5, maio de 2024
7: “O Rei pode ir para a casa do [censurado]
O muro era feito de corpos.
Quando Beatrice foi chamada pela Rainha para juntar-se com a bruxa à procura do Rei de Calmaria, ela não esperava que a situação fosse tão séria. Sim, os boatos de que o Rei era louco por poder era verdade, mas aqueles que surgiram, dizendo que Vossa Majestade matava pessoas a fim de roubar suas almas soava um pouco exagerado.
Beatrice era a comandante do exército, e Cordélia, a bruxa que protegia o reino. Era velha, mas apenas de idade. Imortal? Beatrice não sabia dizer. Daria no máximo trinta anos para a bruxa, mesmo com as rugas nos olhos marrons e doces.
A Rainha deu direções específicas de onde o marido podia estar; uma antiga torre perdida no bosque, onde antes guardavam o ouro. Parecia preocupada, e pediu que as duas tomassem cuidado, para que voltassem caso não fossem capazes de batalhar com o Rei.
Conforme avançavam, o bosque perdia a vida. A grama ficou cinzenta, o ar era frio e parado, não havia sinal de insetos e seus zumbidos, não havia cervos trotando, e o rio que um dia existiu era só um caminho pedregoso. Era ele quem separava Cordélia e Beatrice do muro de cadáveres em volta da torre.
Não era um muro fabulosamente grande, talvez tivesse um metro e meio, então era mais um cercadinho de corpos que um muro de fato, mas tamanho não deixava a situação menos tenebrosa, ainda mais porque rodeava a torre.
― É uma má ideia. ― Beatrice constatou.
― Más ideias são tudo o que temos. ― Cordélia sorriu torto, e Beatrice pensou se, ao invés da bruxa tentar parecer menos aterrorizada, ela estaria tentando parecer mais aterrorizada, como se aquele muro não fosse nada demais. ― Quer que eu vá primeiro?
― Você não pode estar falando sério, mulher. Olhe para isso! Não temos chances!
― Talvez, não sabemos.
Beatrice pegou Cordélia pelos ombros.
― Não há razão para isso. É suicídio.
As feições da bruxa tomaram um ar magoado, apesar de ela não ter movido um milímetro sequer.
― Não esperaria menos da comandante do exército.
Por um instante, Beatrice não entendeu o que Cordélia disse. Depois, seu coração disparou em ódio, e o sangue ferveu tanto que ela sentiu as bochechas arderem.
― Não há nada que possamos fazer pelos mortos, Cordélia, apenas pelos vivos.
― Você vai deixar que o Rei mate mais inocentes, Beatrice?! ― Ela falou, e por pouco não gritava. Desviou-se do toque de Beatrice com violência. ― Vai deixar que este muro aumente? Viemos porque temos uma ordem!
― O Rei pode ir para a casa do caralho, céus, Cordélia! A própria Rainha nos disse para voltar!
― Então volte, covarde! Vá fazer algo pelos teus vivos! Eu faço pelos mortos!
Beatrice tentou segurar Cordélia outra vez, mas as pontas de seus dedos apenas roçaram a capa da bruxa, que virou às costas e retomou a caminhada. Ela não hesitou em nenhum momento, nem quando a torre começou a vibrar e alguns cadáveres do topo caíram num baque úmido.
Num suspirou, Beatrice olhou para trás, mas a vida do bosque estava muito mais distante do que os corpos. Não valia a pena voltar.
Ela fez o sinal da cruz e seguiu Cordélia.
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