Admito que me peguei várias vezes, naquele pequeno instante, me questionando se realmente se tratava de você, ou se eu só vi o que queria ver. Afinal, tudo o que eu conhecia da sua pele era o que tinha debaixo do nariz, além dos seus olhos, claro. Te encarei, você pareceu sentir o peso do meu olhar sobre você, porque se virou em minha direção e nossos olhares se chocaram.
Mas conhecia bem aquela boca, o movimento daqueles lábios enquanto falava, aquele sorriso que se abriu quando nossos olhares se tocaram por tempo demais. Por algum motivo tive medo. Não é muito do meu costume, mas naquele momento eu não soube como agir. Virei o rosto em direção da preletora, sentindo como se um beija-flor tivesse invadido o meu coração e quisesse sair dele atravessando o meu peito.
Seria mesmo você? Ali, tão perto esse tempo todo? Lembro que sempre te via na igreja, mas nunca tinha me preocupado em descobrir quem você era por baixo da máscara até aquele momento. Teria me levantado e te abraçado ali naquele momento, mas as pessoas ao redor me impediam. Ao menos era isso que eu dizia para mim mesmo, mas tenho certeza que poderíamos estar a sós, sentados nos mesmos lugares, e ainda assim eu estaria paralisado naquela cadeira.
Enquanto mil coisas passavam pela minha cabeça, tentando relacionar você ali, sem a fantasia, e você na praça, a sua imagem começou a derreter em minha mente. Será que era mesmo você? A ideia de que eu estava na verdade criando aquilo, imaginando, me aterrorizou.
Resolvi dar uma outra olhada rápida. Não mataria.
Olhei.
Você ainda me olhava. Congelei com nossos olhares grudados. Ainda com um sorriso muito discreto, nada mais que uma curva naqueles lábios que eu conhecia tão bem, seu rosto se virou.
Era você. E o que isso significava afinal?
Mais uma vez me perdi na minha cabeça. Meu coração não parava de acelerar e tive medo, pela primeira vez, que fosse morrer. Não ali, não antes de saber da “verdade absoluta”.
“Não tem ‘verdade absoluta’”, sua voz veio na minha cabeça, ecos das nossas conversas naquele banco de praça.
E, enfim, aquilo fazia muito sentido. Começava a rever nossas interações na igreja, nossos rápidos diálogos que tivemos dentro daquelas paredes; seus maneirismos sem a fantasia, a mesma coçadinha no nariz; seu caminhar, ainda decidido, com passadas largas de quem sempre sabe pra onde está indo. Estava tudo ali, e, de repente, eu era idiota demais. Como pude não ter percebido aquilo bem na minha frente.
Te olhei ainda uma última vez. Você olhava para a preletora. Tão diferente de como eu tinha imaginado, e mesmo assim exatamente do jeito que devia ser. Parecia se encaixar perfeitamente nas minhas memórias.
Estava tão absorto que nem mesmo reagi quando a falsa da Renata disse as fatídicas sete palavras: “agora vamos cantar um louvor, todos juntos”.
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