Agora já sabia que o seu nome era Miguel e foi com aquilo que me apeguei quando voltei ao maravilhoso ambiente de minha casa. Parece que depois de alguns meses meu pai deu sinal de vida. Não sei se foi ligação, se ele apareceu lá em casa, se foi por carta, ou qualquer outra coisa.
Só sei que na segunda feira eu voltei do colégio depois de um dos dias mais felizes do meu ensino médio. Passei o dia sorridente, conversando com todos os meus amigos. Eu geralmente falava bastante, então não estranharam nenhuma mudança no meu comportamento, com exceção de Sara, que veio me perguntar o que tinha acontecido pra eu estar tão feliz. Disse que um dia lhe contaria. Ela não pareceu se contentar e insistiu, mas quando viu que não tiraria nada de mim, só deixou para lá, mas me fez jurar que um dia contaria.
Cheguei em casa e o almoço ainda não estava pronto, e minha mãe estava praticamente encolhida no canto da cozinha. De pé, olhando para a parede, com os ombros caídos, usando uma camiseta velha e amassada.
Até aquele momento eu não sabia o que era. Me preocupei, quis estender uma mão, tocar no ombro dela, perguntar o que estava acontecendo, mas fiquei apenas atrás dela olhando, esperando que ela se virasse e me dissesse, como sempre fazia.
— Aquele viado desgraçado! — Ela disse ainda de costas para mim. Fechei minha cara como se a ofensa fosse destinada a mim e fui em direção ao meu quarto com o restante do pão da manhã e o pote de margarina.
Lembro de ficar passando a margarina no pão repassando a cena da noite anterior. Já sabia que seu nome era Miguel, mas continuava te chamando de Corvo na minha mente, por algum motivo esse nome era mais confortável e eu pensava se devia usar ele contigo da próxima vez, tentar conseguir alguma reação tua.
Enquanto pensava a respeito disso, as palavras de minha mãe ainda estavam cravadas na minha carne. “Viado desgraçado”. Continuava ouvindo ela nos outros cômodos da casa resmungando absurdos que, longe de serem novidade para mim, agora me atingiam mais do que nunca. O plano era me isolar no quarto e deixar tudo aquilo do lado de fora, mas não consegui.
Em algum momento do dia eu precisei ir ao banheiro.
Segurei o quanto pude, mas se não fosse logo era arriscado eu fazer uma bagunça no quarto. Saí devagar. Já não ouvia minha mãe há algumas horas e não fazia ideia de onde ela podia estar. Não tinha escutado a porta da frente se abrir, então contava que ela estava em casa, mas quem poderia saber?
Sorrateiramente fui ao banheiro. Fiz o que precisava, saí, e ainda assim sem sinais da minha mãe. A ideia de que ela devia ter saído foi se fortalecendo em minha mente e se tornando uma esperança. Afinal eu precisava ir na cozinha coletar mais recursos para sobreviver à noite.
Pé ante pé eu segui até a cozinha, mas antes mesmo de chegar lá eu fiquei confiante demais. Entrei de uma só vez no cômodo e me assustei com a imitação de minha mãe que estava ali e apareceu na minha visão periférica. Estava sentada em uma cadeira, olhando para o nada, mas agora que eu havia aparecido, seu olhar havia se fixado em mim. Paralisei e nos encaramos por um momento. Ela tinha raiva muito clara no olhar. Tão forte que transparecia mesmo ante a barreira da tristeza.
— E você… do lado dele, né? Sempre assim. A mãe não tem ninguém por ela. Os filhos sempre ficam ao lado do pai, não importando o quão peçonhentos e imorais eles sejam — ela disse como se aquelas palavras estivessem escorrendo de sua boca.
Eu estava prestes a ignorar ela e sair dali.
— Não sai! — ela gritou, se erguendo da cadeira — Nunca me respeitou… Eu faço das tripas coração por você, pra te colocar no bom caminho. Pra não acabar igual o descarado do teu pai. Eu devia saber desde sempre que vontade dele era dar o rabo…
— Cala a boca! Puta que pariu!
— Se cale você! — ela gritou em resposta, e senti a presença dela crescer sobre mim mesmo eu sendo mais alto — Eu não vou te deixar acabar igual a ele — ela veio na minha direção com um olhar que me fez querer correr. Não conseguia despregar os meus olhos dela, embora a vontade de tirar aquela visão da minha frente fosse maior que tudo — Você não vai acabar assim. Vai ser de Deus, porque eu sou mulher de edificar a casa, mesmo quando a imoralidade quer destruir ela.
Eu tremia de raiva e medo. Não sabia o que dizer e nem teria coragem para dizer nada.
— Você não vai mais encontrar com o teu pai. Nem aqui no mundo e nem no inferno onde ele vai queimar junto com o viado dele.
Saí dali acelerado vencendo minha paralisia. E só deixei uma lágrima correr quando tive certeza de que ela apenas via as minhas costas.
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