Claro que minha mãe acordou quando eu voltei da festa, claro que ela ficou louca, aos berros. Berrei também, pois paciência tem limite. Falei coisas que não me orgulho, mas isso não vem ao caso aqui.
Bom, depois que eu descobri que você frequentava a mesma igreja que eu, só que sem fantasia de Corvo, não consegui me conter. Tinha aquela coisa que eu sentia sempre nos nossos encontros — antes e depois deles — e que agora eu estava sentindo o tempo inteiro. E que infelizmente eu não tinha mais como negar o que era.
Pela primeira na vida eu estava realmente ansioso para o culto da noite. Passei a tarde no quarto maquinando formas de falar com você e me convencendo de que todas elas eram inúteis. Quando conseguia tirar uma da cabeça, me deitava na cama, respirava profundamente, com se estivesse desistindo daquilo. Afinal, você não foi me ver porque não quis, então não devia correr atrás. Isso durava até outra fantasia, na qual eu falava com você, contaminar minha mente, aí me levantava inquieto de novo e começava a caminhar em círculos pelo quarto, sem conseguir controlar a agitação, até me deitar novamente na cama.
A ansiedade para te ver de novo dividia lugar dentro de mim com anos de um discurso que ecoava em minha mente. Não era bem medo do inferno. Era medo da minha mãe. A forma como ela falava do meu pai depois que ele se descobriu gay, a raiva que ela sentia, eu tinha certeza que aquilo agora me atingia também. Tinha certeza que ela daria um tiro em um arco-íris se pudesse, imagine se descobrisse que seu filho tinha sido “contaminado”.
Me virei de lado na cama.
Você tinha enfrentado gente bem maior que minha mãe por mim. Se eu conseguisse te ter do meu lado de novo, estaria tudo bem e a gente resolvia esses problemas secundários.
E assim eu passei a minha tarde de domingo, indo do medo à ansiedade.
Esse ciclo parou quando percebi que o sol começava a se pôr.
Comecei a me arrumar para sair. Coloquei uma das minhas roupas preferidas, mas um tênis velho. Usei meu perfume mais caro, mas tentei ser sutil.
Para surpresa de minha mãe, quando ela foi me chamar para sair eu já estava pronto.
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