A igreja à noite era bem mais cheia que pela manhã, então foi difícil de te avistar logo de cara. Cheguei procurando, com minha visão correndo todo o lugar, passando banco a banco, e procurando a face que havia acabado de ser descoberta pelo destino. Tão distraído que estava que minha mãe teve que voltar do banco onde havia se sentado para me puxar pelo braço para sentar ao seu lado.
A conclusão que tirei desse primeiro momento foi que você ainda não havia chegado. Aquilo me fez arrepender de toda a animação que tomou conta de mim durante o dia. Como eu tinha sido idiota pensando todas aquelas alternativas, falas, respostas e cenários para falar com você. Comecei a sentir vergonha, como se estivesse fazendo aquilo em voz alta para uma plateia de olhares julgadores, onde todas as pessoas tinham a mesma face: a minha.
Algumas músicas começavam a ser entoadas no púlpito e a igreja cantava em uníssono, mas nem isso me impediu de ouviu sua voz se aproximando pela porta da frente. Uma gargalhada sua soou a poucos metros de mim e me fez virar o rosto com pouca discrição. Lá estava você, bem mais elegante que pela manhã, com uma camisa com um único botão aberto e um sapato escuro. Não pude deixar de sorrir.
Vi quando você deixou o grupinho que te acompanhava e foi em direção aos fundos da igreja. Provavelmente para beber água ou ir ao banheiro. De repente, do fundo de algum poço da minha mente eu recobrei um cenário, imaginado naquela mesma tarde, em que nós nos encontrávamos ali mesmo, atrás da igreja, e eu conversava com você. Revelando o que eu sabia, e você me dizia que era verdade, ficava muito impressionado, ríamos muito e aí… aí acontecia o que sempre acontecia quando você tava de fantasia, mas agora sem a roupa de corvo.
O sorriso não havia deixado meu rosto enquanto esse cenário inteiro passava pela minha cabeça no correr de um segundo, e quando voltei à terra me vi indo em direção à porta central no fundo do salão, passando no meio do grupinho com o qual você chegou ali e saindo das frias luzes fluorescentes para o calor noturno.
Quanto mais me aproximava, mais enxergava possíveis erros naquele cenário, que começava a virar do avesso, de um sonho acordado a um pesadelo desperto. Passei pela porta lateral do templo e vi a igreja contida dentro daquelas paredes, e senti, junto com o medo, uma grande culpa.
Respirei fundo. Já estava quase lá.
Quando cheguei, vi o bebedouro vazio e o banheiro fechado.
A maçaneta da porta girou e eu corri, peguei um copo desajeitadamente e comecei a encher de água. Foi quando você saiu, veio em minha direção e sorriu para mim. Eu não conseguia tirar os olhos de você, mas também não consegui retribuir o sorriso.
— Oi… — disse, fazendo força para conseguir pronunciar algo.
Você respondeu o meu “Oi” ainda sorrindo, e finalmente eu não consegui deixar de sorrir. Vi que ia dizer algo, mas simplesmente olhou para minhas mãos, onde o copo transbordava e eu nem mesmo reparei. Tirei o copo do lugar com um palavrão, que arrancou uma gargalhada dele.
— Deus tá vendo, viu — me repreendeu, pegando ele mesmo um copo e enchendo de água.
— Acho que escolhi o pior lugar pra soltar um desse.
— A única coisa que faz esse lugar pior que qualquer outro lugar pra largar um palavrão desse são os ouvidos prontos a te dar um sermão.
— Tem um sermão preparado aí? — eu disse, após um gole em minha água.
— Não me tente.
“Você é o corvo?”, ensaiei com a voz na minha cabeça, e em nenhum cenário aquilo soou tão ridículo. Porque diabos eu estava tão nervoso!? Terminei de beber minha água e você a sua ao mesmo tempo. Eu sentia minhas mãos suando e abri e fechei elas, numa tentantiva de não deixar de sentir meus dedos. O meu silêncio ali ao seu lado começava a me parecer muito estranho.
— Vai entrar agora? — me perguntou.
— A-acho que vou no banheiro.
Você então se despediu e disse que a gente se via lá dentro. Mas antes que você sumisse, eu simplesmente soltei:
— Qual o seu nome?
—Miguel! O seu é Samuel, né?
Acenei confirmando, e você sumiu no corredor, indo em direção ao templo.
Fiquei ali paralisado com sua voz ecoando em minha cabeça, dizendo o meu nome repetidas vezes.
Você sabia meu nome. Era você mesmo!
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