tocou meu ombro. ―, fique quieto.
É, o problema sou eu, não o abismo gritando comigo por não saber que ele fala.
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