O encontro com meu pai teve consequências, no mínimo, inesperadas. Uma mais imediata foi que eu senti as mágoas que eu guardei do meu pai por todos aqueles meses sendo desgastadas. Ainda pesavam em mim, mas não me feriam mais com suas pontas. Cheguei em casa depois do encontro com ele, passei direto por minha mãe e fui ao meu quarto, onde ainda conseguia sentir o rancor se revirando dentro de mim, mas agora ele não tinha nem nome mais.
A segunda foi o que aconteceu na igreja algum tempo depois do meu encontro com ele. Foi quando eu te chamei pra sair. Desde que minha mãe teve aquela explosão, eu retraí esse meu lado o máximo que podia. Claro que não tinha parado de pensar em você, mas tirei da cabeça a ideia de que um dia ficaríamos juntos. Sendo assim, na igreja eu sempre te respondia, mas procurava não te olhar muito, para evitar qualquer pensamento indevido. Conversava contigo, mas sempre a uma distância segura; quando você dava um passo em minha direção, eu dava um para trás. E nunca ficava sozinho com você em algum lugar. Ainda assim, com isso na cabeça, sempre me animava a ir para os eventos da igreja, pois sabia que era a forma de ficar perto de ti, ao menos por um tempo.
O encontro com meu pai não lapidou apenas as mágoas. Fez o mesmo com os medos. As partes dele e da minha mãe dentro de mim estavam sempre em conflito, mas agora que eu sabia a história dele, a força dela tinha minguado.
Voltei a me aproximar de você, que já parecia aberto a conversar comigo, então não foi nada difícil. Apenas permiti que nossos olhares se cruzassem, que desse passos em minha direção e que conversássemos a sós. E agora a imagem do corvo começava a ficar meio desbotada, já não o via de fantasia há quatro meses, e eu a substituía em minha memória pela sua imagem usando roupas normais. Admito que, às vezes, até mesmo pela sua imagem sem elas.
Quando voltarmos a nos falar mais livremente, vou ter uma pergunta a te fazer. Eu fiquei muito feliz quando aceitou o meu convite. Eu estava suando frio e não faço ideia se você percebeu. Talvez não, pois os fundos da igreja onde estávamos fica muito mal iluminado à noite, já que aquela única lâmpada não faz nem cócegas no escuro do lugar, que é muito amplo. Quando você disse:
— Vamos sim. Tô doido pra ver esse filme — com um mega sorrisão no rosto, eu tive vontade de pular de alegria.
Eu só queria saber o motivo do que você disse depois. Por que disse que ficaria feliz de sair com “o pessoal”? Acho que sei. Pra proteger sua imagem, afinal estávamos numa igreja evangélica. Mas a ideia de que na realidade você só não queria sair sozinho mesmo comigo, ainda me assombra. A cena se repete e eu acho dezenas de motivos pra você não querer sair comigo.
Bobagem. Você aceitou, e isso é o que importa. Semana que vem a gente se vê fora da igreja e eu quero tomar alguma atitude. Se tiver a mínima chance de voltarmos a ter a nossa amizade, eu preciso arriscar.
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