Tive que passar um tempo distante dessas cartas. Não estava conseguindo sequer segurar uma caneta pensando no que escrever para você. Não sabia se sentia nojo de mim, raiva de você, ódio da minha mãe, ou podia mesmo ser tudo de uma vez só. Isso explicaria porque eu achava que ia explodir. Eu tinha até mesmo decidido parar de te escrever. Queria só esquecer de você e o que eu sentia. Então parei de escrever essas cartas, na igreja eu parei com essa ideia de me aproximar — comento da sua reação mais tarde — e comecei a me aproximar cada vez mais das pessoas da minha escola. Tinha até mesmo uma menina, a Júlia, que eu achava que tava apaixonado. Sentávamos juntos no intervalo das aulas para conversar bobagem e falar mal da vida alheia.
Por um tempo deu certo e eu mal pensava em você; mas era junho, o tempo passou e as férias, por fim, chegaram.
Sozinho em casa e sem distrações, a vontade de falar com você foi crescendo acima de qualquer outro sentimento, de um jeito meio inexplicável mesmo. E cá estou, fazendo o mais próximo que posso de conversar contigo.
Juro que enquanto eu escrevo, posso ouvir muito bem tua voz argumentando, concordando, discordando, xingando, e rindo. Como eu adorava te fazer rir… Acho que esse foi o maior aprendizado do tempo que passamos juntos. Eu amo te fazer rir.
Isso me lembra dos nossos primeiros encontros. Acho que foi meio por acaso. Não tinha conseguido te tirar da cabeça e pensar como queria ser teu amigo, conversar contigo e… é isso aí. Fui então juntando as peças do que eu sabia sobre você. Acontece que eu sabia pouco ou quase nada. Foi um único momento que passamos juntos, mas eu espremia ele tentando tirar cada gota de informação que podia.
Mas de uma coisa eu tinha certeza — ou quase —: você passava pela praça assim como eu para voltar para casa. Toda vez que eu atravessava aquele quarteirão recheado de bancos e árvores, eu me lembrava de você. E foi assim que uma ideia surgiu na minha cabeça. Eu ia deixar um bilhete pra você.
Essa era uma ideia meio inconstante. Eu queria muito fazer, pois era a forma de me comunicar que eu considerava possível, só que ao mesmo tempo considerava uma ideia tremendamente idiota. Qualquer otário poderia pegar a carta onde eu deixasse, podia chover, o vento podia levar, enfim… as chances de chegar em você eram mínimas.
Ainda assim eram minhas melhores chances.
Escrevi o tal bilhete onde eu dizia que queria te agradecer pessoalmente por me ajudar, e que, se quisesse, eu ia te esperar na praça. No sábado à tarde. E mesmo com o bilhete escrito, eu não queria deixar ele solto no meio da praça. E tudo nele parecia estranho, esquisito, tentei reescrever mas não deu em nada melhor e só voltei para a primeira versão.
Se fosse qualquer outra pessoa eu poderia falar aquilo até mesmo na cara da pessoa, mas você me paralisava. Não em um mal sentido. Só não queria parecer idiota ou correr o risco de você se afastar achando que eu estava avançando algum sinal.
No dia seguinte, com o bilhete no bolso, eu atravessei a praça para ir em direção à escola. Eu e mais uma dúzia de pessoas. Coloquei a mão no bolso para tirar o pedaço de papel, mas só consegui apertar ele com força enquanto caminhava. Tinha certeza que mesmo que o tirasse do bolso não o largaria. Tinha certeza que se alguma daquelas pessoas me visse deixando o papel e fosse xeretar do que se tratava, teria uma ideia errada sobre mim e você. Tá… hoje eu sei que não seria tão errada. Mas me assustei, e não consegui deixar o bilhete.
Naquele dia, na escola, eu fiquei distante, pensando que cada segundo que eu passava sem falar contigo era uma possibilidade diferente de nunca mais te ver. As chances eram poucas, mas se aquele bilhete com aquelas frases idiotas eram tudo o que eu podia fazer, então seria feito.
Deixei o bilhete colado com fita adesiva sobre um banco. Fui um dos últimos a sair da escola e caminhava devagar ao sinal de qualquer pessoa, mas acelerava ao reparar que não tinha ninguém à vista. Cheguei em um banco, postei o bilhete, dobradinho e com a face “para o Corvo do Halloween”, escrito só com caneta azul na minha caligrafia mediana, virada para cima.
O bilhete não estar lá no dia seguinte não foi muito surpreendente. A maior surpresa foi você ter aparecido no sábado…
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